(Este texto é parte integrante do TCC apresentado a banca da Faculdade Paschoal Dantas em dezembro de 2017 para graduação em Bacharel em Teologia pelo autor deste blog)
1. O DISCURSO DO ESTADO E SOCIEDADE EM FASE A ESCRAVIDÃO NO BRASIL IMPÉRIO
1.1. A Formação do discurso e historicidade.
A escravidão foi um fenômeno social
na historia da humanidade que passou por todas as épocas, desde Idade antiga
ate início da Idade Contemporânea, sobrevivendo até o final do século XIX no
Brasil. Para compreender o atraso da abolição no Brasil, relatamos de forma
resumida a situação política, econômica e social, desde seus primórdios, com
vista à escravidão e sua relação com a religião católica. A recapitulação da
historia também se faz necessária, na medida em que nela encontramos os
fundamentos da formação do pensamento que compôs o discurso escravista seguido pelos
portugueses e adotado pela Igreja que vigorou por todo período colonial e
imperial.
Este
levantamento e observação são vitais quando se tem por base de comparação os
conceitos de Formação de Discurso do filósofo francês, Foucault e do russo,
Bakhtin, onde basicamente afirmam que “os elementos históricos são fundamentais
para compreender a formação discursiva e dos discursos na sociedade
contemporânea” (AZEVEDO, 2013). De Pêcheux sobre Analise do Discurso, quando
considera o interdiscurso como elemento formador do discurso onde “o dizer do
sujeito é sempre determinado por outros dizeres, ou o discurso é sempre
determinado por interdiscursos”. Logo, pode se conceber que “a memoria discursiva são esses sentidos já
cristalizado e legitimados na sociedade que são reavivados no interdiscurso”
(GUERRA, p.04); O discurso português, mais especificamente do clero, tem suas
origens em raízes históricas; portanto, o objetivo dessa abordagem é encontrar
a gênese da formação do discurso que advém do pensamento e sentimentos
existentes nos lusitanos em consonância com a Igreja, em especial no
catolicismo, com relação à escravidão negra.
Segundo
Emília Viotti da Costa, as mudanças ideológicas’ ocorridas na Europa por
ocasião da Revolução Francesa (1789-1799) e Revolução Industrial (a partir de
1760), acabaram por criar conceitos novos no pensamento da sociedade europeia.
A burguesia se opôs a derrubar o antigo regime questionando “o poder divino
atribuído ao rei e proclamar a soberania dos povos, exigindo a criação de
formas representativas de governo” (VIOTTI DA COSTA, p.17) foram fatores
determinantes que deram inicio a extinção da escravidão em todo o mundo.
O Brasil foi um dos últimos países a
deixar de se utilizar da mão de obra escrava em sua economia. A justificativa
reside em vários fatores que vão desde o combate às ideias revolucionárias francesas[i],
ignorância cultural da sociedade luso-brasileira, revoluções e revoltas
internas, drasticamente combatidas, e interesses econômicos dos grandes latifundiários
e participação efetiva da Igreja. No entanto, seriam destas ideias
revolucionárias, segundo Emília Viotti da Costa (p.17), “nos pensamentos dos
revolucionários do século XVIII que se encontram as origens teóricas do
abolicionismo”. Entretanto, a cultura colonizadora teve grande relevância para justificar
esse atraso. Podemos destacar a afirmação de Sergio Buarque de Holanda [ii]
em ‘Raízes do Brasil’, justificando a influência cultural dos países europeus
no resto do mundo, inclusive sobre Portugal. Em resumo, Holanda afirma que Portugal
e Espanha eram monarquias menos europeizadas que os demais países europeus e
não tiveram uma hierarquia feudal tão enraizada, tendo como consequência disso,
uma frouxidão organizacional trazida ao Brasil, além de uma burguesia precoce
em relação aos demais, que não gostava de trabalhar pesado, físico e regular e das
atividades profissionais utilitárias, mas sim de serem senhores (HOLANDA, p.
