FACULDADE
PASCHOAL DANTAS
Bacharel em Teologia
José Maria Vieira Rodrigues
São Paulo
2017
JOSÉ MARIA VIEIRA
RODRIGUES
A TEOLOGIA PRESENTE NOS DISCURSOS DA
IGREJA CATÓLICA NO
FINAL DO SÉC. XIX COM RELAÇÃO A ESCRAVIDÃO.
.
Trabalho
de Conclusão de Curso apresentado ao curso de Bacharel em Teologia à Faculdade
Paschoal Dantas (FPD), orientado pelo Prof.º Me. Heres Drian de Oliveira
Freitas e Prof. Me. Wasley Rodrigues Gonçalves como requisito para a obtenção do titulo
de bacharel em Teologia.
São Paulo
2017
R
Rodrigues, José Maria Vieira
A teologia presente nos dircursos da igreja católica no final do séc. XIX com relação a escravidão / Jose Maria Vieira Rodrigues- São Paulo: 2017.
83f
Inclui Bibliografia
Monografia (Bacharel em Teologia)
Faculdade Paschoal Dantas
Orientadores: Prof.º Me.Heres Drian de Oliveira Freitas e
Prof. Me. Wasley Rodrigues Gonçalves
1. Teologia 2. Abolição 3.Catolicismo I.Título
CDD.200
|
A TEOLOGIA PRESENTE
NOS DISCURSOS DA IGREJA CATÓLICA NO
FINAL DO SÉC. XIX COM RELAÇÃO A ESCRAVIDÃO.
Por JOSÉ MARIA VIEIRA RODRIGUES
Trabalho
de Conclusão de Curso de Bacharelado em teologia a Faculdade Paschoal Dantas (FPD),
como requisito parcial para obtenção do grau de bacharel, sob a avaliação da
seguinte banca examinadora:
______________________________________________
Orientador
Profº Me. Heres Drian de Oliveira Freitas
_______________________________________________
Co-orientador
Profº Me. Wasley Rodrigues Gonçalves
_______________________________________________
Ex: Convidado
Profº Me. Públio Carlos de Azevedo
Aprovado
em _____de ______________de________________.
DEDICATÓRIA
Dedico
este trabalho a minha falecida mãe Natália, a primeira pessoa que ganhei para
Cristo e quando viva dedicou sua vida aos filhos e sempre esteve presente na
minha vida e preocupada com meu sucesso.
À
minha esposa Rosangela Vieira Rodrigues pelos incentivos e dedicação.
Aos
meus filhos Matheus, Raphael, João Gabriel e Katharinna Giovanna.
E
principalmente. ao Senhor Jesus Cristo
que me restituiu saúde para terminar este curso. A Ele toda honra e a glória
para sempre.
AGRADECIMENTOS
À coordenação pedagógica da
Faculdade Paschoal Dantas na pessoa Me. Sra. Marcia Simões pelo apoio e
orações.
Ao Diretor
Geral Sr. José Deuzimar Dantas pela amizade e confiança.
À
minha nora Brenda que colaborou no abstract deste trabalho.
Aos meus mestres e amigos instrutores que no decorrer do curso foram exemplos de
dedicação e fé, a saber:
Me. Leandro Silva Selari,
Me. Heres D. D. O. Freitas
Me. Wasley Rodrigues Gonçalves,
Me. Shirlônio Rodrigues Pereira,
Me. Públio Carlos de Azevedo
Me. Darli Alves de Souza,
Me. Ivan Pereira Guedes
Me. Daniel Lucas Noronha de Sena,
Me. Denis Alves de Souza, Me. José Alves Ribeiro Neto
Dr. Edemir Antunes Filho,
Pe. Henrique Prestes,
Me. João Batista Ribeiro dos Santos,
Me. José Lopes.
A estes sábios homens de Deus minhas honras e mais elevada estima.
