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A ESCRAVIDÃO NA BÍBLIA.

Este texto e parte integrante  de um artigo maior postado neste blog: A TEOLOGIA PRESENTE NOS DISCURSOS DA IGREJA CATÓLICA       NO FIN...

07/12/2019

A IGREJA CATÓLICA E A ABOLIÇÃO


 (Este texto é parte do TCC apresentado à banca da Faculdade Paschoal Dantas para a graduação em Bacharel em Teologia pelo autor deste blog) 

CAPÍTULO DOIS
1.    A IGREJA CATÓLICA  E ABOLIÇÃO

 2.1 A Igreja e abolição e sua relação com o negro.

            João F. Hauck (p.274) afirma que para entendermos o papel da Igreja no processo de emancipação e posteriormente na luta pela abolição é necessário ter em vista “as bases sociais do império se assentavam sobre a coroa, escravidão e proprietários de terra, e que a Igreja constituiu a base espiritual do todo e viveram intimamente entrelaçadas entre as três instituições”. Nesse mesmo raciocínio, Viotti da Costa (p.17) declara “justificada pela religião e sancionada pela Igreja e pelo Estado que a escravidão não era questionada”. A igreja se limitava a recomendar paciência aos escravos e benevolências aos senhores. Hauck complementa dizendo que a igreja foi “o cimento moral que deu consistência, que deu aliança entre os três elementos”.
            Ney Santos afirma também que a Igreja “não estava preocupada com os problemas concretos com a população da terra” e cita o abolicionista Joaquim Nabuco que afirmou: “eu tinha sempre lastimado a neutralidade do clero perante a escravidão, o seu indiferentismo no contato com ela”.[i] Segundo Riolando Azzi (1989. p.55) a obra do médico baiano Luiz Anselmo da Fonseca tinha por objetivo “cobrar da Igreja Católica, uma instituição declaradamente comprometida com a fraternidade, uma atuação mais significativa na campanha em prol da abolição. Ao mesmo tempo passava a denunciar a grande omissão do clero nesse tempo”. Nessa mesma obra, Azzi afirma seu parecer sobre a omissão da Igreja no processo de abolição. Para ele a causa dessa fraca presença católica se deve principalmente por dois motivos na grave crise que perpassava a igreja: 1) seja pela decadência e desagregação do modelo de cristianismo vigente no império; 2) seja pela afirmação progressiva do modelo trinitino.  
            Resumindo as afirmações de Riolando Azzi, todo o período imperial foi tenso para a Igreja em sua relação com o Estado. A Igreja continuava atrelada ao Estado e não tinha autonomia para realizar qualquer reforma sem autorização da coroa. Os pensadores liberais da classe letrada que poderiam liderar o movimento de emancipação (teve início com José Bonifácio em sua Representação à Constituição, mas foi rejeitado por D. Pedro I), durante o Primeiro Império, foram perseguidos e afastados de suas funções, transferidos e ameaçados. No período Regencial foram combatidos pelos latifundiários e no Segundo Império, D. Pedro II procurou nomear bispos conservadores afastando os liberais. Logo, a reforma promovida pela Igreja foi clerical com formação de padres comprometidos com o sacerdócio e não com política e em catequizar o povo nos sacramentos da Igreja. Paralelo a isso havia a pressão do Pontífice de Roma para estabelecer modelo Tridentino na Igreja brasileira que leva bispos a expulsar padres e pessoas que tinham relações com a maçonaria. O que levou a um conflito com o Estado na chamada Questão Religioso, além disso, houve o sucateamento por parte do Estado nas Ordens Religiosas que ficaram impedidas de recompor seus membros. Isto levou ao envelhecimento das ordens femininas e masculinas gerando adoecimento e debilidades, sem motivação e forças para promover empenho efetivo em prol dos problemas socais e um compromisso sério com a causa abolicionista.
Logo, a Igreja estava muito debilitada internamente e via sua esperança na implantação do modelo tridentino que “cujas metas muitos se distanciava da realidade brasileira [...]. Ao lado da crise da Igreja Imperial inspirada no modelo de cristandade, também a estruturação do novo modelo tridentino constitui um elemento determinante para o pouco interesse da instituição católica com relação ao problema da abolição”(AZZI, 1989. p.55-70).
‘A Igreja e o Estado de braço dado como dois soldados, caminhavam lado a lado com a escravidão; tinham nas mãos o poder da alforria. Que bom seria se tivessem paixão’. Estes meus versos bem classificariam o que Hauck esclarece sobre a aliança entre a coroa e a mitra:

