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DESTAQUE

A ESCRAVIDÃO NA BÍBLIA.

Este texto e parte integrante  de um artigo maior postado neste blog: A TEOLOGIA PRESENTE NOS DISCURSOS DA IGREJA CATÓLICA       NO FIN...

07/12/2019

O DISCURSO E A TEOLOGIA


(Este texto é parte integrante do TCC apresentado a banca da Faculdade Paschoal Dantas em dezembro de 2017 para graduação em Bacharel em Teologia pelo autor deste blog)

CAPÍTULO QUATRO

1.    O DISCURSO E A TEOLOGIA

           


 4.1. Conceito de Analise[i] do discurso em Foucault, Bakhtin e Pêcheux. 

            A discussão da Igreja católica com relação à escravidão desde seus primórdios, na colonização com os Pe. Manoel da Nobrega e Antônio Vieira e outros; os discursos de diversos clérigos no período imperial, os seus sentimentos e dúvidas até finalmente chegarmos a teologia com relação à escravidão dentro do contexto histórico existente no final do século XIX, teve uma construção histórica típica e exclusiva que só ocorreu no Brasil. Tendo em vista o que se formou até a segunda metade do séc. XIX foi um catolicismo brasileiro com características próprias. A consciência e seu ajuizamento em torno do tema escravidão e abolição é construída ao longo de mais de três séculos de dominação católica em território brasileiro. Com o fim da escravidão e a Proclamação da República, a corrida para a destruição de arquivos que não mais interessavam ou que viessem comprometer os senhores e a Igreja, foram destruídos. Desta forma, muitos documentos que poderiam ser verdadeiros monumentos históricos foram perdidos dificultando respostas esclarecedoras.
            A historicidade são condições necessárias para que a Analise do Discurso (AD) com a fundamentação teórica em Foucault, Bakhtin e Pêcheux que levam em conta documentações, registros, textos, etc. Estes documentos se tornam “monumentos” que vão caracterizar, identificar, constituir a instituição ou o indivíduo; e assim, oferecer leitura e, por conseguinte, hermenêutica do discurso da instituição no período histórico que se propôs fazer a analise.
Na leitura direta dos documentos – textos, sejam cartas pastorais, jornais da época, documentos judiciais, etc., ou a leitura indireta das práxis da instituição, estão o conteúdo discursivo e, por conseguinte suas intenções e mentalidade a respeito de determinado tema, neste caso a escravidão e abolição.
            No contexto histórico próprio que se formou no catolicismo romano e no sistema feudal europeu que os lusitanos tardiamente permitiram ser renovados e a formação da classe mercantilista que advém da corrida marítima, vão sedimentando a ideia que embasou a legitimidade da escravidão. Aliado ao sistema católico vigente e atuante, inclusive ao poder concedido pelo papa através das bulas do séc. XV e XVI a teologia católica escravista ganhou forma e discurso.  No conceito de Foucault “estes” ou “os registros históricos são colocados num perspectiva de forma a identificar a instituição ou individuo” e segundo Sara Azevedo, historia que Foucault “fez é na intensão de dar condições de possibilidade de conhecimento” (AZEVEDO, p. 14). Logo, esta historicidade me faz “ler” não mais as intenções, mas o “comportamento”, resultado da leitura teológica que a instituição católica fez naquele tempo sobre a escravidão e se traduziu em ações evangelísticas missionárias conforme o modelo aqui estudado.    Basicamente o discurso é algo que vai além do texto e enunciado é todo conjunto de forma de comunicação. Sendo que o mais importante não é o conteúdo discursivo, mas o que ele comunica, pois, o discurso dominante tem o poder do que é aceito ou não em uma sociedade (AZEVEDO, pp.155-157) . Tem aplicabilidade e se justifica dentro da historicidade do catolicismo romano em suas relações com a escravidão no Brasil.  
A analise dos discursos orais e textuais, teológicos e filosóficos existentes e citados nas bibliografias apresentadas aqui oferece uma leitura teológica do discurso e estão presentes nas cartas pastorais produzidos pelo episcopado e nas ações isoladas de indivíduos do clero nos últimos anos que antecederam a abolição. Apesar da aparente apatia no compromisso social com o negro, a Igreja produziu material suficiente para saber sua teologia discursiva.
 A comparação destes modestos ideários Católicos com o fervor discursivo dos movimentos abolicionistas, são inevitáveis e necessários para traçar uma linha divisória entre o que é discurso social e político do que é discurso eclesiástico teológico. Os discursos abolicionistas, ainda que tivessem princípios teológicos, eram sociais e filantrópicos e quase sempre político. É até possível crer, mas sem base teórica, que a bandeira do abolicionismo por muitos foi levantada apenas para derrubar o velho sistema monárquico; estes eram indivíduos da política de esquerda, que também pretendia chegar ao poder. Seus discursos estavam repletos de interesses políticos e econômicos, ainda que promovessem o bem-estar social e melhoria de vida do negro e precisavam ser analisados dentro do contexto histórico que se propôs. Diferentemente do discurso eclesiástico onde conforme informa Azevedo (2013), falando de Michel Foucault o discurso que: “oferece um saber como construção histórica, e como tal, produz verdade que se instala e se revela na prática discursiva”. Assim, a práxis católica se revelou no discurso. Numa sequência por mim construída a partir do meu entendimento que fiz sobre AD: Historia. > Discurso > Práxis > conhecimento.  

a.    A teologia no discurso da carta de D. Lacerda bispo do RJ.

