(Este texto é parte integrante do TCC apresentado a banca da Faculdade Paschoal Dantas em dezembro de 2017 para graduação em Bacharel em Teologia pelo autor deste blog)
CAPÍTULO QUATRO
1. O DISCURSO E A TEOLOGIA
A discussão da Igreja católica com
relação à escravidão desde seus primórdios, na colonização com os Pe. Manoel da
Nobrega e Antônio Vieira e outros; os discursos de diversos clérigos no período
imperial, os seus sentimentos e dúvidas até finalmente chegarmos a teologia com
relação à escravidão dentro do contexto histórico existente no final do século
XIX, teve uma construção histórica típica e exclusiva que só ocorreu no Brasil.
Tendo em vista o que se formou até a segunda metade do séc. XIX foi um
catolicismo brasileiro com características próprias. A consciência e seu
ajuizamento em torno do tema escravidão e abolição é construída ao longo de
mais de três séculos de dominação católica em território brasileiro. Com o fim
da escravidão e a Proclamação da República, a corrida para a destruição de arquivos
que não mais interessavam ou que viessem comprometer os senhores e a Igreja, foram
destruídos. Desta forma, muitos documentos que poderiam ser verdadeiros
monumentos históricos foram perdidos dificultando respostas esclarecedoras.
A historicidade são condições
necessárias para que a Analise do Discurso (AD) com a fundamentação teórica em
Foucault, Bakhtin e Pêcheux que levam em conta documentações, registros,
textos, etc. Estes documentos se tornam “monumentos” que vão caracterizar,
identificar, constituir a instituição ou o indivíduo; e assim, oferecer leitura
e, por conseguinte, hermenêutica do discurso da instituição no período
histórico que se propôs fazer a analise.
Na
leitura direta dos documentos – textos, sejam cartas pastorais, jornais da
época, documentos judiciais, etc., ou a leitura indireta das práxis da instituição,
estão o conteúdo discursivo e, por conseguinte suas intenções e mentalidade a
respeito de determinado tema, neste caso a escravidão e abolição.
No contexto histórico próprio que se
formou no catolicismo romano e no sistema feudal europeu que os lusitanos
tardiamente permitiram ser renovados e a formação da classe mercantilista que advém
da corrida marítima, vão sedimentando a ideia que embasou a legitimidade da
escravidão. Aliado ao sistema católico vigente e atuante, inclusive ao poder
concedido pelo papa através das bulas do séc. XV e XVI a teologia católica escravista
ganhou forma e discurso. No conceito de Foucault
“estes” ou “os registros históricos são colocados num perspectiva de forma a
identificar a instituição ou individuo” e segundo Sara Azevedo, historia que Foucault
“fez é na intensão de dar condições de possibilidade de conhecimento” (AZEVEDO,
p. 14). Logo, esta historicidade me faz “ler” não mais as intenções, mas o
“comportamento”, resultado da leitura teológica que a instituição católica fez
naquele tempo sobre a escravidão e se traduziu em ações evangelísticas missionárias
conforme o modelo aqui estudado. Basicamente o discurso é algo que vai além do
texto e enunciado é todo conjunto de forma de comunicação. Sendo que o mais
importante não é o conteúdo discursivo, mas o que ele comunica, pois, o
discurso dominante tem o poder do que é aceito ou não em uma sociedade
(AZEVEDO, pp.155-157) . Tem aplicabilidade e se justifica dentro da
historicidade do catolicismo romano em suas relações com a escravidão no
Brasil.
A analise dos discursos
orais e textuais, teológicos e filosóficos existentes e citados nas bibliografias
apresentadas aqui oferece uma leitura teológica do discurso e estão presentes
nas cartas pastorais produzidos pelo episcopado e nas ações isoladas de
indivíduos do clero nos últimos anos que antecederam a abolição. Apesar da aparente
apatia no compromisso social com o negro, a Igreja produziu material suficiente
para saber sua teologia discursiva.
A comparação destes modestos ideários
Católicos com o fervor discursivo dos movimentos abolicionistas, são
inevitáveis e necessários para traçar uma linha divisória entre o que é
discurso social e político do que é discurso eclesiástico teológico. Os
discursos abolicionistas, ainda que tivessem princípios teológicos, eram sociais
e filantrópicos e quase sempre político. É até possível crer, mas sem base
teórica, que a bandeira do abolicionismo por muitos foi levantada apenas para
derrubar o velho sistema monárquico; estes eram indivíduos da política de
esquerda, que também pretendia chegar ao poder. Seus discursos estavam repletos
de interesses políticos e econômicos, ainda que promovessem o bem-estar social
e melhoria de vida do negro e precisavam ser analisados dentro do contexto histórico
que se propôs. Diferentemente do discurso eclesiástico onde conforme informa Azevedo
(2013), falando de Michel Foucault o discurso que: “oferece um saber como
construção histórica, e como tal, produz verdade que se instala e se revela na
prática discursiva”. Assim, a práxis católica se revelou no discurso. Numa
sequência por mim construída a partir do meu entendimento que fiz sobre AD: Historia. > Discurso > Práxis > conhecimento.
a. A teologia no discurso da carta de D. Lacerda bispo do RJ.
A teologia para Batista
Libânio e Afonso Murad (1996) é “uma sequência de movimentos que termina em
Deus, mas trata antes de tudo de operação intelectual humana; que se configura
determinado tipo de saber, de conhecimento. Num esforço de compreensão que a inteligência
humana empreende”. Destarte, a teologia como atividade humana com relação à
escravidão, cuja investigação recai na aplicabilidade de conceitos teológicos
que a Igreja Católica compreendia naquele momento histórico, mas que foi
construída no decorrer dos séculos. Essa “operação intelectual que configura
determinado saber e conhecimento num esforço de compreensão que a inteligência
humana empreende” são as interpretações pessoais e institucionais com respeito
aquilo que as Escrituras afirma sobre escravidão, por exemplo.
Tomando como exemplo a carta de D.
Pedro Maria de Lacerda, bispo do Rio de Janeiro, amigo da família real, sobre a
Lei do Ventre Livre de 28 de setembro de 1871
onde, segundo Hauck (p.277) o
bispo invoca o feito como um ato de profunda gratidão e generosidade de seus
promulgadores, e o texto da carta expressa o pensamento de um alto clero da
corte.