31-39). “Podemos dizer que de lá veio a forma atual de nossa cultura; o resto
foi matéria que se sujeitou mal ou bem a essa forma”, completa Holanda (Idem, p.40).
A Grã-Bretanha, metrópole econômica de Portugal,
exerceu papel fundamental para a total abolição da escravidão no mundo e
especialmente no que diz respeito ao Brasil, pois tinha grande interesse em
manter certo colonialismo econômico em vez de territorial e politico. Para os
ingleses “era mais interessante manter a calma no Brasil e ir reformando o país
à moda dos ingleses, suavizando sua tolerância beata e ensinando-lhes a
eficiência nos negócios”(RAUCK, p.21).
1.2. O Brasil Império: situação social e politica.
A vinda da corte portuguesa no inicio do
século XIX trouxe grande progresso econômico cultural e político, muito embora
a opressão continuasse agora mais de perto. A vinda da corte portuguesa trouxe
mudanças significativas na sociedade do Rio de Janeiro. Grande contingente de emigrantes europeus (15
mil vieram com João VI) desembarcaram no Novo Mundo, trazendo suas profissões,
culturas e filosofia. Paralelo à exigência da Inglaterra de abertura dos portos
alfandegários e a elevação da Colônia à condição de Reino Unido (16 de dezembro
de 1815) em condições de igualdade com Portugal, “provocou sentimentos
irmanados de independência e unidade” (HAUCK, p.22).
Este
sentimento fez explodir por todo pais revoluções de independência e ideias
republicanas motivadas pela aproximação com a Europa e os ideais franceses especialmente
entre os clérigos, militares e representantes de liderança das províncias.
O
modelo político social adotado no Brasil por D. Pedro I foi o de continuidade
do modelo político existente na península ibérica de monarquia absolutista e
feudal de interesses de classes dominantes. O pensamento liberal que norteava a
mentalidade dos revolucionários europeus não atravessou as barreias imposta
pelos governantes brasileiros para alcançar a mentalidade burguesa
luso-brasileira, aliás a própria elite latifundiária se tornou obstáculo.
Hauck
nos informa qual foi o sentimento da população pobre no Brasil independente:
Lei alguma consagrava a desigualdade, todos os abusos
eram o resultado do interesse e dos caprichos dos poderosos e dos funcionários.
Mas são esses homens que no Brasil foram os cabeças da evolução, não cuidavam
senão em diminuir o poder do rei, aumentado o próprio. Não pensavam, de modo
algum, nas classes inferiores. Assim o pobre lastima o rei e os capitães-generais,
porque não sabe mais a quem implorar apoio (HAUCK, p.27) [iii].
De 1817 a 1824 foram anos de
unificação nacional e consolidação da independência proclamada por D. Pedro I
em 1822 que teve como figura central na revolução de independência, José
Bonifácio. Um dos poucos liberais que realmente pensava no povo: defendia a
reforma agrária com distribuição dos latifúndios e a abolição gradativa da
escravidão. De personalidade forte criava inimizades em um grupo de pessoas de
interesses pelo poder. Sua queda em 1823 ocorreu devido ao seu programa social
combatido pelos portugueses, comerciantes, soldados e pelos grandes
proprietários.
Contra
a verdadeira independência do Brasil combatiam poderosíssimos interesses. È
interessante notar como todos os lideres políticos se voltaram contra José
Bonifácio por causa de seu programa social.
O liberalismo brasileiro era insensível à justiça social; não trazia a
democracia, pois o liberalismo só valia para certos grupos (HAUCK, 2008, p.26).
José Bonifácio de Andrade e Silva
considerava a escravidão “uma instituição nefasta”, corruptora da oral e dos
costumes, e inibidora do progresso do País’, entretanto, José Bonifácio, assim
como outras vozes favoráveis a abolição nesta época, como Maciel da Costa e
Hipólito da Costa, não era considerado um representante da elite dominante brasileira
permanecendo mais em Portugal do que no Brasil (Ibidem, p.20).
Verificamos
que os programas sociais e as ideias revolucionárias favoráveis de interesse da
classe servil começaram desde cedo a sofrer resistência por parte das
lideranças politicas e econômicas dominante que se formaram durante o período
colonial: os ricos ou os latifundiários.