RESUMO
O
presente texto discorre sobre a teologia presente nos discursos da Igreja
Católica Romana com relação à escravidão no final do século XIX. Foi utilizada
como base teórica as teorias da Formação do Discurso e da Analise de Discurso
das escolas francesa e Russa representadas pelos filósofos franceses Michel
Foucault e Pêcheux e pelo filósofo Russo Michel Bakhtin ao afirmarem que a
historicidade e o interdiscurso atuam na formação do discurso. Será apresentado
o discurso com relação à escravidão vista no Brasil Império pela sociedade e
política; e o pensar teológico da Igreja Católica sobre a escravidão.
Descreve-se a escravidão presente na Bíblia comparada com a teologia dos
discursos escritos: cartas pastorais, jornais e encíclicas papais; bem como a
atuação da Igreja no processo de emancipação e suas justificativas de ausência
no movimento abolicionista.
Palavras-chave:
discurso, teologia, escravidão, abolição, catolicismo.
ABSTRACT.
The present text exposes about the theology present in
the Roman Catholic Church's discourses regarding slavery in the late nineteenth
century. The theoretical basis for it was the theories of Discourse Formation
and Discourse Analysis from the French and Russian schools, represented by the
French philosophers Michel Foucault and Pêcheux, and by the Russian philosopher
Michel Bakhtin, in stating that the historicity and the interdiscourse operate
on the Formation of the Discourse. The discourse will be presented with regard
to slavery seen in Brazil Empire by society and politics; and the theological thinking
of the Catholic Church on slavery. Will be described the slavery present in
Bible compared to the theology of written discourses: pastoral letters,
newspapers and papal encyclicals; as well as the role of the Church in the
process of emancipation and its justifications for absence in the abolitionist
movement.
Key-words:
discourse, theology, slavery, abolition, Catholicism
ABREVIAÇÕES
SPNSM
– Sociedade
Patrocínio Nossa Senhora das Mercês.
IS.
LVI. I – Livro de Isaías capítulo cinquenta e sei (56), verso um
(01),
Luc.
IV.19- Evangelho de Lucas, capítulo quatro (4), verso dezenove
(19).
Ef.
1:10 - Epístola aos Efésios capítulo um (1), verso dez (10).
Gn.
1:25 - Livro de Gênesis
capítulo um (1), verso vinte e cinco (25).
Gn.
9:25-NVI - Livro de Gênesis
capítulo nove (9), verso vinte e cinco (25) na versão da Bíblia – Nova Versão
Internacional.
NVI
- Bíblia Nova
Versão Internacional.
SUMÁRIO
INTRODUÇÃO
1. Tema.................................................................................................................................13
2. Conceito do termo
Discurso..........................................................................................13
3. Espaço temporal e
geográfico.......................................................................................14
4. Objetivos..........................................................................................................................14
5. Base teórica para o termo
‘discurso’............................................................................14
6. Teologia: definições e
conceitos...................................................................................15
7. Delimitação do
objeto.....................................................................................................16
8. Importância e relevância................................................................................................16
9. Hipóteses.........................................................................................................................17
CAPITULO
UM
1.
O DISCURSO DO ESTADO E DA SOCIEDADE EM FASE A ESCRAVIDÃO NO BRASIL IMPÉRIO..........................................................................................................21
1.1. A Formação do discurso e
historicidade...................................................................21
1.2. O Brasil Império: situação social e
politica...............................................................22
1.3.
Inicio da emancipação da escravidão no
Brasil......................................................25
1.4. A escravidão no Segundo Império
(1840-1889): mudança de consciência............26
1.5. A situação do negro e classificação
social no início do séc. XIX...........................28
CAPÍTULO DOIS
2.
A
IGREJA E
ABOLIÇAO..............................................................................................31
2.1. A Igreja e abolição e sua relação com o
negro.......................................................31
2.2. A Igreja no processo de emancipação e
nos movimentos abolicionistas............35
2.3. Diamantina: emancipação mineira e o
desenvolvimento local..............................36
2.4.
Os
jornais no processo de
emancipação.................................................................37
2.5. As cartas
pastorais.....................................................................................................39
CAPÍTULO TRÊS
3.