A coroa esteve unida pelo regime do padroado e ao Estado pelo fato de ser sua religião oficial, sendo os seus ministros, funcionários do império, de quem recebiam subsistência. À grande propriedade delegou a Igreja a tarefa pastoral de catequizar os escravos e de organizar e animar sua vida religiosa (HAUCK, 274).

E mais, o reconhecido autor afirma que a Igreja “assentou sua base material”, principalmente às ordens religiosas (carmelitas, beneditinas, mercedários e jesuítas), na exploração de grandes propriedades de terra, na produção (cana de açúcar), na comercialização (mercado exterior) e no  mesmo regime de trabalho  (centenas de escravos). Assim, a Igreja através das ordens religiosas endossava o regime escravista ao compactuar com o sistema escravocrata e atuar como senhores de escravo. Havia uma consciência de que “não condizem com a condição religiosa e eclesiástica o uso e a posse de escravos”. Os carmelitas se justificavam que os beneditinos e outros religiosos possuíam engenhos de açúcar e por consequência, escravos. Quando questionados para a emancipação e libertação, os religiosos estavam preocupados com o prejuízo financeiro que sofreriam. Desta forma, o processo de emancipação no início foi lento e gradual. Os franciscanos comercializavam escravos livremente e somente no fim de 1859 resolveram dar liberdade aos “escravos mais bem-comportados” com mais de 60 anos e as escravas com mais de 50 anos que “tivessem dados aos conventos cinco filhos” o exemplo é seguido pelos beneditinos que liberaram as escravas que dera mais de seis filhos e em 1866 resolvem dar liberdade a todos os nascidos em 03 de maio de qualquer ano e os que nascessem após aquela data. Mas, o maior gesto profético veio dos beneditinos, ocorreu um dia após a Lei do Ventre Livre de 28 de setembro de 1871 quando resolveram conceder liberdade a todos seus escravos, num total de 4.000, sem nenhuma indenização ou compensação pelos trabalhos prestados (HAUCK, p.274, 275). No entanto, nem todas as ordens religiosas seguiram o exemplo dos beneditinos, apesar dos apelos dos bispos em 1887 ocorridos às vésperas da Lei Áurea, para libertarem seus cativos antes que o fizessem por força da lei e assim não receberiam nenhum reconhecimento da sociedade. O frade carmelita, Frei Caetano negou libertar seus cativos, desobedecendo à orientação de seu bispo, D. Alvarenga, alegando que o Governo indenizaria os senhores. “Tão agarrado que estava aos bens temporais, viu libertos por lei todos seus escravos e a sonhada indenização nunca aconteceram, como também não veio o reconhecimento por parte dos escravos que abandonaram as fazendas da ordem, deixando na miséria o frade” (p.276).
             Os esforços abolicionistas vinham da ala da política liberal abolicionista na Assembleia e no Senado, de escritores e jornalistas e associações abolicionistas que aqui e ali serviu como voz da libertação (VIOTTI DA COSTA, p.37-40). A disputa mais acirrada se deu no campo político, na Assembleia de Deputados, cuja maioria era representante de grandes fazendeiros com grande contingente de escravos. Logo, aprovar qualquer projeto emancipacionista era uma tarefa quase impossível (VIOTTI DA COSSTA, p. 41-43).
Quando o clero se manifestava, quase sempre eram favoráveis aos interesses da classe dominante escravista e procuravam eximir a Igreja de responder pelo problema do negro. Esse foi o caso do bispo do Rio de Janeiro, D. Pedro Maria de Lacerda, amigo da família real em sua carta pastoral sobre a Lei do Ventre Livre de 28 de setembro de 1871. Segundo Hauck (p.277), esta carta nos dá a ideia da “medida exata da posição da Igreja perante a questão da emancipação”. A carta expressa o pensamento de um alto clero da corte: “alargaram-se os horizontes de uma bem entendida liberdade em nossa querida pátria Brasil (...). O que, porém, sobrepuja todas essas circunstâncias, é que não foram contrariadas as leis de Deus nem as de sua Santa Igreja”. O bispo invoca o feito como um ato de profunda gratidão e generosidade de seus promulgadores:

Nos braços da Cruz foi rasgado o [chitographo] que condenava a nascerem no captiveiro tantas futuras gerações de homens e foi parada e recuada até o abysmo por peitos brasileiros essa entumecida e arrebatada correnteza que há 371 anos arrastava e ainda ameaçava rolar em suas negras ondas a milhares de homens que deviam um dia nascer na terra americana do Império da Santa Cruz de Jesus Christo (RAUCK, p.277).··

O bispo pede aos negros que se alegrem com a liberdade concedida aos que virão a nascer livres e que continuem sendo obedientes aos seus senhores com amor dobrado “porque o temor deve ser substituído pelo agradecimento” e que deviam provar a “vossa dedicação e obediência, defendendo os vossos senhores e a tudo que lhes pertence”. O bispo dirige a palavra aos senhores pedindo que eles não devessem pôr obstáculos à execução da Lei e que as criancinhas fossem tratadas com o devido respeito e não deixasse que as mães sofressem qualquer tipo de tribulação: “Não permitais que os desmazelos, a inveja, a miséria ou o desespero levem as mães ao aborto, ao infanticídio, ao abandono dessas criancinhas inocentes e desvalidas; não as deixes sucumbir pelas tribulações”. Em nenhum momento, afirma Hauck, o bispo D. Lacerda não reconhece o direito natural do negro pela liberdade como o fez o Papa Leão XIII: “É coisa salutar restituir pelo benefício da alforria à liberdade em que nasceram os homens que a natureza fizera livres desde o início”(grifo meu). D. Lacerda não contesta a legitimidade da escravidão nem afirma o direito natural do escravo à liberdade. Os fazendeiros deveriam acatar e não questionar, pois ao se opor à lei, estavam desobedecendo e se opondo a Deus, e não era o que a Igreja ensina e que foi “legalmente decretada e promulgada”. Comenta Hauck que enquanto projeto de lei “era lícito questionar, mas agora que é lei a religião e o Estado exige a sua execução”.  Desta forma, a Igreja se alinhava a clássica argumentação escravocrata: “os escravos eram sua legitima propriedade. Toda propriedade privada era sagrada e inviolável” (HAUCK, p.277).
            A carta ressaltou a importância da Lei do Ventre Livre que valou ao bispo futuramente em 13 de maio o título de Conde de Santa Fé concedido pela princesa. Sobre as declarações desta carta pastoral de D. Lacerda, ainda falaremos mais para frente numa comparação com a teologia bíblica sobre escravidão e sua legitimidade e regulamentos

a.    A Igreja no processo de emancipação e nos movimentos abolicionistas

            O movimento abolicionista ganha força a partir de 1879-1888 e empolgou o país, todavia a participação da Igreja era feita a distância e quase indiferente, sem nenhuma ligação íntima com o abolicionismo. Somente às vésperas da abolição, através das cartas pastorais de 1887, que houve alguma movimentação do prelado a favor da abolição. Esta ausência de interesse do clero católico foi alvo de muitas críticas por parte dos principais ícones abolicionistas como Joaquim Nabuco, que expressou seus sentimentos assim: “[...] Eu tinha sempre lastimado a neutralidade do clero perante a escravidão, o indiferentismo de seu contato com ela...”.
            No seu artigo ao Jornal O País, Joaquim Nabuco fala da influência que os missionários católicos têm no interior do país sobre a classe pobre e exclama:

[...] que efeito prodigioso não faria a palavra do sacerdote que realmente pregasse a moral social do evangelho! Mas onde já se viu um missionário abolicionista! [...] ainda não houve no Brasil um bispo que levantassem a voz contra a escravidão, como os houve para levantar a voz contra a maçonaria, apesar de estar a escravidão mais condenada por bulas pontificais – e por concílios – do que a maçonaria (HAUCK, p. 279).

Oficialmente o abolicionismo não foi assunto do gosto do prelado católico devido sua ligação direta com os interesses dos grandes latifundiários, mas não faltaram atos individuais isolados que acabaram caindo no vazio, “por falta de oportunidade histórica ou por não estarem articulados com um movimento social” (RAUCK, p.279).
            Como destaque, Hauck (p. 279) apresenta alguns nomes importantes como do “bispo de Diamantina” (1863-1905), Dom João Antônio dos santos, que em 1846 na Selecta Católica de Mariana e em 1862 no Jequitinhonha de Diamantina, lutou pela libertação, esforçando ao máximo para conseguir a libertação, chegou a percorrer sua cidade episcopal suplicando a alforria legal dos escravos. No site da Arquidiocese de Diamantina[ii], há a informação de que o bispo de Diamantina durante seu governo “lutou incansavelmente pela abolição da escravatura” e que “pessoalmente alforriou mais de dois mil escravos na região”. Dom João Antônio dos Santos, bispo da diocese de Diamantina em Minas Gerais parece ser uma exceção.

b.    Diamantina: emancipação mineira e o desenvolvimento local.

            Segundo Lívia Gabriele de Oliveira (p. 11) “Assumidamente a favor da abolição dos escravos, ele divulgou seus ideais emancipacionistas em jornais e em pastorais. Entre suas ações a favor da liberdade, a mais significativa, além da pastoral de 1887, foi a criação da Sociedade Patrocínio Nossa Senhora das Mercês (SPNSM), em 1870”, em consórcio com o Fundo de Emancipação Municipal[iii]. Não somente porque levantava fundos para liberação dos escravos, mas por que criou um ideário emancipacionista naquela região. Se a Igreja Católica era representante do Estado, como se dava a crítica à escravidão por um de seus membros? Se o bispo era abolicionista quais as ações que poderia caracterizá-lo como tal? Como se comportaram as alforrias enquanto esteve à frente do bispado? São perguntas que Lívia Oliveira (p.12) faz e responde no seu estudo com relação ao trabalho do bispo de Diamantina.  A autora continua: “A legitimação do poder que a igreja exerceu sobre a sociedade era feito por meio do bispo”. Era a mais preparada na formação de fé, religião, poder, conhecedor da sociedade, de obediência a romanização a as leis brasileiras. Capaz de influenciar o clero e a sociedade a seguir determinado comportamento.
Em muitas regiões isoladas, a Igreja Católica era o único representante do Estado; extensão da sua vontade por força do Padroado Régio. O isolamento parece não ser o caso do norte de Minas e principalmente em Diamantina, pois era uma região rica em minério, pedras preciosas e agricultura. Ações positivas como do bispo D. João Antônio dos Santos sem perder o prestígio junto ao Estado e proprietários só encontram explicação nas relações políticas, culturais e econômicas e têm “propostas de ordem e organização da sociedade que foram intensificadas pela fé”.
            A resposta aos resultados positivos de D. João Antônio dos Santos, não estavam somente no fato do uso dos Fundos locais e do governo para libertação do elemento servil, mas está em quem projetou e organizou sua diocese para atender tanto os assuntos espirituais como de interesses econômicos da região que passava por crise e por um período de transição de setor econômico. A mineração estava em baixa, uma crise se instalava e era necessário fazer a transição para a industrialização e diversificar as atividades agrícolas: substituir a mão de obra escrava para a honesta. O que Oliveira (p. 84, 85) destaca é que todas as instituições constituídas (jornais, sociedades civis, Fundos Municipais e  do Governo) pela sociedade civil local estava ligada a Igreja. “Isso porque a presença do bispo nas comissões administrativas e a sua influência sempre se fazia presente”.

c.    Os jornais no processo de emancipação.       