O período de 1830 a 1850 foram
marcados por revoltas e revoluções civis de classes e de raças motivadas por
interesses diversos conforme seus interesses. Interesses republicanos e
separatistas, agrários e latifúndios e por interesses abolicionistas. Foi grande
a participação do povo, da parte de alguns religiosos, da imprensa e até dos
indígenas. Segundo Hauck (p.29), “não apareceu uma liderança de valor que
aglutinasse e representasse os anseios do povo nestes anos difíceis, e seus
movimentos e protestos são reprimidos com perigosa agitação social”. Para Hauck,
essas revoltas eram uma acomodação das camadas sociais e raciais, com
predomínios dos grandes senhores agrícolas. Serão essas classes vitoriosas que
vão orientar a economia e liderar os interesses do país.
A economia do Brasil, depois de
trezentos anos de colonização portuguesa, passados quase todos os Ciclos (do
Pau Brasil, da Cana de açúcar e do ouro), o Brasil era uma nação pobre. Por
todos os lados o que se via eram sinais de decadência. “Faltou ao Brasil uma
fonte de riqueza que pudesse acelerar o ritmo de passagem de agricultura extrativa
para a exploração industrial”(RAUCK, p.34). Mesmo os produtos agrícolas estavam
agora sujeitos a concorrência internacional.
O povo profundamente religioso estava
em completa submissão às autoridades em respeito e temor que chegava a bajulação
e ao medo para uma resignada tolerância dos constantes e graves abusos de poder
(HAUCK, p. 35, 36).
Os trabalhadores eram uma classe
inexistente, como entendemos hoje. Os escravos eram os encarregados de todos os
serviços manuais, seja nas fazendas ou na cidade. Pois ainda se pensava que o
trabalho manual desonrava a pessoa livre. Até mesmo o mulato se esquivava do
trabalho braçal. Os portugueses que na sua terra eram trabalhadores e criados
no Brasil preferiam passar fome que se submeter a trabalho braçal. Os camponeses inexistiam devido à escravidão
e a dificuldade de acesso às pequenas propriedades. A urbanização gerou uma
classe social desqualificada para o trabalho onde somente os portugueses e
estrangeiros mesmo analfabetos tinham oportunidades de crescimento (HAUCK, p.
39-40)
1.3. Inicio da emancipação da escravidão no Brasil.
A abolição dos escravos no Brasil é
marcada por dois estágios: o de construção e o de desconstrução. O de
construção que começa antes da colonização brasileira com o crescimento de
Portugal nas navegações e percorre todo o processo de colonização de 1500 a
1808 com vinda de família real ao Brasil.
O estagio de desconstrução começa com o acordo comercial
Brasil-Inglaterra, com a proibição do tráfico de escravos até a abolição final
em 1888. Aproximadamente 370 anos de
escravidão em terras brasileiras; um número incontável de negros vieram para o
Brasil nesse período sem contar os indígenas.
A mudança de pensamento com relação
à escravidão tem ligações diretas com as revoluções ocorridas na Europa: na
Inglaterra com a Revolução Industrial e na França com a Revolução ideológica
com os Direitos Humanos e no modelo político, como já foi ressaltado
anteriormente. A erradicação do trafico teve inicio na Inglaterra com
aprovações de leis através de esforços de políticos abolicionistas e
reformadores protestantes como Willian Wilberforce (1759-1833)[iv].
Segundo Viotti da Costa (p.18) foi
através dessas mudanças ideológicas que o que era vista como a vontade e
designo de Deus agora era visto como criação e vontade do homem, portanto “transitória
e revogável”. No passado a escravidão era considerada um corretivo para os
vícios e ignorância dos negros e via-se na escravidão a sua causa. “Passa-se a
criticar a escravidão em nome da moral da religião e racionalidade econômica.
Descobriu-se que o cristianismo era incompatível com a escravidão”. O trabalho
escravo começa a ser visto como menos produtivo que o livre e a escravidão como
uma instituição corrupta da moral e dos costumes (Ibidem, p.18).