A
TEOLOGIA E A ESCRAVIDÃO
3.1. Catolicismo brasileiro: religião oficial e
formação da teologia.............................40
3.2. A evangelização católica e a doutrina
escravista em
perspectiva
histórica..................................................................................................44
3.3. Expansão territorial e evangelização do
negro........................................................45
3.4. Raízes da formação
doutrinária.................................................................................47
3.5. A escravidão na
Bíblia................................................................................................50
3.6. O desvio de propósito da
Igreja................................................................................55
3.7. Acontecimentos
dos últimos
dias.............................................................................58
CAPÍTULO QUATRO
4.
O DISCURSO E
TEOLOGIA........................................................................................60
4.1. Conceito de Analise do discurso em
Foucault, Bakhtin e Pêcheux......................60
4.2. A
teologia no discurso da carta de D. Lacerda bispo do RJ....................................62
4.3.
Teologia no discurso de D. João Antônio
Santos....................................................63
4.4.
Teologia
no sermão do padre Sypolis no artigo do jornal Jequitinhonha.............64
4.5. Teologia na Encíclica papal de Leão XIII
de 05 de maio de 1888.............................65
5.
CONSIDERAÇÕES FINAIS.....................................................................................69
5.1.
A acomodação............................................................................................................69
5.2. Posição indiferente e
conservadora..........................................................................70
5.3. Desinteresse pelas questões
sociais........................................................................72
5.4. Defesa de
interesse.....................................................................................................73
5.5. A hipótese falta de discurso a
favor da emancipação
e do atraso da abolição....................................................................................................74
5.6 A
hipótese da falta de uma missão bem
definida.....................................................75
6.
REFERÊNCIAS BIBLIOGRAFICAS........................................................................................77
7.WEBSITTES
VISITADOS………………………........………………………..80
8. 8.REFERENCIAS.....................................................................................................81
INTRODUÇÃO
1.
Tema.
Este texto tem como
principal objetivo dissertar sobre a teologia nos discursos do clero da Igreja
Católica em relação ao processo de abolição dos escravos do Brasil no final do
século XIX. A teologia encontrada na qual se fundamentou os religiosos
dominante neste período quando se posicionarem contrários ou favoráveis à
abolição dos escravos.
Pesavam muitas acusações sobre a Igreja
Católica de terem assumido posição indiferente e conservadora em relação à
escravidão, se submetendo aos interesses do Governo e dos “senhores” de
escravos como afirmavam o abolicionista Luiz Anselmo Fonseca (V1929) (Azzi, 1988, p.55 e Fonseca,
1887, p.12).
2.
Conceito
do termo Discurso.
Discurso
é algo que vai além dos textos e enunciados, os quais neles se baseiam. É todo
o conjunto de formas de comunicação, uma linguagem ou formas discursivas à qual
pertençam. Sendo que o mais importante não é o conteúdo do discurso, mas o que
ele comunica, pois, um discurso dominante tem o poder de determinar o que é
aceito ou não em uma sociedade (AZEVEDO, pp.155-157). Consideramos também o
sentido sociológico quando afirma que discurso “é um modo de agir, uma forma
pela qual as pessoas agem em relação ao mundo e principalmente em relação a
outras pessoas” (TILIO, p. 100).[i]
Estão, em pauta, os discursos orais e textuais
e a estes se incluem o sentido filosófico, o teológico e o social do pensamento
da Igreja Católica com relação à escravidão africana para justificar a abolição
da escravidão, informar como aconteceram as atitudes discursivas da Igreja a
favor da libertação do elemento servil e sua participação. As comparações
destes ideários Católicos com a dos movimentos abolicionistas são inevitáveis e
necessárias para traçar uma linha divisória no sentido discursivo, embora os
objetivos fossem os mesmos, a saber, a emancipação ou o conteúdo era
diferente. Nos discursos clericais geralmente,
tinham justificativas teológicas, enquanto que nos discursos abolicionistas
eram discursos etno-social e político-econômica.
3.
Espaço
temporal e geográfico.
Os discursos analisados são do fim
do séc. XIX proferidos pelo clero católico, todavia, foi necessário fazer uma
recapitulação da história, principalmente porque para a Análise do Discurso
(AD) leva em conta a historicidade da sociedade analisada.