Nessa
carta, o bispo D. Lacerda não reconhece o direito natural do negro pela
liberdade como fez o Papa Leão XIII na sua bula: “É coisa salutar restituir
pelo beneficio da alforria, à liberdade em que nasceram os homens que a
natureza fizera livres desde o início”. ‘D. Lacerda não contesta a legitimidade
da escravidão nem afirma o direito natural do escravo à liberdade’. O texto da
carta de D. Lacerda aponta para o conservadorismo e perpetuação da escravidão.
Por outro lado, este “conservadorismo” aponta para uma conformidade com a recomendação
do Apóstolo Paulo dirigida a Igreja de Éfeso quando fez a seguinte orientação:
Escravos obedeçam aos
seus senhores terrenos com respeito e temor, com sinceridade de coração, como a
Cristo. Obedeçam-lhes não apenas para agradá-los quando eles os observam, mas
como escravos de Cristo, fazendo de coração a vontade de Deus. Sirvam aos seus
senhores de boa vontade, como servindo ao Senhor, e não aos homens, porque
vocês sabem que o senhor recompensa cada um pelo bem que pratica, seja escravo,
seja livre (NVI- Efésios 6:5-08).[ii]
Verificamos
por este texto que os escravos na Igreja primitiva foram ‘doutrinados’ a serem
obedientes aos seus senhores e os senhores a amarem seus escravos como irmão. Como
já foi afirmado na introdução deste texto, para
Bakhtin “Nosso próprio pensamento (...) nasce e forma-se em interação e em
luta com o pensamento alheio, o que não
pode deixar de refletir nas formas de expressão verbal do nosso pensamento”
(FILHO, TORCA, p.3).[iii]
Dessa forma, ao repetir as palavras do Apóstolo Paulo em sua carta o bispo D.
Lacerda faz uma contextualização de seu tempo com a das Escrituras ignorando o
tempo e a ‘Iluminação’ concedido ao intelecto humano com relação ao próxim
b. Teologia no discurso de D. João Antônio Santos.
A carta pastoral do bispo de Diamantina,
D. João Antônio Santos, de 31 de dezembro, convocando a população para um ato
de justiça de oferecer uma ‘prenda’ ao papa por ocasião de seu Jubileu e o sermão
do padre Sypolis publicado no jornal Jequitinhonha se tornam ‘monumentos’ pelos
quais vamos ler a teologia que se formou na mentalidade eclesiástica e se
revelou nas ações práticas no episcopado
de Diamantina, quando ela fez a leitura da necessidade local e aplicou o
evangelho e se efetuou na região em beneficio dos escravos e da sociedade em
geral. Além disso, vamos considerar as ações praticas do governo de D. João A.
Santos a frente da diocese de Diamantina. No conceito de AD a ação prática
revelam o discurso da instituição ou do indivíduo.
Conforme informa Lívia Oliveira (p.
83), o bispo D. João A. Santos “escreveu nesses jornais o quanto a escravidão
representava a injustiça e a opressão para com o próximo e que por isso teria
sido criticado por cometer um ato de imprudência” e convoca a todos para um ato
de caridade e amor ao próximo, libertando o escravo como presente ao papa pelo
seu Jubileu. E ainda que o governo devesse aproveitar a data para resolver o
problema servil. E “os cativos eram
irmãos e vitimas dos interesses particulares e das rendas do Estado” (OLIVEIRA,
p. 96).
Considerando tais palavras e uma
vida de dedicação ao episcopado de Diamantina, verificamos que a leitura que D.
João fez da vida que viveu, integrou as necessidades de todos os níveis sociais
de sua região. Não deixou de lado nenhum grupo social e seus interesses. Já
vimos neste estudo, como D. João A. Santos na região de Diamantina promoveu o
desenvolvimento unindo interesse da religião e da sociedade. E como os mais
prejudicados foram alvos de sua ação social, o elemento servil, os fazendeiros,
agricultores, comerciantes e religiosos se associaram num objetivo comum sob a
liderança do bispo. A leitura que o bispo fez de seu ministério junto ao seu
rebanho incorpora um tipo de ‘Evangelho Social’ que incorporasse religiosidade
católica e compromissos sociais econômicos, onde há a necessidade de reconhecer
a liberdade imediata dos cativos. Não se vê na fala do bispo que se deva
perpetuar a escravidão: “o governo deveria aproveitar a data e resolver o
problema servil”. Enquanto isso não acontecia, apelou para a caridade das
pessoas, visto que em outra fala o bispo lembra que a liberdade não virá do
governo. Segundo, a integração bispado e economia local onde a Igreja participa
das reuniões de associações de desenvolvimento da região uma clara demonstração
que a Igreja não apenas se preocupava com o religioso, mas com o bem-estar
material. A saúde financeira, religiosa e extinção da escravidão parecem ser os
objetivos. Mais uma vez isso reflete o
Evangelho Social (não me refiro ao Evangelho Social de Walter Rauschenbusch). Jesus não somente se
preocupou com o futuro eterno de seus discípulos, mas com a saúde física, e até
financeira. Quando conseguiu dinheiro para Pedro pagar o seu imposto e o Dele
(NVI-Mateus 17:27). A teologia de D. João A. Santos presente nos seus discursos
seja ele por escrito ou pela prática de sua ação é sua ambição, era mais ampla que os
interesses do catolicismo.
c. Teologia no sermão do padre Sypolis no artigo do jornal Jequitinhonha.
No discurso do padre Sypolis da Diocese de
Diamantina, encontramos semelhança com a carta de D. Lacerda e do papa Leão
XIII. Com a carta de Lacerda porque apela para a “bondade dos senhores e
humildade dos escravos” (Efésios 6.5-9); com a bula de Leão XIII porque o papa
descreve o quanto o cristianismo contribuiu para a extinção da escravidão. A
carta de Filemom reflete a relação prática de tolerância e humildade entre
senhor e escravo. O fugitivo voltando para casa do seu senhor e sendo por ele
recebido com dignidade, pois agora era parte da família cristã. Na fala do
padre Sypolis vemos o clero envolvido na defesa do menos favorecido e prestando
seu serviço pastoral aos fiéis. Esta Igreja que não se preocupava somente com a
religiosidade, mas com os assuntos gerais da sociedade e através do Bispo D.
João A. Santos, estava presente nas reuniões de associações, tinha um discurso de
mediação entre Senhores e escravos. Isto se verifica pelo texto utilizado pelo
padre Sypolis da carta de Filemon, pois as fugas e revoltas pareciam ser o
problema naquele momento. O que concorda com a informação de Oliveira (p.32)
que o Jornal Jequitinhonha condenava as fugas e revoltas. O Pe. Sypolis também
ressalta o papel da Igreja no decorrer da história no combate a escravidão e
libertação dos escravos.