A teologia para Batista Libânio e Afonso Murad (1996) é “uma sequência de movimentos que termina em Deus, mas trata antes de tudo de operação intelectual humana; que se configura determinado tipo de saber, de conhecimento. Num esforço de compreensão que a inteligência humana empreende”. Destarte, a teologia como atividade humana com relação à escravidão, cuja investigação recai na aplicabilidade de conceitos teológicos que a Igreja Católica compreendia naquele momento histórico, mas que foi construída no decorrer dos séculos. Essa “operação intelectual que configura determinado saber e conhecimento num esforço de compreensão que a inteligência humana empreende” são as interpretações pessoais e institucionais com respeito aquilo que as Escrituras afirma sobre escravidão, por exemplo.
            Tomando como exemplo a carta de D. Pedro Maria de Lacerda, bispo do Rio de Janeiro, amigo da família real, sobre a Lei do Ventre Livre de 28 de setembro de 1871 onde, segundo Hauck (p.277) o bispo invoca o feito como um ato de profunda gratidão e generosidade de seus promulgadores, e o texto da carta expressa o pensamento de um alto clero da corte.
Nessa carta, o bispo D. Lacerda não reconhece o direito natural do negro pela liberdade como fez o Papa Leão XIII na sua bula: “É coisa salutar restituir pelo beneficio da alforria, à liberdade em que nasceram os homens que a natureza fizera livres desde o início”. ‘D. Lacerda não contesta a legitimidade da escravidão nem afirma o direito natural do escravo à liberdade’. O texto da carta de D. Lacerda aponta para o conservadorismo e perpetuação da escravidão. Por outro lado, este “conservadorismo” aponta para uma conformidade com a recomendação do Apóstolo Paulo dirigida a Igreja de Éfeso quando fez a seguinte orientação:

Escravos obedeçam aos seus senhores terrenos com respeito e temor, com sinceridade de coração, como a Cristo. Obedeçam-lhes não apenas para agradá-los quando eles os observam, mas como escravos de Cristo, fazendo de coração a vontade de Deus. Sirvam aos seus senhores de boa vontade, como servindo ao Senhor, e não aos homens, porque vocês sabem  que o senhor recompensa  cada um pelo bem que pratica, seja escravo, seja livre (NVI- Efésios 6:5-08).[ii]

Verificamos por este texto que os escravos na Igreja primitiva foram ‘doutrinados’ a serem obedientes aos seus senhores e os senhores a amarem seus escravos como irmão. Como já foi afirmado na introdução deste texto,  para Bakhtin “Nosso próprio pensamento (...) nasce e forma-se em interação e em luta  com o pensamento alheio, o que não pode deixar de refletir nas formas de expressão verbal do nosso pensamento” (FILHO, TORCA, p.3).[iii] Dessa forma, ao repetir as palavras do Apóstolo Paulo em sua carta o bispo D. Lacerda faz uma contextualização de seu tempo com a das Escrituras ignorando o tempo e a ‘Iluminação’ concedido ao intelecto humano com relação ao próxim

b.     Teologia no discurso de D. João Antônio Santos.

            A carta pastoral do bispo de Diamantina, D. João Antônio Santos, de 31 de dezembro, convocando a população para um ato de justiça de oferecer uma ‘prenda’ ao papa por ocasião de seu Jubileu e o sermão do padre Sypolis publicado no jornal Jequitinhonha se tornam ‘monumentos’ pelos quais vamos ler a teologia que se formou na mentalidade eclesiástica e se revelou nas ações práticas no episcopado  de Diamantina, quando ela fez a leitura da necessidade local e aplicou o evangelho e se efetuou na região em beneficio dos escravos e da sociedade em geral. Além disso, vamos considerar as ações praticas do governo de D. João A. Santos a frente da diocese de Diamantina. No conceito de AD a ação prática revelam o discurso da instituição ou do indivíduo.
            Conforme informa Lívia Oliveira (p. 83), o bispo D. João A. Santos “escreveu nesses jornais o quanto a escravidão representava a injustiça e a opressão para com o próximo e que por isso teria sido criticado por cometer um ato de imprudência” e convoca a todos para um ato de caridade e amor ao próximo, libertando o escravo como presente ao papa pelo seu Jubileu. E ainda que o governo devesse aproveitar a data para resolver o problema servil.  E “os cativos eram irmãos e vitimas dos interesses particulares e das rendas do Estado” (OLIVEIRA, p. 96). 
            Considerando tais palavras e uma vida de dedicação ao episcopado de Diamantina, verificamos que a leitura que D. João fez da vida que viveu, integrou as necessidades de todos os níveis sociais de sua região. Não deixou de lado nenhum grupo social e seus interesses. Já vimos neste estudo, como D. João A. Santos na região de Diamantina promoveu o desenvolvimento unindo interesse da religião e da sociedade. E como os mais prejudicados foram alvos de sua ação social, o elemento servil, os fazendeiros, agricultores, comerciantes e religiosos se associaram num objetivo comum sob a liderança do bispo. A leitura que o bispo fez de seu ministério junto ao seu rebanho incorpora um tipo de ‘Evangelho Social’ que incorporasse religiosidade católica e compromissos sociais econômicos, onde há a necessidade de reconhecer a liberdade imediata dos cativos. Não se vê na fala do bispo que se deva perpetuar a escravidão: “o governo deveria aproveitar a data e resolver o problema servil”. Enquanto isso não acontecia, apelou para a caridade das pessoas, visto que em outra fala o bispo lembra que a liberdade não virá do governo. Segundo, a integração bispado e economia local onde a Igreja participa das reuniões de associações de desenvolvimento da região uma clara demonstração que a Igreja não apenas se preocupava com o religioso, mas com o bem-estar material. A saúde financeira, religiosa e extinção da escravidão parecem ser os objetivos.  Mais uma vez isso reflete o Evangelho Social (não me refiro ao Evangelho Social de Walter Rauschenbusch). Jesus não somente se preocupou com o futuro eterno de seus discípulos, mas com a saúde física, e até financeira. Quando conseguiu dinheiro para Pedro pagar o seu imposto e o Dele (NVI-Mateus 17:27). A teologia de D. João A. Santos presente nos seus discursos seja ele por escrito ou pela prática de sua ação  é sua ambição, era mais ampla que os interesses do catolicismo.
         

c.     Teologia no sermão do padre Sypolis no artigo do jornal Jequitinhonha.