A industrialização e a ideologia
francesa custaram chegar ao Brasil pelas barreiras impostas pelo governo e pela
elite dominante que temiam prejuízos econômicos, pois o Brasil era um país
predominantemente agrícola e dependia da mão de obra escrava e a
industrialização não havia chegado e nem tinham produto e dinheiro que pudesse
fazer essa passagem.
A partir do tratado comercial entre a
Inglaterra e Portugal (1807), se impõe o fim do trafico de escravos e, posteriormente
(1826) ao governo brasileiro abolir o trafico em três anos, mas somente em 1831
com a lei Feijó que em tese proibia o tráfico do Atlântico e libertava os
escravos que chegavam ao Brasil. Isso ocorreu somente no papel, pois na prática
o tráfico continuou acontecendo e somente em 1850 com a Lei Eusébio de Queiroz se
pôs fim ao tráfico de escravos. No
entanto a escravidão continuou no território brasileiro até 1888.
A pressão Inglesa pela abolição é
justificada por diversos motivos que vão desde uma conscientização cristã,
ideais iluminista e principalmente econômicos motivados pela Revolução Industrial.
A Inglaterra necessitava de ampliar seu mercado consumidor para seus produtos
industrializados e somente a classe trabalhadora assalariada tinha poder de
compra. O Brasil era o empório da Inglaterra; fornecia matéria prima barata e
adquiria produtos industrializados caríssimos, logo a escravidão andava na contramão
desse processo, não colaborava com o consumo, sem salários e poder de compra a
população negra não representava uma classe consumidora para os ingleses.
1.4. A escravidão no Segundo Império (1840-1889): mudança de consciência.
O período de 1848 a 1868 são
marcados pela consolidação da autoridade imperial por D. Pedro II e fim das revoltas autonomistas; conflitos internos
com a Igreja católica que requisitava maior autonomia nos assuntos
eclesiásticos e externos com o vizinho Paraguai
que acabou resultando na Guerra do Paraguai (1865-1870), que buscava uma
saída marítima para o Atlântico[v];
e pressões Britânicas devido ao tráfico que continuava existindo. Porém, “uma
das facetas mais importantes desse período foi o início da abolição da
escravatura” (HAUCK, p. 151).
A segunda metade do sec. XIX inicia
com a aprovação da Lei Euzébio de Queiroz, que tratava do tráfico negreiro. Esta
lei veio por força e imposição dos ingleses devido a Lei Bill Alberdeen de 08
de agosto de 1845. Este ato unilateral permitia que os ingleses abordassem e
inspecionassem navios brasileiros em qualquer oceano. Vioti da Costa (p. 37)
informa que a partir da segunda metade do sec. XIX começou a se intensificar o
movimento pela emancipação dos escravos. Inicialmente nos meios acadêmicos
entre os estudantes, escritores e advogados. Na literatura ‘escravo’ foi tema
em prosa e em verso. Muitos foram os escritores que se dedicaram a dramatizar o
dia a dia dos negros nas senzalas e a escravidão se tornou fonte de inspiração
de muitas obras que se tornaram famosas. O escritor que mais se identificou com
a sorte dos escravos foi Castro Alves (1847-1871), advogado, poeta e escritor;
conhecido como “O poeta dos escravos”, na sua curta vida dedicou-se a levantar
fundos para alforrias de escravos e a defendê-los nas cortes de Justiça. Na Guerra
do Paraguai, branco e negro, livres e escravos lutaram lado a lado. Os negros
com a promessa imperial de conquistarem sua alforria e retornaram vitoriosos. Segundo
Hauck (p.153) A GUERRA DO Paraguai fez despertar os sentimentos abolicionistas
e valorização dos militares nas decisões do país e vai fortalecer ideal republicano frente à
monarquia. Os ideais republicanos eram vistos pela igreja como sinônimo de
subversão tendo como promotora a maçonaria. Acrescente-se a esses sentimentos a isso Lei do Ventre Livre (1871) pôs fim à
escravidão dos nascituros e representou a declaração de “brasilidade” dos
negros.