Na
prática o cristianismo contribuiu para quase total extinção da escravidão. E
coube à princesa Isabel, católica, o golpe fatal no ocidente.
Em
resumo: necessidade local > leitura da
necessidade pela Igreja > formação da mentalidade + teologia pratica +
discurso > ações/práxis da Igreja > resultado positivo/negativo > ‘monumento’/Analise
do leitor.
d. Teologia na Encíclica papal de Leão XIII de 05 de maio de 1888.
Consideremos
agora a bula papal de Leão XIII[iv]
e para isso separamos um periscópio da
mesma para analisarmos sua teologia e pensamento. Vejamos por exemplo esta
parte:
Somos, em verdade, o
Vigário de Cristo, Filho de Deus, que a tal extremo amou o gênero humano, que
não só não se dignou fazendo-se Homem, habitar entre nós senão que também,
comprazendo-se em chamar-se Filho do homem, claramente protestou que se abatera
à nossa condição a fim de anunciar aos cativos a sua libertação (Is. LVI, I,
Luc. IV. 19) a fim de que, quebrasse as algemas da escravidão que oprimia o
gênero humano, isto é, as algemas do pecado, restaurassem todas as coisas nos
céus e na terra (Ef. 1,10) deste modo restabelecesse na pristina dignidade toda
a descendência de Adão contaminada pelo pecado original (INTERNET).[v]
Na
parte do discurso textual relacionada à escravidão o que vemos de teologia? O
texto de Leão XIII comunica a relação de Cristo e a libertação por ele
proporcionada e está perfeitamente de acordo com os evangelhos com uma leve
passada pela carta paulina de Efésios e faz visível analogia com a libertação
dos escravos. Assim como os negros está preso pelos grilhões da escravidão
(maldade humana, cobiça, materialismo fruto do pecado) o homem estava preso
pelo pecado e Cristo libertou o homem dos grilhões do pecado, da natureza
herdada de Adão.
A
escravidão é fruto do pecado no coração do homem que Cristo libertou, desta
forma se Cristo libertou o homem; também libertou o homem do pecado da
escravidão. Por isso, o homem não necessita mais carregar esse pecado em si.
Parece que para Leão XIII que a extinção da escravidão começa com a libertação
do pecado em si mesmo, portanto, a escravidão é fruto do pecado humano, e deste
pecado, Cristo nos libertou. A escravidão foi uma dessas maldades imposta ao
homem caído; veja como Leão XIII considera a escravidão:
De onde se conclui
que o estado de escravidão de direito foi imposto ao homem pecador, e por isso
é que nas Escrituras não encontramos a palavra escravos antes que o justo Noé
vindicasse com tal palavra o pecado do filho. E, pois, proveniente este nome,
não da natureza, mas do pecado (Gn. 1.25, Noé c/ XXX). Do contágio do primeiro
pecado se derivam todos os males, e, sobretudo, essa perversidade monstruosa,
em virtude da qual homem houve que, esquecidos da fraternidade original e
desprezando os ditames da razão natural, não só não observam entre si o mútuo
amor e a mútua benevolência, senão que arrastado pela ambição, começaram a ter
os outros na conta de inferiores a si, e por isso a tratá-los como animais
nascidos para o jugo. Dessa forma, não tendo em consideração alguma à identidade
da natureza humana, a dignidade humana, a imagem divina impressa no homem,
sucedeu que, graças às questões e guerras que ao depois estalaram, os
vencedores escravizassem os vendidos, e a multidão, ainda que da mesma raça, se
dividisse gradualmente em indivíduos de duas categorias distintas, a saber: os
escravos vencidos sujeitos ao domínio dos vendedores seu senhores (INTERNET).[vi]
Percebe-se
nesta bula de Leão XIII sua indignidade quanto à instituição escravidão e é
possível saber como ele entendia a origem da escravidão, ou seja, ela tem
origem no pecado, na Queda do homem e não na natureza formada em Genesis antes
da Queda (Gn. 1.25). É muito pertinente a observação do papa, passagem de Noé
que repreende seu filho Cão quando o vê nu após a embriagues com vinho e lança
maldição em sua descendência: “Disse: “Maldito seja Canaã”! Escravo de
escravos será para os seus irmãos" (Gn. 9:25
NVI). Ou seja, a palavra escravidão para o papa Leão XIII, surge novo mundo
quando acontece o primeiro pecado. Todavia, se Noé tinha em mente escravidão é
porque antes do dilúvio a escravidão já existia. O que fez Noé, foi perpetuar algo
que Deus condenou pelo dilúvio. A continuidade da escravidão para Leão XIII,
tem origens nas guerras e cobiças humanas que desvalorizou a raça negra
estabelecendo duas classes de vencidos e vencedores.
Concluímos que para Leão XIII o
homem foi libertado do pecado por Cristo e a escravidão repugnante é fruto do
pecado original, da Queda de Adão, se permanece no mundo, porque é alimentado
pelo egoísmo, pela cobiça e maldade dos homens que ainda não conseguiram
racionalizar que somos todos filhos de Deus. Na bula papal de Leão XIII embora
seja bastante longa e rica soterologia e hamartiologia[vii],
o papa não declara abertamente que devesse libertar imediatamente todos os
escravos para que pudessem alcançar a salvação eterna. Esta era a ‘palavra’ que
Joaquim Nabuco buscava do papa.
“Aplicando a Analise do Discurso
encontrado no trabalho do Frances Michel Pêcheux, ‘o sujeito é atravessado tanto
pela ideologia quanto pelo inconsciente’”. “Onde o sujeito tem a ilusão de ser
a fonte, a origem de seus discursos”. O sujeito é social interpretado pela sua
ideologia que conscientemente pensa ser de posse exclusiva e original, mas é um
sujeito separado de sua fonte original, da fonte discursiva. Isto é, este
sujeito tem a ilusão de ser o centro do discurso, mas é um sujeito separado da
liberdade discursiva. Para a Análise do Discurso, “o dizer do sujeito é sempre
determinado por outros dizeres, ou o discurso é sempre determinado por
interdiscursos”. Logo, pode se conceber que “a memoria discursiva são esses sentidos já cristalizado e legitimados
na sociedade que são reavivados no interdiscurso” (GUERRA, p.04).