           No discurso do padre Sypolis da Diocese de Diamantina, encontramos semelhança com a carta de D. Lacerda e do papa Leão XIII. Com a carta de Lacerda porque apela para a “bondade dos senhores e humildade dos escravos” (Efésios 6.5-9); com a bula de Leão XIII porque o papa descreve o quanto o cristianismo contribuiu para a extinção da escravidão. A carta de Filemom reflete a relação prática de tolerância e humildade entre senhor e escravo. O fugitivo voltando para casa do seu senhor e sendo por ele recebido com dignidade, pois agora era parte da família cristã. Na fala do padre Sypolis vemos o clero envolvido na defesa do menos favorecido e prestando seu serviço pastoral aos fiéis. Esta Igreja que não se preocupava somente com a religiosidade, mas com os assuntos gerais da sociedade e através do Bispo D. João A. Santos, estava presente nas reuniões de associações, tinha um discurso de mediação entre Senhores e escravos. Isto se verifica pelo texto utilizado pelo padre Sypolis da carta de Filemon, pois as fugas e revoltas pareciam ser o problema naquele momento. O que concorda com a informação de Oliveira (p.32) que o Jornal Jequitinhonha condenava as fugas e revoltas. O Pe. Sypolis também ressalta o papel da Igreja no decorrer da história no combate a escravidão e libertação dos escravos.
Na prática o cristianismo contribuiu para quase total extinção da escravidão. E coube à princesa Isabel, católica, o golpe fatal no ocidente.    
Em resumo: necessidade local > leitura da necessidade pela Igreja > formação da mentalidade + teologia pratica + discurso > ações/práxis da Igreja > resultado positivo/negativo > ‘monumento’/Analise do leitor.

d.    Teologia na Encíclica papal de Leão XIII de 05 de maio de 1888.

Consideremos agora a bula papal de Leão XIII[iv]  e para isso separamos um periscópio da mesma para analisarmos sua teologia e pensamento. Vejamos por exemplo esta parte:

Somos, em verdade, o Vigário de Cristo, Filho de Deus, que a tal extremo amou o gênero humano, que não só não se dignou fazendo-se Homem, habitar entre nós senão que também, comprazendo-se em chamar-se Filho do homem, claramente protestou que se abatera à nossa condição a fim de anunciar aos cativos a sua libertação (Is. LVI, I, Luc. IV. 19) a fim de que, quebrasse as algemas da escravidão que oprimia o gênero humano, isto é, as algemas do pecado, restaurassem todas as coisas nos céus e na terra (Ef. 1,10) deste modo restabelecesse na pristina dignidade toda a descendência de Adão contaminada pelo pecado original (INTERNET).[v]

Na parte do discurso textual relacionada à escravidão o que vemos de teologia? O texto de Leão XIII comunica a relação de Cristo e a libertação por ele proporcionada e está perfeitamente de acordo com os evangelhos com uma leve passada pela carta paulina de Efésios e faz visível analogia com a libertação dos escravos. Assim como os negros está preso pelos grilhões da escravidão (maldade humana, cobiça, materialismo fruto do pecado) o homem estava preso pelo pecado e Cristo libertou o homem dos grilhões do pecado, da natureza herdada de Adão.
A escravidão é fruto do pecado no coração do homem que Cristo libertou, desta forma se Cristo libertou o homem; também libertou o homem do pecado da escravidão. Por isso, o homem não necessita mais carregar esse pecado em si. Parece que para Leão XIII que a extinção da escravidão começa com a libertação do pecado em si mesmo, portanto, a escravidão é fruto do pecado humano, e deste pecado, Cristo nos libertou. A escravidão foi uma dessas maldades imposta ao homem caído; veja como Leão XIII considera a escravidão:

De onde se conclui que o estado de escravidão de direito foi imposto ao homem pecador, e por isso é que nas Escrituras não encontramos a palavra escravos antes que o justo Noé vindicasse com tal palavra o pecado do filho. E, pois, proveniente este nome, não da natureza, mas do pecado (Gn. 1.25, Noé c/ XXX). Do contágio do primeiro pecado se derivam todos os males, e, sobretudo, essa perversidade monstruosa, em virtude da qual homem houve que, esquecidos da fraternidade original e desprezando os ditames da razão natural, não só não observam entre si o mútuo amor e a mútua benevolência, senão que arrastado pela ambição, começaram a ter os outros na conta de inferiores a si, e por isso a tratá-los como animais nascidos para o jugo. Dessa forma, não tendo em consideração alguma à identidade da natureza humana, a dignidade humana, a imagem divina impressa no homem, sucedeu que, graças às questões e guerras que ao depois estalaram, os vencedores escravizassem os vendidos, e a multidão, ainda que da mesma raça, se dividisse gradualmente em indivíduos de duas categorias distintas, a saber: os escravos vencidos sujeitos ao domínio dos vendedores seu senhores (INTERNET).[vi]

