(Este texto é parte do TCC apresentado à banca da Faculdade Paschoal Dantas para a graduação em Bacharel em Teologia pelo autor deste blog)
CAPÍTULO DOIS
2.1 A Igreja e abolição e sua relação
com o negro.
João F. Hauck (p.274) afirma que
para entendermos o papel da Igreja no processo de emancipação e posteriormente
na luta pela abolição é necessário ter em vista “as bases sociais do império se
assentavam sobre a coroa, escravidão e proprietários de terra, e que a Igreja
constituiu a base espiritual do todo e viveram intimamente entrelaçadas entre as
três instituições”. Nesse mesmo raciocínio, Viotti da Costa (p.17) declara “justificada
pela religião e sancionada pela Igreja e pelo Estado que a escravidão não era
questionada”. A igreja se limitava a recomendar paciência aos escravos e
benevolências aos senhores. Hauck complementa dizendo que a igreja foi “o
cimento moral que deu consistência, que deu aliança entre os três elementos”.
Ney Santos afirma também que a Igreja
“não estava preocupada com os problemas concretos com a população da terra” e
cita o abolicionista Joaquim Nabuco que afirmou: “eu tinha sempre lastimado a
neutralidade do clero perante a escravidão, o seu indiferentismo no contato com
ela”.[i]
Segundo Riolando Azzi (1989. p.55) a obra do médico baiano Luiz Anselmo da
Fonseca tinha por objetivo “cobrar da Igreja Católica, uma instituição
declaradamente comprometida com a fraternidade, uma atuação mais significativa
na campanha em prol da abolição. Ao mesmo tempo passava a denunciar a grande
omissão do clero nesse tempo”. Nessa mesma obra, Azzi afirma seu parecer sobre
a omissão da Igreja no processo de abolição. Para ele a causa dessa fraca
presença católica se deve principalmente por dois motivos na grave crise que
perpassava a igreja: 1) seja pela decadência e desagregação do modelo de
cristianismo vigente no império; 2) seja pela afirmação progressiva do modelo trinitino.
Resumindo as afirmações de Riolando
Azzi, todo o período imperial foi tenso para a Igreja em sua relação com o
Estado. A Igreja continuava atrelada ao Estado e não tinha autonomia para
realizar qualquer reforma sem autorização da coroa. Os pensadores liberais da
classe letrada que poderiam liderar o movimento de emancipação (teve início com
José Bonifácio em sua Representação à Constituição, mas foi rejeitado por D.
Pedro I), durante o Primeiro Império, foram perseguidos e afastados de suas
funções, transferidos e ameaçados. No período Regencial foram combatidos pelos
latifundiários e no Segundo Império, D. Pedro II procurou nomear bispos
conservadores afastando os liberais. Logo, a reforma promovida pela Igreja foi
clerical com formação de padres comprometidos com o sacerdócio e não com política
e em catequizar o povo nos sacramentos da Igreja. Paralelo a isso havia a
pressão do Pontífice de Roma para estabelecer modelo Tridentino na Igreja
brasileira que leva bispos a expulsar padres e pessoas que tinham relações com
a maçonaria. O que levou a um conflito com o Estado na chamada Questão
Religioso, além disso, houve o sucateamento por parte do Estado nas Ordens
Religiosas que ficaram impedidas de recompor seus membros. Isto levou ao
envelhecimento das ordens femininas e masculinas gerando adoecimento e
debilidades, sem motivação e forças para promover empenho efetivo em prol dos
problemas socais e um compromisso sério com a causa abolicionista.
Logo,
a Igreja estava muito debilitada internamente e via sua esperança na
implantação do modelo tridentino que “cujas metas muitos se distanciava da
realidade brasileira [...]. Ao lado da crise da Igreja Imperial inspirada no
modelo de cristandade, também a estruturação do novo modelo tridentino constitui
um elemento determinante para o pouco interesse da instituição católica com relação
ao problema da abolição”(AZZI, 1989. p.55-70).