A emancipação dos negros em condição
de servir o exército (1866), a emancipação total dos negros da Nação na Lei do
Ventre Livre (1871), foi como o início dessa tomada de brasilidade do negro. E
esta conscientização de que o negro é também povo brasileiro vai ser decisiva
para que a igreja também se conscientize de que o negro é povo de Deus. A
discussão em torno da lei do Ventre Livre trouxe a lume o ‘direito de
propriedade’ sobre o escravo que para muitos dizia respeito a coisas e não a
pessoas. Nesta época Torres Homem,
politico famoso, homem de cor que chegou ao senado depois de brilhante carreira,
afirmava:
A propriedade de
escrava era uma monstruosidade que violava o direito natural [...]. A maioria dos
escravos no Brasil descendia de escravos introduzidos no pais por um tráfico
não só desumano, como criminoso. Nada mais justo que se tomassem medidas que
acabasse com a escravidão (Viotti da Costa, p. 45,46).
Assim,
se começa a repensar a situação social do negro na sociedade brasileira. A Lei
do Sexagenário, em 1885, que libertava o negro com mais de 60 anos, foi uma
tentativa desesperadora de se manter a escravidão. Nessa altura, o povo tinha
“arrebatado das mãos da elite a direção do movimento. A Abolição se tornava
causa popular, com apoio de diversos setores da camada popular, da classe meia
e até da elite” (Viotti da Costa, p. 70,71). Assim o movimento se acentuou a
partir de 1880, provocando anarquia social que tomou conta de diversas regiões
do país, principalmente em São Paulo, província cafeeira para onde vieram grande
contingente de escravos. Fugas de escravos, revoltas, invasões de fazendas promovidas por movimentos abolicionistas como
os caifazes[vi]
que motivavam os pretos a se rebelarem.
A emancipação negra no Brasil teve
como “eixo as razões de ordens político-econômicas, com evidentes apelos de
ordem ético-morais, o que não implicava em propor a subversão da ordem
constituída”. Não foi resultado do ideal dos movimentos de libertação quilombos,
mas devido a materialidade de um conjunto de Leis, cujo objetivo era ‘manter a
estrutura econômica, político e social e fazer a transição da mão de obra
escrava para a livre de maneira mais traumática possível” (FUNES-GONÇAALVES, p.
30). Esta concepção é facilmente vista na Lei do Ventre Livre (1871) que
declarava que o nascido a partir daquela data somente alcançava sua liberdade
plena aos 21 anos de idade. Ou seja, o ingênuo ainda era explorado até a sua
maioridade. Ou seja, até a Lei Áurea ninguém ainda tinha sido beneficiado pela
Lei do Ventre Livre; quem nasceu em 1871 ainda estava com 17 anos e precisava
trabalhar até os 21.
Da Lei do Ventre Livre para a Lei
Áurea (1888), foi um longo caminho de exploração, luta e paciência. Quando a
sonhada liberdade veio, somente 5% da população era escrava, isto girava em
torno de 700 mil negros. Já havia esgotado todos os recursos para manter o
sistema escravista; era grande o numero de emigrantes que entraram no país para
substituir a mão de obra escrava pela livre, e o negro foi dispensado sem
nenhuma recompensa ou indenização. Desempregado, pobre, sem moradia e
desletrados, foram morar nos morros do Rio de Janeiro, de Santos e nos
subúrbios de São Paulo.
1.5. A situação do negro e classificação social no início do séc. XIX.
A escravidão era uma das
instituições mais típicas da sociedade brasileira colonial e imperial. Os
escravos eram a peça de maior valor, pois a terra de nada valia sem os
escravos. O seu valor aumentava a medida da necessidade do ciclo econômico. Em
Minas Gerais, no período do Ciclo do Ouro, e em São Paulo, durante o Ciclo do
Café, por exemplo, seu valor alcançou cifras impressionantes. Apesar de seu
alto custo os senhores não sabiam aproveitar de modo racional e planejado a
força escrava: excessivos trabalhos e horários exagerados, fraca alimentação
que produziam baixos rendimentos e alta taxa de mortalidade que superava a de
natalidade. O escravo morria cedo e não havia quem cobrasse o cumprimento das
leis de proteção que eram desrespeitadas desde o transporte nos navios até
pelos castigos e açoites impostos pelos senhores.