Até aqui consideramos o indivíduo
como sujeito do discurso e o resultado são as cartas pastorais e as práticas
que se traduzem em leitura e identifica a instituição e o indivíduo. Todavia, a
Escritura é amplamente utilizada para justificar acomodações e corrigir
comportamentos. Torna-se uma fonte de consulta e prática e de constante
interpretação. Os textos bíblicos produzem teologia e daí decorre
comportamento. Assim o texto bíblico é discurso que se interpreta e produz
ideologias. Podemos comprovar empiricamente quando observamos a grande
quantidade de religiões que se formaram a partir de interpretações
bíblicas.
A teologia nos discursos aqui
apresentado é sujeito dos discursos, ou seja, a própria teologia dá subsídio
para todas as respostas para a escravidão. Tem base na teologia da corrupção
humana, da queda do homem, do pecado original de Adão, enfim, na maldade humana
que perpetuou após o dilúvio. A cobiça, o egoísmo, o materialismo, a
concorrência mercantil são as justificativas para perpetuação da escravidão até
o final do séc. XIX. A desvalorização da raça negra em detrimento de possíveis
maus entendimento do cristianismo contribuiu para continuidade da instituição.
A
teologia é sujeito (fonte) do discurso conforme o conceito de AD: “Onde o
sujeito tem a ilusão de ser a fonte, a origem de seus discursos” (...) “o dizer
do sujeito é sempre determinado por outros dizeres, ou o discurso é sempre determinado
por interdiscursos”. O indivíduo ao discursar, seja por fala ou ações práticas,
o faz pelas interpretações e inspirações que fez do texto das Escrituras e dele
extraiu sua teologia e a transformou em ações práticas pessoais.
O desenvolvimento cognitivo desses
teólogos tem sua formação em diversas fontes:
da teologia vista nas escrituras, das tradições e dogmas da Igreja e das
experiências vividas do conhecimento histórico e do ambiente físico.
As
Escrituras, como um todo, e os textos adjacentes que dizem respeito à
escravidão, são interdiscursos formadores de discursos com teologia própria. Assim
os textos de Efésios 6:5-9 e 1 Timóteo 4:1, 2, por exemplo, já é discurso
construído pelos seus autógrafos: “a AD se pensa na historicidade do texto como
constitutivo, tendo em vista o texto quanto materialidade histórica, de modo a
se compreender como a matéria textual produz sentidos” (HERMANN. p.12). A ideologia provém justamente desta
interpretação que o indivíduo faz do texto e que transformou em discurso. “Desse
modo, diante de todo objeto simbólico o sujeito é obrigado a tomar uma posição,
a interpretar” (...) “A
interpretação é, então, o lugar da ideologia, e sempre se dá em um lugar da
história e da sociedade” (idem, p. 13).
Assim
se justifica o conceito de AD onde: “o dizer do sujeito é sempre determinado
por outros dizeres, ou o discurso é sempre determinado por interdiscursos”.
Logo, pode se conceber que “a memoria
discursiva são esses sentidos já cristalizados e legitimados na sociedade que
são reavivados no interdiscurso” (GUERRA, p.04). Logo, a capacidade discursiva
e ideológica dos bispos e padres, que são verificados em seus discursos e
cartas pastorais não lhe são originais, mas tem sua fonte de inspiração as
Escrituras e se completa com os textos bíblicos. Assim, as Escrituras com sua
teologia próprias é também fonte formadora de discurso. O que se verificou foi
que a teologia no discurso é extremamente bíblica.
5. CONSIDERAÇÕES FINAIS.
O modelo de colonização utilizado no
Brasil do séc. XVI, a religião católica e a sociedade lusitana colonizadora
determinaram o rumo evolutivo e desenvolvimento da sociedade que se explicou no
Brasil, e mais ainda, a formação da ‘psique’ eclesiástico existente em relação
ao negro. O pensamento eclesiástico
começa a mudar no final do século quando já são vistas severas mudanças sociais
e o negro passar a ser visto como pessoa.
A companhia lusitana e o catolicismo
determinaram o futuro Eterno de pelo menos duas etnias em terras brasileiras: a
fé e o destino social dos indígenas e afros descendentes. A História nos conta
que o objetivo inicial dos portugueses foi o regime de exploração extrativista,
utilizando mão de obra indígena e depois colonização, se utilizando de mão de
obra escrava com a presença de pouco contingente de brancos exclusivamente
católicos vindos de Portugal. Enquanto que o modelo de colonização norte
americano aconteceu grande contingente de emigrantes protestantes que fugiram
das perseguições religiosas na Europa (inclusive em países católicos),
inclusive mulheres se estabeleceram na costa leste para ali viverem. Isto fez
toda diferença no psicológico da sociedade que se formou naquele país. No
caso brasileiro, a mão de obra escrava foi necessária desde o início do projeto
de colonização brasileira e sem ela não seria possível se estabelecer e
produzir, visto que os lusitanos católicos não tinham interesse de se
estabelecer aqui. Não se pensava em Brasil sem pensar em escravidão. A Igreja
seguiu o mesmo caminho balizando o modelo português, pois estavam juntos no
processo. Na medida em que as missões religiosas iam se estabelecendo, com
muita dificuldade, na costa brasileira e interior, dentro do interesse
português, a escravidão se tornava normal e necessária. A carência afetiva pela
ausência feminina no processo foi um fator determinante na formação do
psicológico, na teologia e no trato com os negros.
5.1. A acomodação.
A acomodação do clero com relação à escravidão
se acentua no período no Segundo ImpÉrio, visto que a Igreja procurava se
estabelecer e se fortalecer diante do Estado e diante dos seus objetivos
eclesiásticos. É fato, como vimos neste texto, que a abolição não fazia parte
do seu projeto social de valorização da vida. Vimos que para a Igreja, o negro
era visto como ser inferior e a escravidão uma maneira de libertá-lo da
ignorância e dar-lhe vida eterna através do catolicismo.
Esta ideologia da igreja no Brasil
com relação à escravidão e sua apatia para com a abolição tem construção
histórica, assim, no silêncio discursivo estão as respostas. Nos mais de
trezentos anos de presença católica no Brasil a responsabilidade da catequese
era de responsabilidade dos senhores de escravos. Raros foram os processos de
integração do negro na irmandade católica como em Ouro Preto, por exemplo. Para
o negro, a frequência às missas e a integração às Irmandades era uma forma de
alcançar igualdade com o branco.