‘A
Igreja e o Estado de braço dado como dois soldados, caminhavam lado a lado com a
escravidão; tinham nas mãos o poder da alforria. Que bom seria se tivessem
paixão’. Estes meus versos bem classificariam o que Hauck esclarece sobre a
aliança entre a coroa e a mitra:
A coroa esteve unida
pelo regime do padroado e ao Estado pelo fato de ser sua religião oficial,
sendo os seus ministros, funcionários do império, de quem recebiam
subsistência. À grande propriedade delegou a Igreja a tarefa pastoral de
catequizar os escravos e de organizar e animar sua vida religiosa (HAUCK, 274).
E
mais, o reconhecido autor afirma que a Igreja “assentou sua base material”,
principalmente às ordens religiosas (carmelitas, beneditinas, mercedários e
jesuítas), na exploração de grandes propriedades de terra, na produção (cana de
açúcar), na comercialização (mercado exterior) e no mesmo regime de trabalho (centenas de escravos). Assim, a Igreja
através das ordens religiosas endossava o regime escravista ao compactuar com o
sistema escravocrata e atuar como senhores de escravo. Havia uma consciência de
que “não condizem com a condição religiosa e eclesiástica o uso e a posse de
escravos”. Os carmelitas se justificavam que os beneditinos e outros religiosos
possuíam engenhos de açúcar e por consequência, escravos. Quando questionados
para a emancipação e libertação, os religiosos estavam preocupados com o
prejuízo financeiro que sofreriam. Desta forma, o processo de emancipação no
início foi lento e gradual. Os franciscanos comercializavam escravos livremente
e somente no fim de 1859 resolveram dar liberdade aos “escravos mais
bem-comportados” com mais de 60 anos e as escravas com mais de 50 anos que
“tivessem dados aos conventos cinco filhos” o exemplo é seguido pelos
beneditinos que liberaram as escravas que dera mais de seis filhos e em 1866
resolvem dar liberdade a todos os nascidos em 03 de maio de qualquer ano e os
que nascessem após aquela data. Mas, o maior gesto profético veio dos
beneditinos, ocorreu um dia após a Lei do Ventre Livre de 28 de setembro de
1871 quando resolveram conceder liberdade a todos seus escravos, num total de
4.000, sem nenhuma indenização ou compensação pelos trabalhos prestados (HAUCK,
p.274, 275). No entanto, nem todas as ordens religiosas seguiram o exemplo dos
beneditinos, apesar dos apelos dos bispos em 1887 ocorridos às vésperas da Lei Áurea,
para libertarem seus cativos antes que o fizessem por força da lei e assim não
receberiam nenhum reconhecimento da sociedade. O frade carmelita, Frei Caetano
negou libertar seus cativos, desobedecendo à orientação de seu bispo, D.
Alvarenga, alegando que o Governo indenizaria os senhores. “Tão agarrado que
estava aos bens temporais, viu libertos por lei todos seus escravos e a sonhada
indenização nunca aconteceram, como também não veio o reconhecimento por parte
dos escravos que abandonaram as fazendas da ordem, deixando na miséria o frade”
(p.276).
Os esforços abolicionistas vinham da ala da
política liberal abolicionista na Assembleia e no Senado, de escritores e
jornalistas e associações abolicionistas que aqui e ali serviu como voz da
libertação (VIOTTI DA COSTA, p.37-40). A disputa mais acirrada se deu no campo
político, na Assembleia de Deputados, cuja maioria era representante de grandes
fazendeiros com grande contingente de escravos. Logo, aprovar qualquer projeto
emancipacionista era uma tarefa quase impossível (VIOTTI DA COSSTA, p. 41-43).