Percebe-se nesta bula de Leão XIII sua indignidade quanto à instituição escravidão e é possível saber como ele entendia a origem da escravidão, ou seja, ela tem origem no pecado, na Queda do homem e não na natureza formada em Genesis antes da Queda (Gn. 1.25). É muito pertinente a observação do papa, passagem de Noé que repreende seu filho Cão quando o vê nu após a embriagues com vinho e lança maldição em sua descendência: Disse: “Maldito seja Canaã”! Escravo de escravos será para os seus irmãos" (Gn. 9:25 NVI). Ou seja, a palavra escravidão para o papa Leão XIII, surge novo mundo quando acontece o primeiro pecado.  Todavia, se Noé tinha em mente escravidão é porque antes do dilúvio a escravidão já existia. O que fez Noé, foi perpetuar algo que Deus condenou pelo dilúvio. A continuidade da escravidão para Leão XIII, tem origens nas guerras e cobiças humanas que desvalorizou a raça negra estabelecendo duas classes de vencidos e vencedores. 
            Concluímos que para Leão XIII o homem foi libertado do pecado por Cristo e a escravidão repugnante é fruto do pecado original, da Queda de Adão, se permanece no mundo, porque é alimentado pelo egoísmo, pela cobiça e maldade dos homens que ainda não conseguiram racionalizar que somos todos filhos de Deus. Na bula papal de Leão XIII embora seja bastante longa e rica soterologia e hamartiologia[vii], o papa não declara abertamente que devesse libertar imediatamente todos os escravos para que pudessem alcançar a salvação eterna. Esta era a ‘palavra’ que Joaquim Nabuco buscava do papa.
            “Aplicando a Analise do Discurso encontrado no trabalho do Frances Michel Pêcheux, ‘o sujeito é atravessado tanto pela ideologia quanto pelo inconsciente’”. “Onde o sujeito tem a ilusão de ser a fonte, a origem de seus discursos”. O sujeito é social interpretado pela sua ideologia que conscientemente pensa ser de posse exclusiva e original, mas é um sujeito separado de sua fonte original, da fonte discursiva. Isto é, este sujeito tem a ilusão de ser o centro do discurso, mas é um sujeito separado da liberdade discursiva. Para a Análise do Discurso, “o dizer do sujeito é sempre determinado por outros dizeres, ou o discurso é sempre determinado por interdiscursos”. Logo, pode se conceber que “a memoria discursiva são esses sentidos já cristalizado e legitimados na sociedade que são reavivados no interdiscurso” (GUERRA, p.04).
            Até aqui consideramos o indivíduo como sujeito do discurso e o resultado são as cartas pastorais e as práticas que se traduzem em leitura e identifica a instituição e o indivíduo. Todavia, a Escritura é amplamente utilizada para justificar acomodações e corrigir comportamentos. Torna-se uma fonte de consulta e prática e de constante interpretação. Os textos bíblicos produzem teologia e daí decorre comportamento. Assim o texto bíblico é discurso que se interpreta e produz ideologias. Podemos comprovar empiricamente quando observamos a grande quantidade de religiões que se formaram a partir de interpretações bíblicas.  
            A teologia nos discursos aqui apresentado é sujeito dos discursos, ou seja, a própria teologia dá subsídio para todas as respostas para a escravidão. Tem base na teologia da corrupção humana, da queda do homem, do pecado original de Adão, enfim, na maldade humana que perpetuou após o dilúvio. A cobiça, o egoísmo, o materialismo, a concorrência mercantil são as justificativas para perpetuação da escravidão até o final do séc. XIX. A desvalorização da raça negra em detrimento de possíveis maus entendimento do cristianismo contribuiu para continuidade da instituição.
A teologia é sujeito (fonte) do discurso conforme o conceito de AD: “Onde o sujeito tem a ilusão de ser a fonte, a origem de seus discursos” (...) “o dizer do sujeito é sempre determinado por outros dizeres, ou o discurso é sempre determinado por interdiscursos”. O indivíduo ao discursar, seja por fala ou ações práticas, o faz pelas interpretações e inspirações que fez do texto das Escrituras e dele extraiu sua teologia e a transformou em ações práticas pessoais.
            O desenvolvimento cognitivo desses teólogos tem sua formação em diversas fontes:  da teologia vista nas escrituras, das tradições e dogmas da Igreja e das experiências vividas do conhecimento histórico e do ambiente físico.
As Escrituras, como um todo, e os textos adjacentes que dizem respeito à escravidão, são interdiscursos formadores de discursos com teologia própria. Assim os textos de Efésios 6:5-9 e 1 Timóteo 4:1, 2, por exemplo, já é discurso construído pelos seus autógrafos: “a AD se pensa na historicidade do texto como constitutivo, tendo em vista o texto quanto materialidade histórica, de modo a se compreender como a matéria textual produz sentidos” (HERMANN. p.12).  A ideologia provém justamente desta interpretação que o indivíduo faz do texto e que transformou em discurso. “Desse modo, diante de todo objeto simbólico o sujeito é obrigado a tomar uma posição, a interpretar” (...) “A interpretação é, então, o lugar da ideologia, e sempre se dá em um lugar da história e da sociedade” (idem, p. 13).
Assim se justifica o conceito de AD onde: “o dizer do sujeito é sempre determinado por outros dizeres, ou o discurso é sempre determinado por interdiscursos”. Logo, pode se conceber que “a memoria discursiva são esses sentidos já cristalizados e legitimados na sociedade que são reavivados no interdiscurso” (GUERRA, p.04). Logo, a capacidade discursiva e ideológica dos bispos e padres, que são verificados em seus discursos e cartas pastorais não lhe são originais, mas tem sua fonte de inspiração as Escrituras e se completa com os textos bíblicos. Assim, as Escrituras com sua teologia próprias é também fonte formadora de discurso. O que se verificou foi que a teologia no discurso é extremamente bíblica. 