5.2. Posição indiferente e conservadora.
Assim, as acusações que pesavam sobre a Igreja
de terem assumido posição indiferente e conservadora se submetendo aos
interesses do Estado e dos senhores como afirmava o abolicionista Luiz Anselmo
Fonseca[viii]
e só pode ser considerado válido dentro daquele contexto em que se queria
forçar a Igreja para ser mais atuante no processo. Sendo que a Igreja também
sofria prejuízos quando ainda permanecia sob o controle do Estado embora não
tivesse consciência disso. E no pensamento de Riolando Azzi, a Igreja se
encontrava num estado de penúria ao final do império e não tinha saúde
espiritual para assumir compromissos abolicionistas.
Os abolicionistas acusavam a Igreja
de ser omissa na questão social dos negros e se manter calada diante dos
movimentos abolicionistas. Sua influencia na sociedade poderia antecipar os
acontecimentos, pois bastaria uma palavra do Papa, por exemplo. Esta era a
opinião de Joaquim Nabuco, um dos principais abolicionistas. Na missão da
Igreja estava incorporado o bem-estar dos oprimidos e cativos e o silêncio e a
aparente apatia irritava os abolicionistas. O aparente desinteresse não parecia
ser uma não percepção da questão negreira em si. Pois o que se viu foi a
disposição de alguns bispos ou membro do clero em realizar a missão para o qual
foram chamados.
Considero
este desinteresse e apatia uma questão de resposta ao chamado ministerial de
alguns e de falta de consciência à responsabilidade de seu cargo. Como exemplo, o
bispo de Diamantina D. João Antônio Santos que respondeu ao chamado e fez a sua
leitura perfeita da necessidade de sua
sociedade tanto dos oprimidos como dos afortunados. Soube conciliar sua
obediência a Deus com a obediência ao Estado; sua missão entre os oprimidos e
fortunados sem promover conflitos entre ambos. E ainda, transformar suas ações
e resultados concretos que o favoreceu cada vez mais. Adquiriu o respeito da
sociedade civil e governamental ao cumprir sua missão simples de amor ao
próximo. Portanto, nem sempre e em todos
os lugares a Igreja estava silenciosa e indiferente. As ações estavam condicionadas
à leitura que cada clero fazia da necessidade no seu tempo. Leitura que poderia
produzir conscientização favorável à classe servil. Não havia uma ordem
superior de combate ao à condição servil; ficava condicionada a esta conscientização de cada
clero em realizar um trabalho voltado para a emancipação.
As
perguntas de Camila Mendonça Pereira (2011) onde ela pergunta: “como o clero
contemporâneo agira diante do acontecimento de maio 1888? Como foi marcada a
participação da igreja Católica? E qual a participação da elite do clero? Por
que o Papa interveio e qual sua influencia no processo de abolição?”. São respondidas neste texto através do
discurso pronunciado na audiência ao enviado especial do Brasil, Ministro João
Artur de Souza Correia em 14 de janeiro de 1888. Neste discurso como vimos o
papa se manifesta favorável à abolição dos escravos.
Alguns papas anteriores a Leão XIII
já haviam se manifestado contra a escravidão, principalmente de cristão, como
já vimos neste texto. Algumas Ordens foram criadas para libertarem os cristãos
das mãos dos Cerracenos, por exemplo.
O
papa Gregório XVI em 13 de dezembro de 1839 deixou registrado em sua bula as seguintes palavras:
Admoestamos os
fiéis para que se abstenham do desumano tráfico dos negros ou de quaisquer
outros homens que sejam (...). Pelas passadas de nossos predecessores,
admoestamos e conjuramos por Jesus Cristo todos os fiéis, de qualquer estado e
condição que sejam, para que, daqui em diante, não continuem a oprimir tão
injustamente os índios, negros ou outros quaisquer homens, privando-os de seus
bens ou fazendo-os escravos, nem mesmo se atrevam a dar auxílio ou favor
àqueles que tal tráfico exercita, por meio do qual os negros, como se fossem
animais bravios, e não homens são reduzidos à escravidão de qualquer maneira
que seja e, sem respeito para as leis da justiça e da humanidade, comprados,
vendidos e condenados aos mais duros trabalhos, além do inconveniente de
eternizar as guerras, e as discórdias nos países em que se faz o comércio da
escravatura, em razão da esperança do ganho com que se animam os que se ocupam
na apreensão dos negros. Tudo isto, portanto, nós reprovamos, como altamente indignos
do nome de cristão, em virtude da autoridade apostólica que Nos compete e, com
essa mesma autoridade, proibimos que qualquer eclesiástico ou leigo, sob
qualquer pretexto que seja, se atreva a favorecer ou proteger o tráfico da
escravatura ou pregar e ensinar em público ou em particular; de qualquer
maneira que seja, coisa alguma contra o que nestas nossas letras se acha determinado (INTERNET).[ix]
O
papa Leão XIII na epístola “ln Plurimis” de 08 de
maio de 1888 enviada aos bispos do Brasil se colocou
favorável as libertação dos escravos. O papa já tinha conhecimento das medidas
que estavam sendo adotadas no Brasil para que se concretizasse o fim da libertação
e afirma estar favorável aos acontecimentos: “a gratíssima opinião de que os brasileiros queriam abolir e extirpar a
imanidade da escravidão” (...)“É profundamente deplorável a miséria da escravidão
a que desde muitos séculos está sujeita uma parte não pequena da família
humana”. Nesta epistola é lembrado a historia de Onésimo escravo fugitivo de
Filemon que Paulo enviou de volta ao seu dono após tê-lo batizado. E continua
informando que no passado “a igreja não quis proceder com precipitação em
procurar a emancipação e a libertação dos escravos, o que evidentemente não se
podia fazer senão de maneira tumultuosa
que redundaria em dano deles mesmos e em detrimento da sociedade”. Ainda que dizendo
que “não perdemos nenhuma oportunidade, procurava conseguir prudentemente que
lhes fosse dada a liberdade”. Se
dirigindo ao Brasil o papa Leão XIII afirma:
E agora,
veneráveis irmãos, a vós queremos dirigir o nosso pensamento e as nossas letras
para manifestar-vos e repartir convosco a grande alegria que experimentamos
pelas decisões que nesse império se adotaram, pertinentes à escravatura. Uma vez que foi estabelecido, por lei que todos
aqueles que se encontram ainda na condição de escravos serão admitidos
na classe e nos direitos dos homens livres, não só isto em si nos parece bom,
fausto e salutar, mas achamos nesta realidade confirmada e avalorada, a
esperança de progresso consoladores para os interesses civis e religiosos” (http://www.presbiteros.org.br/a-igreja-e-a-escravidao-no-brasil/,
visto em 04/10/2017 às 10:18 h.).