Quando
o clero se manifestava, quase sempre eram favoráveis aos interesses da classe
dominante escravista e procuravam eximir a Igreja de responder pelo problema do
negro. Esse foi o caso do bispo do Rio de Janeiro, D. Pedro Maria de Lacerda,
amigo da família real em sua carta pastoral sobre a Lei do Ventre Livre de 28
de setembro de 1871. Segundo Hauck (p.277), esta carta nos dá a ideia da
“medida exata da posição da Igreja perante a questão da emancipação”. A carta
expressa o pensamento de um alto clero da corte: “alargaram-se os horizontes de
uma bem entendida liberdade em nossa querida pátria Brasil (...). O que, porém,
sobrepuja todas essas circunstâncias, é que não foram contrariadas as leis de
Deus nem as de sua Santa Igreja”. O bispo invoca o feito como um ato de
profunda gratidão e generosidade de seus promulgadores:
Nos braços da Cruz
foi rasgado o [chitographo] que condenava a nascerem no captiveiro tantas
futuras gerações de homens e foi parada e recuada até o abysmo por peitos brasileiros
essa entumecida e arrebatada correnteza que há 371 anos arrastava e ainda
ameaçava rolar em suas negras ondas a milhares de homens que deviam um dia nascer
na terra americana do Império da Santa Cruz de Jesus Christo (RAUCK, p.277).··
O
bispo pede aos negros que se alegrem com a liberdade concedida aos que virão a
nascer livres e que continuem sendo obedientes aos seus senhores com amor
dobrado “porque o temor deve ser substituído pelo agradecimento” e que deviam
provar a “vossa dedicação e obediência, defendendo os vossos senhores e a tudo
que lhes pertence”. O bispo dirige a palavra aos senhores pedindo que eles não devessem
pôr obstáculos à execução da Lei e que as criancinhas fossem tratadas com o
devido respeito e não deixasse que as mães sofressem qualquer tipo de
tribulação: “Não permitais que os desmazelos, a inveja, a miséria ou o
desespero levem as mães ao aborto, ao infanticídio, ao abandono dessas
criancinhas inocentes e desvalidas; não as deixes sucumbir pelas tribulações”.
Em nenhum momento, afirma Hauck, o bispo D. Lacerda não reconhece o direito
natural do negro pela liberdade como o fez o Papa Leão XIII: “É coisa salutar restituir pelo benefício da
alforria à liberdade em que nasceram os homens que a natureza fizera livres
desde o início”(grifo meu). D.
Lacerda não contesta a legitimidade da escravidão nem afirma o direito natural
do escravo à liberdade. Os fazendeiros deveriam acatar e não questionar, pois
ao se opor à lei, estavam desobedecendo e se opondo a Deus, e não era o que a
Igreja ensina e que foi “legalmente decretada e promulgada”. Comenta Hauck que
enquanto projeto de lei “era lícito questionar, mas agora que é lei a religião
e o Estado exige a sua execução”. Desta
forma, a Igreja se alinhava a clássica argumentação escravocrata: “os escravos
eram sua legitima propriedade. Toda propriedade privada era sagrada e
inviolável” (HAUCK, p.277).
A carta ressaltou a importância da
Lei do Ventre Livre que valou ao bispo futuramente em 13 de maio o título de
Conde de Santa Fé concedido pela princesa. Sobre as declarações desta carta
pastoral de D. Lacerda, ainda falaremos mais para frente numa comparação com a
teologia bíblica sobre escravidão e sua legitimidade e regulamentos
a. A Igreja no processo de emancipação e nos movimentos abolicionistas
O movimento abolicionista ganha
força a partir de 1879-1888 e empolgou o país, todavia a participação da Igreja
era feita a distância e quase indiferente, sem nenhuma ligação íntima com o
abolicionismo. Somente às vésperas da abolição, através das cartas pastorais de
1887, que houve alguma movimentação do prelado a favor da abolição. Esta
ausência de interesse do clero católico foi alvo de muitas críticas por parte
dos principais ícones abolicionistas como Joaquim Nabuco, que expressou seus
sentimentos assim: “[...] Eu tinha sempre lastimado a neutralidade do clero perante
a escravidão, o indiferentismo de seu contato com ela...”.