Não foram
poucas as situações de humilhação que eram submetidos que variava desde
conhecerem seu lugar na sociedade dos brancos até a sacralização da submissão
aos seus senhores dos quais deveriam pedir a benção. No entanto, houve patrões
que tratavam seus escravos com humanidade, promovendo o casamento, dispensando
do trabalho a escrava que amamentava, liberando o domingo como descanso semanal
e não faltou experiência de tornarem os negros assalariados. A condição do
escravo urbano era bem diferente daquele do interior. O custo para mantê-lo era
mais caro o que fez surgir muitos negros mendigos e moribundos pelas ruas.
Quando ficavam velhos, doentes ou cegos davam-lhes a alforria. A alforria poderia
ser comprada pelo escravo com suas próprias economias ou por outros pelo valor
estabelecido pelo patrão (HAUCK, p.46, 47).
As classes sociais no Brasil império eram
estabelecidas pelo extrato formador que a definia. Em uma sociedade em que a
escravidão ocupava lugar de destaque, o trabalho era o primeiro fator formador
separando escravos e livres. Esta definição não era bem definida, pois mesmo
negros livres e alforriados eram alvos de segregação racial o que lhes impediam
ou limitavam a ascensão social. Era fácil perceber como “o negro livre mantinha
arraigada a mentalidade de escravo reconhecendo a sua posição na sociedade
racista”.
No segundo degrau social estavam os
brancos ricos de influência social; mesmo existindo pretos ricos, não poderiam
ser influentes, pois lhes faltava o fator racial. “Cresce o complexo de ser o
brasileiro de raça inferior, que por muito tempo vai acompanhar os intelectuais
brasileiros” (HAUCK, p. 51). Os mulatos ainda vão ter grandes influência na
vida nacional, mas somente a partir de
1831 pelo caminho do exercito carregando sempre o complexo racial.
A inteligência e a cultura também
classificavam, mas dificilmente um mulato inteligente, pobre e de cor rompia a
barreira imposta. A riqueza era o elemento mais forte de classificação social, por isso
os senhores de engenho, os grandes proprietários de terra e os traficantes de
escravos se tornaram os detentores do poder; comandando as contrarrevoluções e foram eles os donos do país após 1831. Era comum a ostentação de riquezas e
exibição luxuosa tanto por parte dos senhores com pelos negros.
O extrato social de classe ficava
assim representado pelo “pequeno número de privilegiados e outro pela massa do
povo”.
Entre os
privilegiados podem ser colocados: os grandes proprietários rurais, alguns
altos escalões do funcionalismo público, por força do prestígio e da
influencia; os comerciantes, algumas profissões muito rendosas, como a dos
mercadores de escravos; o clero, por dois critérios: participavam os padres da
pouca numerosa elite intelectual, e eram representantes da religião que, por
ser oficial, lhes dava prestígio de funcionários qualificados e, por ser
profundamente arraigada na alma popular, lhes garantia o respeito do povo
(HAUCK, p. 53).
Segundo
Viotti da Costa (p.17) a “ordem social era considerada expressão dos desíguinios
da Providência Divina, portanto não era questionada”. Naquela época, acreditavam
que “era a vontade de Deu que uns nascessem pobres, outros ricos; uns livres e
outros escravos, e que não cabia aos homens modificar a ordem social”.