Portando,
parcialmente concluímos que a Igreja Católica, acusada de omissão no processo
de abolição, em algum momento ou por algum componente clerical de expressão respondeu
positivamente seus sentimentos
favoráveis à causa servil. Porque estes sentimentos não poderia ser transmitida
aos quatro ventos, mas havia interiormente este sentimento de dor e comoção favorável à
abolição.
5.3. Desinteresse pelas questões sociais.
Com relação ao desinteresse pelas questões
sociais surgiu devido aos conflitos
entre Estado e Episcopados gerados a partir da Questão Religiosa
(1972-1975) e seus motivos ocorridos a partir da década de 70 o que fez
com que episcopado se preocupassem com reformas internas, romanização da Igreja e autoridade do papa
nas questões da Igreja; fez com que a
igreja se preocupasse com sua autonomia e autoridade e deixasse a questão
escravistas como sendo de ordem politica e econômica e não de ordem religiosa e missionaria. Camila Mendonça
Pereira (2011) informa que neste período “o catolicismo brasileiro vivia sob influencia
do movimento ultramontano que pregava separação do Estado e obediência às
determinações proveniente de Roma”. Acrescento ainda a afirmativa de João F.
Houck (2008, pp.184,191) a Igreja Católica do final do sec. XIX, “deveria
respeitar as atribuições do imperador em virtude do padroado régio”[x].
Assim a submissão ao Estado brasileiro naturalmente gerava conflitos com os
ideais religiosos. E, Scott Mainwaring (2004, p.16) afirma que “o objetivo
principal de qualquer Igreja é propagar sua mensagem religiosa”, mas que
dependendo da percepção que esta faça dessa mensagem, pode vir a se preocupar
com a defesa de interesses, tais como unidade e posição. E que “toda
instituição se preocupa com a própria preservação; muitas tratam de se
expandir”. Estas situações poderiam ter
influenciado a liderança numa mudança de objetivos e interesses e feito
silenciar sua mensagem religiosa e com isto não revelar o seu pensamento
teológico. No entanto, devemos
considerar que quando aparecia uma oportunidade os bispos brasileiros promoviam
campanhas de libertação dos negros; como foi o caso do Jubileu do papa Leão
XIII. E conforme aqui descrito, nas vésperas da Lei Aurea o papa por duas
ocasiões manifestou sua vontade diretamente junto a representantes brasileiros:
no seu discurso em janeiro de 88 ao representante brasileiro por ocasião do
Jubileu de Leão XIII e em fevereiro na audiência com o Deputado Joaquim Nabuco.
5.4. Defesa de interesse.
A hipótese de que a Igreja Católica estava
defendendo e preservando interesses institucionais ao ficar ao lado do trono
sem manifestar opinião em assuntos conflitantes de ordem politica e econômica e
não conseguia perceber qual era sua real missão, pois conforme teoriza Scott Mainwaring (2004, p.16): “o objetivo
principal de qualquer Igreja é propagar sua mensagem religiosa”, mas que
dependendo da percepção que esta faça dessa mensagem, pode vir a se preocupar
com a defesa de interesses, tais como unidade e posição. E que “toda
instituição se preocupa com a própria preservação; muitas tratam de se
expandir”. Assim, estava a Igreja preocupada de tal ponto com seus próprios
interesses e atrelada ao Estado que deixou de lado a sua ‘mensagem religiosa’
e, portanto, seu discurso ficou comprometido esquecendo-se dos interesses dos
escravos; também deve ser considerada como um dos motivos de tal apatia.
Desta
forma, os abolicionistas pensavam que para consolidar a abolição pensava que
uma ‘palavra’ final do papa que pudesse resolver, visto que nem a coroa e nem o
episcopado brasileiro possuía tal autoridade. Nas palavras de Joaquim Nabuco
“uma palavra que pudesse mudar a opinião”. O que Joaquim Nabuco buscou dos
sacerdotes, do episcopado e por fim do papa foi justamente “uma palavra só”:
(...) que efeito
prodigioso não faria a palavra do sacerdote que realmente pregasse a moral
social do evangelho! Mas onde já se viu um missionário abolicionista! (...)
ainda não houve no Brasil um bispo que levantassem a voz contra a escravidão,
como os houve para levantar a voz contra a maçonaria, apesar de estar a
escravidão mais condenadas por bulas pontíficiais – e por concílios – do que a
maçonaria (HAUCK, p. 279).
A
resposta do não pronunciamento do clero em defesa da abolição pode estar na
afirmação de Scott Mainwaring (p.22)
“à medida que institucionalizam, as organizações religiosas tendem a presentar
maior preocupação com a autopreservação e expansão, além de se tronar menos flexíveis”.
Mais adiante o autor afirma: “(...) Seu caráter institucional e seu desejo de
universalização impõe restrições a futura direção da Igreja”. Desta forma, “ela
mantém esse compromisso de universalização de todas as nações e de todos os
credos políticos, evitando assim mudanças radicais em práticas eclesiásticas ou
em política” (Idem, p.23).
5.5. A hipótese falta de discurso a favor da emancipação e do atraso da abolição.
O fato de o Brasil ser o último país
a emancipar os negros tem sua resposta na historicidade política, econômica e
religiosa dessa nação. Desde cedo na
formação do Império já se cogitava a libertação gradual do elemento servil.
Esta condição foi descartada por D. Pedro I que não quis atender aos
pensamentos de José Bonifácio. No entanto, o que se viu foi a realização das
ideias de Jose Bonifácio. Os conflitos
de interesse que surgiram no decorrer do primeiro e segundo império retardaram
a emancipação. A ausência da Reforma Protestante na historicidade do Brasil
pode ser um agravante maior, pois, o protestantismo respondeu melhor às
questões sociais, politicas e econômicas nos países que se instalaram. A origem
étnica dos colonizadores e sua psique, a formação psicológica, a mentalidade da
classe dominante pode ser outro agravante. A religião dominante e sua cultura e
visão do Evangelho, tudo contribui para o retardamento da emancipação.
Não houve uma voz profética que
tangenciasse toda esta historicidade, pois as que se levantaram foram
rechaçadas e se tornaram ocultas. Não houve na história do Brasil um
libertador-messias, como Simon Bolívar ou como George Washington, que pudesse
dar forma revolucionaria aos acontecimentos sociais. Todavia, houve muitas
vozes e gritos entre os negros, proprietários, clero e abolicionistas e
anônimos que no final alcançaram, ainda que tardia, sem derramamento de sangue,
o objetivo.
A igreja não fez parte do movimento
abolicionista radical liderado por Joaquim Nabuco, Jose do Patrocínio e outros.