5. CONSIDERAÇÕES FINAIS.

            O modelo de colonização utilizado no Brasil do séc. XVI, a religião católica e a sociedade lusitana colonizadora determinaram o rumo evolutivo e desenvolvimento da sociedade que se explicou no Brasil, e mais ainda, a formação da ‘psique’ eclesiástico existente em relação ao negro.  O pensamento eclesiástico começa a mudar no final do século quando já são vistas severas mudanças sociais e o negro passar a ser visto como pessoa.
            A companhia lusitana e o catolicismo determinaram o futuro Eterno de pelo menos duas etnias em terras brasileiras: a fé e o destino social dos indígenas e afros descendentes. A História nos conta que o objetivo inicial dos portugueses foi o regime de exploração extrativista, utilizando mão de obra indígena e depois colonização, se utilizando de mão de obra escrava com a presença de pouco contingente de brancos exclusivamente católicos vindos de Portugal. Enquanto que o modelo de colonização norte americano aconteceu grande contingente de emigrantes protestantes que fugiram das perseguições religiosas na Europa (inclusive em países católicos), inclusive mulheres se estabeleceram na costa leste para ali viverem. Isto fez toda diferença no psicológico da sociedade que se formou naquele país.        No caso brasileiro, a mão de obra escrava foi necessária desde o início do projeto de colonização brasileira e sem ela não seria possível se estabelecer e produzir, visto que os lusitanos católicos não tinham interesse de se estabelecer aqui. Não se pensava em Brasil sem pensar em escravidão. A Igreja seguiu o mesmo caminho balizando o modelo português, pois estavam juntos no processo. Na medida em que as missões religiosas iam se estabelecendo, com muita dificuldade, na costa brasileira e interior, dentro do interesse português, a escravidão se tornava normal e necessária. A carência afetiva pela ausência feminina no processo foi um fator determinante na formação do psicológico, na teologia e no trato com os negros.
   

            5.1.  A acomodação.

             A acomodação do clero com relação à escravidão se acentua no período no Segundo ImpÉrio, visto que a Igreja procurava se estabelecer e se fortalecer diante do Estado e diante dos seus objetivos eclesiásticos. É fato, como vimos neste texto, que a abolição não fazia parte do seu projeto social de valorização da vida. Vimos que para a Igreja, o negro era visto como ser inferior e a escravidão uma maneira de libertá-lo da ignorância e dar-lhe vida eterna através do catolicismo.
            Esta ideologia da igreja no Brasil com relação à escravidão e sua apatia para com a abolição tem construção histórica, assim, no silêncio discursivo estão as respostas. Nos mais de trezentos anos de presença católica no Brasil a responsabilidade da catequese era de responsabilidade dos senhores de escravos. Raros foram os processos de integração do negro na irmandade católica como em Ouro Preto, por exemplo. Para o negro, a frequência às missas e a integração às Irmandades era uma forma de alcançar igualdade com o branco.

            5.2. Posição indiferente e conservadora.

             Assim, as acusações que pesavam sobre a Igreja de terem assumido posição indiferente e conservadora se submetendo aos interesses do Estado e dos senhores como afirmava o abolicionista Luiz Anselmo Fonseca[viii] e só pode ser considerado válido dentro daquele contexto em que se queria forçar a Igreja para ser mais atuante no processo. Sendo que a Igreja também sofria prejuízos quando ainda permanecia sob o controle do Estado embora não tivesse consciência disso. E no pensamento de Riolando Azzi, a Igreja se encontrava num estado de penúria ao final do império e não tinha saúde espiritual para assumir compromissos abolicionistas.
            Os abolicionistas acusavam a Igreja de ser omissa na questão social dos negros e se manter calada diante dos movimentos abolicionistas. Sua influencia na sociedade poderia antecipar os acontecimentos, pois bastaria uma palavra do Papa, por exemplo. Esta era a opinião de Joaquim Nabuco, um dos principais abolicionistas. Na missão da Igreja estava incorporado o bem-estar dos oprimidos e cativos e o silêncio e a aparente apatia irritava os abolicionistas. O aparente desinteresse não parecia ser uma não percepção da questão negreira em si. Pois o que se viu foi a disposição de alguns bispos ou membro do clero em realizar a missão para o qual foram chamados.
Considero este desinteresse e apatia uma questão de resposta ao chamado ministerial de alguns e de falta de consciência à  responsabilidade de seu cargo. Como exemplo, o bispo de Diamantina D. João Antônio Santos que respondeu ao chamado e fez a sua leitura  perfeita da necessidade de sua sociedade tanto dos oprimidos como dos afortunados. Soube conciliar sua obediência a Deus com a obediência ao Estado; sua missão entre os oprimidos e fortunados sem promover conflitos entre ambos. E ainda, transformar suas ações e resultados concretos que o favoreceu cada vez mais. Adquiriu o respeito da sociedade civil e governamental ao cumprir sua missão simples de amor ao próximo.  Portanto, nem sempre e em todos os lugares a Igreja estava silenciosa e indiferente. As ações estavam condicionadas à leitura que cada clero fazia da necessidade no seu tempo. Leitura que poderia produzir conscientização favorável à classe servil. Não havia uma ordem superior de combate ao à condição servil; ficava   condicionada a esta conscientização de cada clero em realizar um trabalho voltado para a emancipação.
            As perguntas de Camila Mendonça Pereira (2011) onde ela pergunta: “como o clero contemporâneo agira diante do acontecimento de maio 1888? Como foi marcada a participação da igreja Católica? E qual a participação da elite do clero? Por que o Papa interveio e qual sua influencia no processo de abolição?”.  São respondidas neste texto através do discurso pronunciado na audiência ao enviado especial do Brasil, Ministro João Artur de Souza Correia em 14 de janeiro de 1888. Neste discurso como vimos o papa se manifesta favorável à abolição dos escravos.
            Alguns papas anteriores a Leão XIII já haviam se manifestado contra a escravidão, principalmente de cristão, como já vimos neste texto. Algumas Ordens foram criadas para libertarem os cristãos das mãos dos Cerracenos, por exemplo.
O papa Gregório XVI em 13 de dezembro de 1839 deixou registrado em sua bula  as seguintes palavras:

Admoestamos os fiéis para que se abstenham do desumano tráfico dos negros ou de quaisquer outros homens que sejam (...). Pelas passadas de nossos predecessores, admoestamos e conjuramos por Jesus Cristo todos os fiéis, de qualquer estado e condição que sejam, para que, daqui em diante, não continuem a oprimir tão injustamente os índios, negros ou outros quaisquer homens, privando-os de seus bens ou fazendo-os escravos, nem mesmo se atrevam a dar auxílio ou favor àqueles que tal tráfico exercita, por meio do qual os negros, como se fossem animais bravios, e não homens são reduzidos à escravidão de qualquer maneira que seja e, sem respeito para as leis da justiça e da humanidade, comprados, vendidos e condenados aos mais duros trabalhos, além do inconveniente de eternizar as guerras, e as discórdias nos países em que se faz o comércio da escravatura, em razão da esperança do ganho com que se animam os que se ocupam na apreensão dos negros. Tudo isto, portanto, nós reprovamos, como altamente indignos do nome de cristão, em virtude da autoridade apostólica que Nos compete e, com essa mesma autoridade, proibimos que qualquer eclesiástico ou leigo, sob qualquer pretexto que seja, se atreva a favorecer ou proteger o tráfico da escravatura ou pregar e ensinar em público ou em particular; de qualquer maneira que seja, coisa alguma contra o que nestas nossas letras se acha determinado (INTERNET).[ix]
  
O papa Leão XIII na epístola “ln Plurimis” de 08 de maio de  1888  enviada aos bispos do Brasil se colocou favorável as libertação dos escravos. O papa já tinha conhecimento das medidas que estavam sendo adotadas no Brasil para que se concretizasse o fim da libertação e afirma estar favorável aos acontecimentos: “a gratíssima opinião de que os brasileiros queriam abolir e extirpar a imanidade da escravidão” (...)“É profundamente deplorável a miséria da escravidão a que desde muitos séculos está sujeita uma parte não pequena da família humana”. Nesta epistola é lembrado a historia de Onésimo escravo fugitivo de Filemon que Paulo enviou de volta ao seu dono após tê-lo batizado. E continua informando que no passado “a igreja não quis proceder com precipitação em procurar a emancipação e a libertação dos escravos, o que evidentemente não se podia fazer senão de maneira  tumultuosa que redundaria em dano deles mesmos e em detrimento da sociedade”. Ainda que dizendo que “não perdemos nenhuma oportunidade, procurava conseguir prudentemente que lhes fosse dada a liberdade”.  Se dirigindo ao Brasil o papa Leão XIII afirma:

E agora, veneráveis irmãos, a vós queremos dirigir o nosso pensamento e as nossas letras para manifestar-vos e repartir convosco a grande alegria que experimentamos pelas decisões que nesse império se adotaram, pertinentes à escravatura.  Uma vez que foi estabelecido, por lei  que todos  aqueles que se encontram ainda na condição de escravos serão admitidos na classe e nos direitos dos homens livres, não só isto em si nos parece bom, fausto e salutar, mas achamos nesta realidade confirmada e avalorada, a esperança de progresso consoladores para os interesses civis e religiosos” (http://www.presbiteros.org.br/a-igreja-e-a-escravidao-no-brasil/, visto em 04/10/2017 às 10:18 h.).

            Portando, parcialmente concluímos que a Igreja Católica, acusada de omissão no processo de abolição, em algum momento ou por algum componente clerical de expressão respondeu  positivamente seus sentimentos favoráveis à causa servil. Porque estes sentimentos não poderia ser transmitida aos quatro ventos, mas havia interiormente este  sentimento de dor e comoção favorável à abolição.
             