O
discurso a respeito dos negros está dialeticamente relacionado a sua posição na sociedade. Os negros eram os últimos na escala social, logo seus
interesses também. Completamente engolido pelo sistema escravista sua voz não
era ouvida. Nesse caso, precisava que alguém de uma escala acima falasse por
eles. Esperava-se que a Igreja cumprisse esse papel. Todavia, na sua prática em
relação ao negro e frente ao abolicionismo encontramos seu discurso como também já vimos. Assim,
os acontecimentos externos contribuíram para a abolição, a saber: a proibição do tráfico, a Guerra do
Paraguai, os abolicionistas juntamente com a opinião da qualidade da mão de obra
escrava. Na medida em que a sociedade mudou sua maneira de pensar o discurso
com relação ao negro também foi ganhando força, até que no final a Igreja
emprestou sua voz de forma apática.
[i] Como exemplo; a Inconfidência
Mineira de 1798 onde o Estado rechaçou as ideias revolucionarias de “Igualdade,
Liberdade e Fraternidade” e um dos objetivos em mente era a libertação dos
escravos (VIOTTI DA COSTA, 17-18).
[ii] Sérgio Buarque de Holanda nasceu em São Paulo, 11 de julho de 1902 — São Paulo, 24 de abril de 1982) foi um historiador brasileiro. Foi também crítico literário, jornalista e um dos
fundadores do Partido dos Trabalhadores
(PT). Formou-se pela Faculdade Nacional de
Direito da Universidade do Brasil (atual Universidade Federal
do Rio de Janeiro), onde obteve o
título de bacharel em Ciências Jurídicas e Sociais no ano de 1925. Começou a trabalhar como jornalista (no Jornal do Brasil), seguindo
para Berlim, como correspondente,
nos anos 1929-1931. (fonte: https://pt.wikipedia.org)
visto em 24/07/2017 - 17:24 h.
[iii]
HAUCK, p.27 apud Rodrigues, J. H. em Historias e Historias do Brasil, 8).
[iv] William
Wilberforce (24/08/1759 — 29/07/1833) foi um político britânico, filantropo e líder do
movimento abolicionista do tráfico negreiro. Nativo de Kingston upon Hull, Yorkshire, começou sua carreira
política em 1780 como candidato independente, sendo deputado do condado
de Yorkshire entre 1784 e 1812. Em 1785 converteu-se ao cristianismo, mudando
completamente o seu estilo de vida e se preocupando ao longo de toda sua vida
com a reforma evangélica. Em 1787, William Wilberforce conheceu Thomas Clarkson (abolicionista britânico) e um grupo
abolicionista ao tráfico negreiro que incluía Granville Sharp, Hannah More e Charles Middleton, importantes nomes da época e que juntos persuadiram
Wilberforce a entrar também na causa. Assim, Wilberfoce logo se destacou
tornando-se líder do grupo britânico abolicionista, liderando uma campanha
no parlamento inglês contra o tráfico de escravos que resultou, em
1807, na aprovação do Ato contra o
Comércio de Escravos (https://pt.wikipedia.org/wiki/William_Wilberforce,
visto em 15/12/2017 – 21:35 h
[v] MORAES, Isabel. Historia do
Brasil. Barueri: Gold Editora. 2012, p. 39.
[vi]O Movimento
dos Ceifasses foi organizado por Antônio Bento de Sousa e Castro, advogado, juiz e maçom no
bojo do movimento abolicionista paulista. Eles organizavam fugas coletivas no
final do século XIX, ou "roubavam os escravos de
seus senhores" para enviá-los ao quilombo do Jabaquara na cidade
de Santos e
de lá para a província do Ceará,
que já decretara a igualdade racial. O movimento de libertação dos escravos
paulista surgiu com o poeta Luís Gama e,
após sua morte, Antônio Bento assumiu a liderança do movimento. O nome Caifazes foi
inspirado em uma passagem do evangelho de São João (GO. 11,50) em que
sentencia Caifás: “Vós nada sabeis, nem compreendeis que convém que um
homem morra pelo povo, para que o povo todo não pereça? E entregou Jesus a Pilatos”.
A eficácia do movimento foi tão grande que a maioria das cidades paulistas já
havia decretado a libertação dos escravos negros antes da Lei Áurea de
1888. (fonte: https://pt.wikipedia.org/wiki/Movimento_dos_Caifazes,
visto em 25/09/17 às 14:48 h.
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