Não discursou nos palanques, teatros e nem no altar da capela contra ou a favor
da abolição. Mas tudo indica, pelo estudo, que mesmo de forma apática e
moderada, de modo geral, a Igreja fez a sua obra de acordo com as suas forças
que possuía conforme explica na sua obra Riolando Azzi: A escravidão, o clero e o abolicionismo (1989).
Estas hipóteses devem ser considerada, mas analisada com mais
profundidade. A hipótese da mensagem da
Igreja (clero) ficar prejudicada devida os interesses que perpassava o
consciente eclesiástico sobre estar ao lado do poder ou estar sob Padroado
Régio. Parece-me que o parecia ser uma boa coisa se tornou prejudicial ao
desenvolvimento de suas funções ministeriais. O Estado interferindo nas ações
da Igreja prejudicaram o andamento ministerial. No protestantismo não deu certo
quando o Estado quis dominar as ações da Igreja. Biblicamente falando a Igreja
tem seu governo. Faltou à Igreja
conscientização de sua relevância e importância na sociedade. Edson F. Lopes
falando de Educação Cristã acentua:
[...]
a igreja local somente alcançará o objetivo de glorificar a Deus se tiver consciente da imprescindível
relevância da educação cristã para o aperfeiçoamento de seus integrantes no
conhecimento e na comunhão com Deus, de
sua função na sociedade em que esta inserida, podendo e devendo servir de
sal e luz deste mundo (LOPES, p. 145 – grifo meu).
5.6 A hipótese da falta de uma missão bem definida.
A vontade de Deus estava bem definida na
‘mensagem religiosa’ da Igreja Primitiva a tal ponto que aquela submissão ao
Imperador Romano e às autoridades só entravam em conflitos quando se tratava de
negar a fé cristã em detrimento da vontade das autoridades que conflitavam com
a Palavra de Deus, a Bíblia. Caso contrário,
a mensagem cristã percorria os territórios e realizava as transformações
sociais na medida em que a sociedade ia crendo na mensagem. O único objetivo era a pregação da mensagem
do Evangelho e a salvação das almas; mas a partir do memento que foi se
constituindo lideres (bispos), centros cristãos começaram os problemas e
principalmente depois quando a Igreja ganhou a sombra confortável do Estado,
como já foi esclarecido neste estudo. No
Brasil, como vimos o clero era como uma repartição pública do Estado Brasileiro
que se beneficiava na cobrança de certos serviços ao publico; do nascimento
após morte, mas que, no entanto, buscava ‘liberdade’ de ação nos assuntos
eclesiásticos. Ocupada que estava com os serviços por ela oferecidos,
certamente os interesses dos negros ficavam em ultimo plano.
Devemos considerar
como positivo a libertação oferecido pela Igreja desenvolvida nos mosteiros das ordens católicas. Por determinação
dos bispos foram obrigadas a alforriar seus escravos, pois eram acusadas pelos
abolicionistas de que o cristianismo não era compatível com a escravidão,
inclusive pelo jornal “O Abolicionista” de darem péssimo exemplo ao serem
‘senhores de escravos’; isto é, havia um envolvimento direto da Igreja com a
escravidão, logo o seu discurso favorável à emancipação dos escravos ficava
comprometido.
Embora a Igreja seja acusada de não trabalhar com
determinação e afinco pela libertação e se juntado aos abolicionistas, na bula
do papa V.S. afirme o papel perseverante da Igreja na extinção da escravidão no
decorrer dos séculos. Para o Papa à Igreja é confiada a fazer parte dessa ação
de ‘amor ao próximo e caridade’ que ‘leva ao céu e perdoa muitos pecados’. Infelizmente
devemos compreender e teremos que admitir que os últimos dias de escravidão no Brasil
não foram marcados por sermões, homilias e discurso de libertação, mas da
habilidade politica de poucos homens que no seu tempo fizeram a historia do
Brasil.
6. REFERÊNCIAS BIBLIOGRAFICAS
AZZI, Riolando (Org.). A vida religiosa no Brasil enfoque
históricos. São Paulo: Edições Paulinas, 1983.
_____,
Riolando. A escravidão, o clero e o
abolicionismo. In Clio: Revista de pesquisa
no. 12. Clio de Janeiro: Ibrades, 1989.
Disponível no site: http://www.revista.ufpe.br/revistaclio/index.
php/revista/article/view/483. Visto em
26/09/17 às 5:06 h.
AZEVEDO
Sara Dionizia R. Formação discursiva e
discurso em Michel Foucault. In. ‘ Revista eletrônica de pesquisa na
graduação de filosofia. Marília: Vol. 06,
202, no. 02, 2013. Disponível no site https://www.marilia.unesp.
br/Home/RevistasEletronicas/
FILOGENESE/saraazevedo.pdf
BILHEIRO,
Ivan. Legitimação teológica do sistema
de escravidão negra no Brasil. Congruência com o estado para uma
ideologia escravocrata. In: Ces
Revista, ·. 22 outubro de 2008. Pp.
91-101.
CAES,
André Luiz. A Palavra dos Pastores: As
cartas pastorais dos Bispos Brasileiro
1821-1890. Pesquisador, Curso de História, Unidade Uni versitária
de Morrinhos,
UEG.
FERREIRA,
Camila M. Abolição e catolicismo A
participação da Igreja Católica na Extinção da escravidão no Brasil.
2011. 140 p. Niterói. 2011. 140 fs. Dissertação
(mestrado em Historia). Universidade Federal
Fluminense. Rio de Janeiro – RJ. Disponível no site: http://www.historia.uff.br/stricto/td/
1487.pdf.
FILHO,
Urbano C. TORGA, Valéria L.M. Língua, discurso, dialogismo e sujeito.
Universidade Estadual de Santa Cruz
(Ilhéus). Instituto federal da Bahia
(IFBA). 1 Congresso Nacional de Estudos
Linguísticos, Vitoria/ES. 18-21
de Outubro de 2011.
FONSECA,
Anselmo da. A escravidão, o clero e a
abolicionismo. Bahia: Impressa Econômica,
1887 (acervo da Biblioteca do Senado
Federal, sob no. 1742).
FUNES, Eurípedes
A. GONÇALVES, Adelaide. Abolição,
Manifestação e Herança. Universidade
Federal do Ceará. Disponível no site: https://periodicos.ufpe.br/revistas/revistaclio/article/download/24566/19848. Visto
em 16/10/2017
GUERRA,
Vania M. Lascano. Uma reflexão sobre
alguns conceitos da Analise do Discurso
na linha francesa. UFMS.