No seu artigo ao Jornal O País,
Joaquim Nabuco fala da influência que os missionários católicos têm no interior
do país sobre a classe pobre e exclama:
[...] que efeito
prodigioso não faria a palavra do sacerdote que realmente pregasse a moral
social do evangelho! Mas onde já se viu um missionário abolicionista! [...]
ainda não houve no Brasil um bispo que levantassem a voz contra a escravidão,
como os houve para levantar a voz contra a maçonaria, apesar de estar a
escravidão mais condenada por bulas pontificais – e por concílios – do que a
maçonaria (HAUCK, p. 279).
Oficialmente
o abolicionismo não foi assunto do gosto do prelado católico devido sua ligação
direta com os interesses dos grandes latifundiários, mas não faltaram atos
individuais isolados que acabaram caindo no vazio, “por falta de oportunidade
histórica ou por não estarem articulados com um movimento social” (RAUCK,
p.279).
Como destaque, Hauck (p. 279)
apresenta alguns nomes importantes como do “bispo de Diamantina” (1863-1905), Dom
João Antônio dos santos, que em 1846 na Selecta
Católica de Mariana e em 1862 no Jequitinhonha de Diamantina, lutou pela
libertação, esforçando ao máximo para conseguir a libertação, chegou a
percorrer sua cidade episcopal suplicando a alforria legal dos escravos. No
site da Arquidiocese de Diamantina[ii],
há a informação de que o bispo de Diamantina durante seu governo “lutou
incansavelmente pela abolição da escravatura” e que “pessoalmente alforriou
mais de dois mil escravos na região”. Dom João Antônio dos Santos, bispo da
diocese de Diamantina em Minas Gerais parece ser uma exceção.
b. Diamantina: emancipação mineira e o desenvolvimento local.
Segundo Lívia Gabriele de Oliveira
(p. 11) “Assumidamente a favor da abolição dos escravos, ele divulgou seus ideais
emancipacionistas em jornais e em pastorais. Entre suas ações a favor da
liberdade, a mais significativa, além da pastoral de 1887, foi a criação da
Sociedade Patrocínio Nossa Senhora das Mercês (SPNSM), em 1870”, em consórcio
com o Fundo de Emancipação Municipal[iii].
Não somente porque levantava fundos para liberação dos escravos, mas por que
criou um ideário emancipacionista naquela região. Se a Igreja Católica era
representante do Estado, como se dava a crítica à escravidão por um de seus
membros? Se o bispo era abolicionista quais as ações que poderia caracterizá-lo
como tal? Como se comportaram as alforrias enquanto esteve à frente do bispado?
São perguntas que Lívia Oliveira (p.12) faz e responde no seu estudo com
relação ao trabalho do bispo de Diamantina.
A autora continua: “A legitimação do poder que a igreja exerceu sobre a
sociedade era feito por meio do bispo”. Era a mais preparada na formação de fé,
religião, poder, conhecedor da sociedade, de obediência a romanização a as leis
brasileiras. Capaz de influenciar o clero e a sociedade a seguir determinado
comportamento.
Em
muitas regiões isoladas, a Igreja Católica era o único representante do Estado;
extensão da sua vontade por força do Padroado Régio. O isolamento parece não
ser o caso do norte de Minas e principalmente em Diamantina, pois era uma
região rica em minério, pedras preciosas e agricultura. Ações positivas como do
bispo D. João Antônio dos Santos sem perder o prestígio junto ao Estado e
proprietários só encontram explicação nas relações políticas, culturais e
econômicas e têm “propostas de ordem e organização da sociedade que foram
intensificadas pela fé”.