             5.3. Desinteresse pelas questões sociais.

             Com relação ao desinteresse pelas questões sociais  surgiu devido aos conflitos entre Estado e Episcopados gerados a partir da Questão Religiosa (1972-1975)  e seus motivos   ocorridos a partir da década de 70 o que fez com que episcopado se preocupassem com reformas internas,  romanização da Igreja e autoridade do papa nas questões da Igreja;  fez com que a igreja se preocupasse com sua autonomia e autoridade e deixasse a questão escravistas como sendo de ordem politica e econômica e não de ordem  religiosa e missionaria. Camila Mendonça Pereira (2011) informa que neste período “o catolicismo brasileiro vivia sob influencia do movimento ultramontano que pregava separação do Estado e obediência às determinações proveniente de Roma”. Acrescento ainda a afirmativa de João F. Houck (2008, pp.184,191) a Igreja Católica do final do sec. XIX, “deveria respeitar as atribuições do imperador em virtude do padroado régio”[x]. Assim a submissão ao Estado brasileiro naturalmente gerava conflitos com os ideais religiosos. E, Scott Mainwaring (2004, p.16) afirma que “o objetivo principal de qualquer Igreja é propagar sua mensagem religiosa”, mas que dependendo da percepção que esta faça dessa mensagem, pode vir a se preocupar com a defesa de interesses, tais como unidade e posição. E que “toda instituição se preocupa com a própria preservação; muitas tratam de se expandir”.  Estas situações poderiam ter influenciado a liderança numa mudança de objetivos e interesses e feito silenciar sua mensagem religiosa e com isto não revelar o seu pensamento teológico.  No entanto, devemos considerar que quando aparecia uma oportunidade os bispos brasileiros promoviam campanhas de libertação dos negros; como foi o caso do Jubileu do papa Leão XIII. E conforme aqui descrito, nas vésperas da Lei Aurea o papa por duas ocasiões manifestou sua vontade diretamente junto a representantes brasileiros: no seu discurso em janeiro de 88 ao representante brasileiro por ocasião do Jubileu de Leão XIII e em fevereiro na audiência com o Deputado Joaquim Nabuco.
  

              5.4. Defesa de interesse.

             A hipótese de que a Igreja Católica estava defendendo e preservando interesses institucionais ao ficar ao lado do trono sem manifestar opinião em assuntos conflitantes de ordem politica e econômica e não conseguia perceber qual era sua real missão, pois conforme teoriza  Scott Mainwaring (2004, p.16): “o objetivo principal de qualquer Igreja é propagar sua mensagem religiosa”, mas que dependendo da percepção que esta faça dessa mensagem, pode vir a se preocupar com a defesa de interesses, tais como unidade e posição. E que “toda instituição se preocupa com a própria preservação; muitas tratam de se expandir”. Assim, estava a Igreja preocupada de tal ponto com seus próprios interesses e atrelada ao Estado que deixou de lado a sua ‘mensagem religiosa’ e, portanto, seu discurso ficou comprometido esquecendo-se dos interesses dos escravos; também deve ser considerada como um dos motivos de tal apatia.
Desta forma, os abolicionistas pensavam que para consolidar a abolição pensava que uma ‘palavra’ final do papa que pudesse resolver, visto que nem a coroa e nem o episcopado brasileiro possuía tal autoridade. Nas palavras de Joaquim Nabuco “uma palavra que pudesse mudar a opinião”. O que Joaquim Nabuco buscou dos sacerdotes, do episcopado e por fim do papa foi justamente “uma palavra só”:

(...) que efeito prodigioso não faria a palavra do sacerdote que realmente pregasse a moral social do evangelho! Mas onde já se viu um missionário abolicionista! (...) ainda não houve no Brasil um bispo que levantassem a voz contra a escravidão, como os houve para levantar a voz contra a maçonaria, apesar de estar a escravidão mais condenadas por bulas pontíficiais – e por concílios – do que a maçonaria (HAUCK, p. 279).

A resposta do não pronunciamento do clero em defesa da abolição pode estar na afirmação de Scott Mainwaring (p.22) “à medida que institucionalizam, as organizações religiosas tendem a presentar maior preocupação com a autopreservação e expansão, além de se tronar menos flexíveis”. Mais adiante o autor afirma: “(...) Seu caráter institucional e seu desejo de universalização impõe restrições a futura direção da Igreja”. Desta forma, “ela mantém esse compromisso de universalização de todas as nações e de todos os credos políticos, evitando assim mudanças radicais em práticas eclesiásticas ou em política” (Idem, p.23).

            5.5. A hipótese falta de discurso a favor da emancipação e do atraso da abolição.            

O fato de o Brasil ser o último país a emancipar os negros tem sua resposta na historicidade política, econômica e religiosa dessa nação.  Desde cedo na formação do Império já se cogitava a libertação gradual do elemento servil. Esta condição foi descartada por D. Pedro I que não quis atender aos pensamentos de José Bonifácio. No entanto, o que se viu foi a realização das ideias de Jose Bonifácio.  Os conflitos de interesse que surgiram no decorrer do primeiro e segundo império retardaram a emancipação. A ausência da Reforma Protestante na historicidade do Brasil pode ser um agravante maior, pois, o protestantismo respondeu melhor às questões sociais, politicas e econômicas nos países que se instalaram. A origem étnica dos colonizadores e sua psique, a formação psicológica, a mentalidade da classe dominante pode ser outro agravante. A religião dominante e sua cultura e visão do Evangelho, tudo contribui para o retardamento da emancipação.  

            Não houve uma voz profética que tangenciasse toda esta historicidade, pois as que se levantaram foram rechaçadas e se tornaram ocultas. Não houve na história do Brasil um libertador-messias, como Simon Bolívar ou como George Washington, que pudesse dar forma revolucionaria aos acontecimentos sociais. Todavia, houve muitas vozes e gritos entre os negros, proprietários, clero e abolicionistas e anônimos que no final alcançaram, ainda que tardia, sem derramamento de sangue, o objetivo. 
            A igreja não fez parte do movimento abolicionista radical liderado por Joaquim Nabuco, Jose do Patrocínio e outros. Não discursou nos palanques, teatros e nem no altar da capela contra ou a favor da abolição. Mas tudo indica, pelo estudo, que mesmo de forma apática e moderada, de modo geral, a Igreja fez a sua obra de acordo com as suas forças que possuía conforme explica na sua obra Riolando Azzi: A escravidão, o clero e o abolicionismo (1989). 
            Estas  hipóteses  devem ser considerada, mas analisada com mais profundidade. A  hipótese da mensagem da Igreja (clero) ficar prejudicada devida os interesses que perpassava o consciente eclesiástico sobre estar ao lado do poder ou estar sob Padroado Régio. Parece-me que o parecia ser uma boa coisa se tornou prejudicial ao desenvolvimento de suas funções ministeriais. O Estado interferindo nas ações da Igreja prejudicaram o andamento ministerial. No protestantismo não deu certo quando o Estado quis dominar as ações da Igreja. Biblicamente falando a Igreja tem seu governo.  Faltou à Igreja conscientização de sua relevância e importância na sociedade. Edson F. Lopes falando de Educação Cristã acentua:

[...] a igreja local somente alcançará o objetivo de glorificar a Deus se tiver consciente da imprescindível relevância da educação cristã para o aperfeiçoamento de seus integrantes no conhecimento e na comunhão com Deus, de sua função na sociedade em que esta inserida, podendo e devendo servir de sal e luz deste mundo (LOPES, p. 145 – grifo meu).

            5.6 A hipótese da falta de uma missão bem definida.

             A vontade de Deus estava bem definida na ‘mensagem religiosa’ da Igreja Primitiva a tal ponto que aquela submissão ao Imperador Romano e às autoridades só entravam em conflitos quando se tratava de negar a fé cristã em detrimento da vontade das autoridades que conflitavam com a Palavra de Deus, a Bíblia.  Caso contrário, a mensagem cristã percorria os territórios e realizava as transformações sociais na medida em que a sociedade ia crendo na mensagem.  O único objetivo era a pregação da mensagem do Evangelho e a salvação das almas; mas a partir do memento que foi se constituindo lideres (bispos), centros cristãos começaram os problemas e principalmente depois quando a Igreja ganhou a sombra confortável do Estado, como já foi esclarecido neste estudo.  No Brasil, como vimos o clero era como uma repartição pública do Estado Brasileiro que se beneficiava na cobrança de certos serviços ao publico; do nascimento após morte, mas que, no entanto, buscava ‘liberdade’ de ação nos assuntos eclesiásticos. Ocupada que estava com os serviços por ela oferecidos, certamente os interesses dos negros ficavam em ultimo plano.  
            Devemos considerar como positivo a libertação oferecido pela Igreja desenvolvida nos mosteiros das ordens católicas. Por determinação dos bispos foram obrigadas a alforriar seus escravos, pois eram acusadas pelos abolicionistas de que o cristianismo não era compatível com a escravidão, inclusive pelo jornal “O Abolicionista” de darem péssimo exemplo ao serem ‘senhores de escravos’; isto é, havia um envolvimento direto da Igreja com a escravidão, logo o seu discurso favorável à emancipação dos escravos ficava comprometido.
             Embora a Igreja seja acusada de não trabalhar com determinação e afinco pela libertação e se juntado aos abolicionistas, na bula do papa V.S. afirme o papel perseverante da Igreja na extinção da escravidão no decorrer dos séculos. Para o Papa à Igreja é confiada a fazer parte dessa ação de ‘amor ao próximo e caridade’ que ‘leva ao céu e perdoa muitos pecados’. Infelizmente devemos compreender e teremos que admitir que os últimos dias de escravidão no Brasil não foram marcados por sermões, homilias e discurso de libertação, mas da habilidade politica de poucos homens que no seu tempo fizeram a historia do Brasil.

  
6. REFERÊNCIAS BIBLIOGRAFICAS

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[i] A Analise do Discurso é uma pratica Linguística no campo da comunicação.
E consiste em analisar a estrutura de um texto e a partir disto compreende as construções ideológicas presente no memo. 
[ii] NVI - BIBLIA SAGRADA Nova Versão Internacional, Novo Testamento, Cartas aos Efésios 6:5-8 São Paulo: Editora Vida; 2007.  P. 1551. 
[iii] FILHO, TORCA, p.3 apud  Bakhtin 1997 b, p. 317.
[iv] Leão XIIIO.F.S.; nascido Vincenzo Gioacchino Raffaele Luigi Pecci-Prosperi-Buzzi; (Carpineto Romano2 /03/1810 — Roma20/07/1903). Foi ordenado sacerdote da Igreja Católica em 31/12/1837.   Foi eleito papa em 20 de fevereiro de 1878 e coroado em 03 de março do mesmo ano e permaneceu no posto até sua morte. Concedeu a Sua Alteza Imperial, a Princesa D. Isabel do Brasil uma Rosa de Ouro, símbolo de generosidade por esta ter publicado a Lei Áurea, lei que extinguiu a escravidão no Brasil.  (https://pt.wikipedia.org/wiki/Papa_Le%C3%A3o_XIII, visto em 03/10/2017 - 23:35 h.
[vii]  Soterologia – (estudo da  salvação) é  parte da teologia que trata da  salvação do homem. Doutrina bíblica  que analisa o desvio do homem perdido  e a salvação da humanidade por Jesus Cristo.  .
Hamartiologia – (Estudo do pecado) –  na  Teologia Sistemática  esta ciência trata do estudo do pecado e suas origens e suas consequências. 
[viii] Azzi, 1988, p.55 e Fonseca, 1887, p.12. 
[x] Padroado Régio era o poder que o Papa concedia a reis, principalmente da península Ibérica, e dava amplos poderes ao rei sore o clero da Igreja.  Comandando todas suas ações. O Padroado Régio foi concedido a rei de Portugal no séc. XV. O papa Leão XII (ϯ1823-1829) reconheceu a independência do Brasil em 1826 e confirmou o bispado a rei D. Pedro.

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