            Os jornais foram os veículos de maior contribuição para o movimento emancipacionista em Minas Gerais. Em Diamantina destacaram várias folhas com ‘’O Jequitinhonha’ e ‘Sete de Setembro’.[iv] Nos jornais eram noticiados os nomes do elemento servil alforriado: crianças, mulheres e homens beneficiados pelo Fundo de Emancipação e indenização aos proprietários prevista na Lei do Ventre livre. “O movimento começou tímido e alcançou proprietários, comerciantes e os letrados da região”(OLIVEIRA, p.32).  
Os jornais da região tiveram papel fundamental na opinião pública da região:

O jornal Jequitinhonha publicava discussões sobre o fim da escravidão em diversos países sobre a postura do Imperador do Brasil quanto ao abolicionismo, o encaminhamento dos projetos de leis, as condições de vida dos escravos e libertos, a posição a Igreja, assinada algumas vezes, pelo próprio bispo diocesano (...). A igreja divulgava o quão era nobre a abolição, mas sempre com o cuidado de manter-se dentro da lei do império, condenando as fugas e as revoltas (Oliveira, p.32).

Lívia Oliveira (p. 85) destaca um artigo do Jornal Jequitinhonha falando sobre o sermão do Padre Sypolis com clara associação à carta de Filemom. Entre linhas, o artigo descreve que “com palavras de mestre descreveu o progresso e desenvolvimento da escravidão em todos os povos” e continua:

Manifestou os passos do cristianismo para quebrar as algemas do cativeiro. Falou aos corações dos senhores e a humildade dos escravos. Aos senhores disse que deviam amar os escravos como seus irmãos em Jesus Cristo; considerai-os como membros de sua família. Aos escravos que deviam toda obediência e humildade aos seus senhores, mesmo estando irados. “A emancipação deveria começar pela moralização dos escravos” (OLIVEIRA, p.85).