Campus de Três Lagoas. Disponível no
site paginapessoal.utfpr.edu.br/.../analise-do- discurso/.../ UMA%20R EFLEXO%20SOBRE..%20SOBRE%20ALGUNS%20CONCEITOS%20DA%20ª NLISE%20DO.pdf/at_download/file.
HAUCK,
João F, (et.al). Historia da igreja no
Brasil – Segunda época-Sec. XIX. 4º. Ed. Petrópolis: vozes, 2008.
HERMANN,
Gabriela P. Diálogos possíveis entre o
circulo de Bakhtin e a Analise do Discurso. Apontamentos. Mestrado do programa de pós- graduação em Letras da Universidade
Federal de Santa Maria. Orientadora
Profa. Verli Petri.
HOLANDA,
Sergio B. Raízes do Brasil. São
Paulo: Cia das Letras, 1995.
HOORNAERT,
Eduardo, (et. al). Historia da Igreja no
Brasil – Segunda Época – Tomo 2.
Petrópolis: Vozes, 1977.
LIBANIO,
J.B. MURAD. Introdução à teologia. Perfil, enfoque, tarefas. 8ª. Ed. São Paulo: Edições Loyola, 2011.
LIMEIRA,
Aline de Moraes. Jornal O Apostolo
(1866-1893). Ações Católicas na imprensa
e na educação. Rio de Janeiro.
Biblioteca Nacional, 2011
MAINWARING,
Scott. Igreja católica e política no
Brasil (1916-1985) (Trad. Eloisa B.
e Oliveira Prietto). São Paulo: Ed. Brasiliense,
2004.
MALHEIRO,
Agostinho M. P. A escravidão no Brasil.
Vol. 01. Rio de Janeiro. Tipografia Nacional. 1866.
MARCONI,
Marina de A. Lakatos, Eva M. Fundamentos
da metodologia cientificam.
5ª. Ed. São Paulo: Ed. Atlas, 2003.
MORAES, Isabel. Historia do Brasil. Barueri: Gold
Editora. 2012.
OLIVEIRA,
Anacleto C. Gonçalves; OLIVEIRA,
Rogério P. O cristianismo e a escravatura no
Império Romano. FLUC-
Faculdade de Letras. Universidade
de Coimbra.
OLIVEIRA,
Lívia
G. A presença da Igreja nas ações
abolicionista no norte mineiro. O caso do bispo Diamantino – 1864-1888.
Dissertação (mestrado) Instituto de
Ciências Humanas e Sociais/UFOP. Mariana: 2011.
PAIVA, A.
R. Católico, protestante, cidadão:
uma comparação entre Brasil e Estados Unidos [online]. Rio de Janeiro: Centro
Edelstein de Pesquisas Sociais,
2010. 232 p. ISBN:
978-85-7982-041-0.
PINTO, A.
R. et al. Manual de normalização de trabalhos acadêmicos. Viçosa,
MG, 2011. 70 p. Disponível
em:. Acesso em: 08/04/2017.
SOUZA,
Ney. Catolicismo, sociedade e teologia
no Brasil Império in Revista Atualidade
Teológica, Rio de Janeiro, v.46, p.
127-144, jan./abr.2013.
TILIO,
Rogério. Discurso e linguagem em perspectiva social. in Revista Eletrônica
do Instituto de Humanidades
(UFF). Vol. VII, ano XXV, Abril- Junho 2008.
VASCONCELOS,
Dr. Sergio S. D. Tópico sobre o papel da
igreja com relação à escravidão no
Brasil. In: Revista de Teologia e ciência da Religião. Ano IV, no.
4, setembro de 2005, pp. 35-51.
VIOTTI
DA COSTA, Emília. A
abolição. 3ª. Ed. São Paulo: Global
Ed. 1982.
[i] A Analise do Discurso é uma
pratica Linguística no campo da comunicação.
E consiste em
analisar a estrutura de um texto e a partir disto compreende as construções
ideológicas presente no memo.
[ii] NVI - BIBLIA SAGRADA Nova Versão
Internacional, Novo Testamento, Cartas aos Efésios 6:5-8 São Paulo: Editora
Vida; 2007. P. 1551.
[iii]
FILHO, TORCA, p.3 apud Bakhtin 1997 b,
p. 317.
[iv] Leão XIII, O.F.S.; nascido Vincenzo
Gioacchino Raffaele Luigi Pecci-Prosperi-Buzzi; (Carpineto Romano, 2 /03/1810 — Roma, 20/07/1903). Foi ordenado
sacerdote da Igreja Católica em 31/12/1837. Foi eleito papa em 20 de fevereiro de 1878 e coroado em 03 de março do mesmo ano e permaneceu no
posto até sua morte. Concedeu a Sua Alteza Imperial, a Princesa D. Isabel do Brasil uma Rosa de Ouro, símbolo de generosidade por esta ter publicado
a Lei Áurea, lei que extinguiu
a escravidão no Brasil. (https://pt.wikipedia.org/wiki/Papa_Le%C3%A3o_XIII,
visto em 03/10/2017 - 23:35 h.
[v] http://www.pliniocorreadeoliveira.info/Leao13_18880505_libertacao_escravos.htm#.WdPbz49SzIU),
visto em 03/10/2017 23:21 h.
[vi]
http://www.pliniocorreadeoliveira.info/Leao13_18880505_libertacao_escravos.htm#.WdPbz49SzIU),
visto em 03/10/2017 23:21 h.
[vii]
Soterologia – (estudo da salvação) é
parte da teologia que trata da
salvação do homem. Doutrina bíblica
que analisa o desvio do homem perdido
e a salvação da humanidade por Jesus Cristo. .
Hamartiologia
– (Estudo do
pecado) – na Teologia Sistemática esta ciência trata do estudo do pecado e suas
origens e suas consequências.
[viii] Azzi, 1988, p.55 e Fonseca,
1887, p.12.
[ix]
(http://www.presbiteros.org.br/a-igreja-e-a-escravidao-no-brasil/.
Visto em 03/10/2017 ás 9:35h).
[x] Padroado Régio era o poder que o
Papa concedia a reis, principalmente da península Ibérica, e dava amplos
poderes ao rei sore o clero da Igreja.
Comandando todas suas ações. O Padroado Régio foi concedido a rei de
Portugal no séc. XV. O papa Leão XII (ϯ1823-1829) reconheceu a independência do
Brasil em 1826 e confirmou o bispado a rei D. Pedro.
Nenhum comentário:
Postar um comentário