A resposta aos resultados positivos
de D. João Antônio dos Santos, não estavam somente no fato do uso dos Fundos
locais e do governo para libertação do elemento servil, mas está em quem
projetou e organizou sua diocese para atender tanto os assuntos espirituais
como de interesses econômicos da região que passava por crise e por um período
de transição de setor econômico. A mineração estava em baixa, uma crise se
instalava e era necessário fazer a transição para a industrialização e diversificar
as atividades agrícolas: substituir a mão de obra escrava para a honesta. O que
Oliveira (p. 84, 85) destaca é que todas as instituições constituídas (jornais,
sociedades civis, Fundos Municipais e do
Governo) pela sociedade civil local estava ligada a Igreja. “Isso porque a
presença do bispo nas comissões administrativas e a sua influência sempre se
fazia presente”.
c. Os jornais no processo de emancipação.
Os jornais foram os veículos de
maior contribuição para o movimento emancipacionista em Minas Gerais. Em
Diamantina destacaram várias folhas com ‘’O Jequitinhonha’ e ‘Sete de Setembro’.[iv]
Nos jornais eram noticiados os nomes do elemento servil alforriado: crianças,
mulheres e homens beneficiados pelo Fundo de Emancipação e indenização aos
proprietários prevista na Lei do Ventre livre. “O movimento começou tímido e
alcançou proprietários, comerciantes e os letrados da região”(OLIVEIRA,
p.32).
Os
jornais da região tiveram papel fundamental na opinião pública da região:
O jornal
Jequitinhonha publicava discussões sobre o fim da escravidão em diversos países
sobre a postura do Imperador do Brasil quanto ao abolicionismo, o
encaminhamento dos projetos de leis, as condições de vida dos escravos e
libertos, a posição a Igreja, assinada algumas vezes, pelo próprio bispo
diocesano (...). A igreja divulgava o quão era nobre a abolição, mas sempre com
o cuidado de manter-se dentro da lei do império, condenando as fugas e as
revoltas (Oliveira, p.32).
Lívia
Oliveira (p. 85) destaca um artigo do Jornal Jequitinhonha falando sobre o
sermão do Padre Sypolis com clara associação à carta de Filemom. Entre linhas,
o artigo descreve que “com palavras de mestre descreveu o progresso e
desenvolvimento da escravidão em todos os povos” e continua:
Manifestou os passos
do cristianismo para quebrar as algemas do cativeiro. Falou aos corações dos
senhores e a humildade dos escravos. Aos senhores disse que deviam amar os
escravos como seus irmãos em Jesus Cristo; considerai-os como membros de sua
família. Aos escravos que deviam toda obediência e humildade aos seus senhores,
mesmo estando irados. “A emancipação deveria começar pela moralização dos
escravos” (OLIVEIRA, p.85).
Numa
rara comparação com a carta a Filemom; o padre afirma que esta moralização é
como que o escravo fosse visitar seu padrinho em São Paulo. “Ele agasalha,
instrui, batiza, moraliza o escravo e o manda para o seu senhor; ‘recebe-o como
recebais a mim, o meu coração, as minhas entranhas[v].
Lívia Oliveira (p.89) informa que os
escravos deveriam saber que a liberdade não vinha das mãos do governo ou por
suas próprias mãos, mas que conseguiriam a alforria de um ato de benevolência e
caridade de seus senhores. Muito embora, o bispo de Diamantina tivesse notória
participação junto ao Governo na idealização e aprovação da lei do Ventre Livre[vi]
que na sua diocese já acontecia como ato de caridade na pia batismal, ou seja,
o que já era um acontecimento em Diamantina e região, se tornou uma lei para o
país. Em parte, o que veio a ser a Lei do Ventre Livre era uma das propostas
emancipacionista da SPNSM e que já ocorria na região de Diamantina.
Devemos considerar as atitudes
positivas como emancipação oferecida pela Igreja desenvolvidas entre as ordens
católicas. Por determinação dos bispos foram obrigadas a alforriar seus
escravos, pois eram acusadas pelos abolicionistas de que o cristianismo não era
compatível com a escravidão, inclusive pelo jornal “O Abolicionista” de darem
péssimo exemplo ao serem ‘senhores de escravos’; isto é, havia um envolvimento
direto da Igreja com a escravidão, logo o seu discurso favorável à emancipação
dos escravos ficava comprometida.