Numa rara comparação com a carta a Filemom; o padre afirma que esta moralização é como que o escravo fosse visitar seu padrinho em São Paulo. “Ele agasalha, instrui, batiza, moraliza o escravo e o manda para o seu senhor; ‘recebe-o como recebais a mim, o meu coração, as minhas entranhas[v].        
            Lívia Oliveira (p.89) informa que os escravos deveriam saber que a liberdade não vinha das mãos do governo ou por suas próprias mãos, mas que conseguiriam a alforria de um ato de benevolência e caridade de seus senhores. Muito embora, o bispo de Diamantina tivesse notória participação junto ao Governo na idealização e aprovação da lei do Ventre Livre[vi] que na sua diocese já acontecia como ato de caridade na pia batismal, ou seja, o que já era um acontecimento em Diamantina e região, se tornou uma lei para o país. Em parte, o que veio a ser a Lei do Ventre Livre era uma das propostas emancipacionista da SPNSM e que já ocorria na região de Diamantina.
            Devemos considerar as atitudes positivas como emancipação oferecida pela Igreja desenvolvidas entre as ordens católicas. Por determinação dos bispos foram obrigadas a alforriar seus escravos, pois eram acusadas pelos abolicionistas de que o cristianismo não era compatível com a escravidão, inclusive pelo jornal “O Abolicionista” de darem péssimo exemplo ao serem ‘senhores de escravos’; isto é, havia um envolvimento direto da Igreja com a escravidão, logo o seu discurso favorável à emancipação dos escravos ficava comprometida.
            O esforço da Igreja na emancipação do elemento servil se traduziu de forma materializadoras em alforrias nas cartas de liberdade, nas pias batismais e nos testamentos. “De acordo com as praticas cristãs, remir o cativo era uma forma de praticar a caridade e com isso alcançar a salvação”. A garantia pela salvação pode ser uma das explicações pela grande alforria testamentárias institucionais (OLIVEIRA, p. 33). A participação da Igreja Católica no movimento de emancipação é resumida na afirmação de Pedrosa: “A atuação oficial da Igreja seria caracterizada por alguns lampejos de coragem e generosidade, mas a melancólica e quase tardia  no seu conjunto [...]” (PEDROSA, p. 7)[vii].
            Em 1888, às vésperas da abolição o papa Leão XIII participa direta e indiretamente do processo de abolição. Indiretamente porque os bispos pediram aos senhores de escravos uma ‘prenda’ em comemoração ao Jubileu do papa (31/12/1887); os bispos pediram que fosse oferecida liberdade aos escravos e centenas de escravos receberam o beneficio.
Diretamente porque se manifestou favorável a emancipação em seu discurso por ocasião da comemoração de seu Jubileu ao enviado especial o Ministro João Artur de Souza Correia, em 14 de janeiro de 1888 e depois em 10 de fevereiro de 1888. Numa audiência com o deputado Joaquim Nabuco, abolicionista que fora pedir ao papa “uma palavra favorável a abolição”. A resposta do papa veio através da encíclica ln Plurimis de 08 de maio de 1888 que somete chegou às mãos dos bispos brasileiros após a assinatura da Lei Áurea.

d.    As cartas pastorais.

As castas pastorais foram instrumentos vastamente utilizado pelos bispos no período imperial para transmitir suas ideias, fazer os seus apelos e administrar a Igreja dentro daquilo que acreditavam ser correto.

Por meio das pastorais, portanto, podemos acompanhar o pensamento da Igreja Católica – manifestado nas palavras dos Bispos e do modo como foi transmitido aos fiéis – durante um período significativo de sua atuação no Brasil e perceber os argumentos e estratégias utilizados por esta instituição para garantir uma efetiva influência sobre a religiosidade, a política e a cultura do país (CAES, p.02).

Desta forma, vamos encontrar nelas raízes do pensamento doutrinário da cristandade no período colonial em relação a diversos assuntos, e neste caso com relação à escravidão.  Em alguns casos o pensamento está totalmente descoberto, mas em outros precisamos interpretar nas entre linhas.  Como vimos a igreja estava profundamente ligada aos interesses do Estado e dos grandes proprietários de escravos.
            Uma Igreja elitizada desinteressada pelas necessidades dos pobres e principalmente porque a abolição não fazia parte dos seus planos, exceto em alguns casos particulares como já foi exposto; mas não se tratava de um assunto tratado a nível nacional. 





[i] SANTOS, p. 139 apud Nabuco, J. Minha formação. Rio de Janeiro: Coleção documentos do Brasil, no. 90, 1957.
[iii] Oliveira, p.30
[iv] Idem,  p.29
[v] OLIVEIRA, p.85 apud BAT – O Jequitinhonha. Diamantina. 17/07/1870,  no. 38
[vi]  A Lei do Ventre Livre, ou Lei 2040 de 28 de Setembro de 1871 declarava livres os filhos de escravas os nascidos a partir daquela data.  O bispo D. João Antônio recebeu cartas do Gabinete do Ministério da Agricultura (em 07 de Julho de 1871)  informando que  a sua proposta à Assembleia Geral Legislativa seria apreciada, pois conciliava os interesses dos proprietários com a da religião.  Recebeu cartas também do Ministério dos Negócios do Império informando da aprovação da lei.
[vii] PEDROSA, p. 7  apud BEOZZO, 1980, p. 280).

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