O esforço da Igreja na emancipação
do elemento servil se traduziu de forma materializadoras em alforrias nas
cartas de liberdade, nas pias batismais e nos testamentos. “De acordo com as
praticas cristãs, remir o cativo era uma forma de praticar a caridade e com
isso alcançar a salvação”. A garantia pela salvação pode ser uma das
explicações pela grande alforria testamentárias institucionais (OLIVEIRA, p.
33). A participação da Igreja Católica no movimento de emancipação é resumida
na afirmação de Pedrosa: “A atuação oficial da Igreja seria caracterizada por
alguns lampejos de coragem e generosidade, mas a melancólica e quase
tardia no seu conjunto [...]” (PEDROSA,
p. 7)[vii].
Em 1888, às vésperas da abolição o
papa Leão XIII participa direta e indiretamente do processo de abolição.
Indiretamente porque os bispos pediram aos senhores de escravos uma ‘prenda’ em
comemoração ao Jubileu do papa (31/12/1887); os bispos pediram que fosse oferecida
liberdade aos escravos e centenas de escravos receberam o beneficio.
Diretamente
porque se manifestou favorável a emancipação em seu discurso por ocasião da
comemoração de seu Jubileu ao enviado especial o Ministro João Artur de Souza
Correia, em 14 de janeiro de 1888 e depois em 10 de fevereiro de 1888. Numa audiência
com o deputado Joaquim Nabuco, abolicionista que fora pedir ao papa “uma
palavra favorável a abolição”. A resposta do papa veio através da encíclica ln
Plurimis de 08 de maio de 1888 que somete chegou às mãos dos bispos brasileiros
após a assinatura da Lei Áurea.
d. As cartas pastorais.
As castas pastorais foram
instrumentos vastamente utilizado pelos bispos no período imperial para
transmitir suas ideias, fazer os seus apelos e administrar a Igreja dentro
daquilo que acreditavam ser correto.
Por meio das
pastorais, portanto, podemos acompanhar o pensamento da Igreja Católica –
manifestado nas palavras dos Bispos e do modo como foi transmitido aos fiéis –
durante um período significativo de sua atuação no Brasil e perceber os
argumentos e estratégias utilizados por esta instituição para garantir uma efetiva
influência sobre a religiosidade, a política e a cultura do país (CAES, p.02).
Desta
forma, vamos encontrar nelas raízes do pensamento doutrinário da cristandade no
período colonial em relação a diversos assuntos, e neste caso com relação à
escravidão. Em alguns casos o pensamento
está totalmente descoberto, mas em outros precisamos interpretar nas entre
linhas. Como vimos a igreja estava
profundamente ligada aos interesses do Estado e dos grandes proprietários de
escravos.
Uma Igreja elitizada desinteressada
pelas necessidades dos pobres e principalmente porque a abolição não fazia
parte dos seus planos, exceto em alguns casos particulares como já foi exposto;
mas não se tratava de um assunto tratado a nível nacional.
[i] SANTOS, p. 139 apud Nabuco, J.
Minha formação. Rio de Janeiro: Coleção documentos do Brasil, no. 90, 1957.
[iii] Oliveira, p.30
[iv] Idem, p.29
[v]
OLIVEIRA, p.85 apud BAT – O Jequitinhonha. Diamantina. 17/07/1870, no. 38
[vi]
A Lei do Ventre Livre, ou Lei 2040 de 28 de Setembro de 1871 declarava
livres os filhos de escravas os nascidos a partir daquela data. O bispo D. João Antônio recebeu cartas do
Gabinete do Ministério da Agricultura (em 07 de Julho de 1871) informando que a sua proposta à Assembleia Geral Legislativa
seria apreciada, pois conciliava os interesses dos proprietários com a da
religião. Recebeu cartas também do
Ministério dos Negócios do Império informando da aprovação da lei.
[vii]
PEDROSA, p. 7 apud BEOZZO, 1980, p.
280).
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