Os fundamentos teológicos se
expressaram nos discursos escritos: as encíclicas, as cartas pessoais e
pastorais e as publicações em jornais no período a partir da década de 70
quando se agravou as tensões entre Estado e Igreja que levou à Questão
Religiosa.
Os
movimentos abolicionistas, inclusive aqueles com a participação da Igreja, são citados,
mas não são objetos de estudo. Também os discursos abolicionistas, mas não
serão objetos de análise e estudo. A
concentração se deterá nos discursos eclesiásticos e seu comportamento.
4.
Objetivos
A finalidade principal é a teologia presente
discursos eclesiástico contidos nas
cartas pastorais, nas encíclicas papais e nos relatos de jornais que relata
algum discurso clerical dessa época. Por isso, ´com a finalidade de justificar
a origem do discurso e seu conteúdo, foi necessário descrever a historicidade
da escravidão no Brasil e a condição escravista entendida pela sociedade e o
escravo diante de seus opressores declarados. Esta situação social servil está inserida em
um contexto histórico-social, isto é, a história do Brasil Império.
O objetivo específico é observar o
fundamento teológico que nortearam o pensamento do clero e por consequência a
formação do discurso do episcopado da Igreja. Encontrar alguma manifestação da
ciência de Deus no sistema discursivo da Igreja com relação à escravidão que a
justifique ou a condenasse. Saber: qual o fundamento que justificasse sua
ausência no apoio aos movimentos abolicionistas e posteriormente, nos últimos
anos que antecederam maio de 1888, o que fez com que a Igreja mudasse de opinião
favorável à libertação e finalmente festejar a abolição?
5.
Base
teórica para o termo ‘discurso’.
Considerou-se
além dos (1) conceitos modernos da Formação do Discurso encontrado no filósofo
russo Michel Bakhtin (1895-1975) e no filósofo Francês Michel Foucault
(1926-1984). Onde são levados em conta
os acontecimentos, os fatores históricos e sociais como elementos importantes
na ‘Formação do Discurso do Sujeito’. Assim descreve Sara Dionízia R. de
Azevedo (2013) que para Foucault “os elementos históricos são fundamentais para
compreender a formação discursiva” e inclusive os discursos na sociedade contemporânea.
Michel Foucault “oferece um saber como construção histórica, e como tal, produz
verdade que se instalam e se revelam nas praticas discursivas” e estas verdades
“são questões históricas, são produções sistemáticas que manifestam também por
meio de discursos científicos tidos por verdades, positivos e, por isso,
aceitos e tomados em toda sua positividade”. No entanto, após pesquisas na área
do ‘discurso’, verifiquei que deveria considerar não apenas as teorias da Formação
do Discurso encontradas em Bakhtin e Foucault, mas (2) considerar a teoria da
Analise do Discurso encontrado no trabalho de francês Michel Pêcheux (1938 –
1983) onde na ótica da Análise do Discurso o sujeito é atravessado tanto pela
ideologia quanto pelo inconsciente. “Onde o sujeito tem a ilusão de ser a
fonte, a origem de seu discurso”. O
sujeito é social interpretado pela sua ideologia que conscientemente pensa ser
de posse exclusiva e original, mas é um sujeito separado de sua fonte original
da fonte discursiva. Isto é, este sujeito tem a ilusão de ser o centro do
discurso, mas é um sujeito separado da liberdade discursiva. Para a Análise do
Discurso, “o dizer do sujeito é sempre determinado por outros dizeres, ou o
discurso é sempre determinado por interdiscursos”. Logo, pode se conceber que
“a memória discursiva são esses
sentidos já cristalizado e legitimados na sociedade que são reavivados no
interdiscurso” (GUERRA, p.04).
6.
Teologia:
definições e conceitos.
Para
o termo “teologia”, considerou-se significado etimológico dos católicos João
Batista Libânio e Afonso Murab (1996), que afirmam ser a “ciência sobre Deus”,
“o estudo de Deus” onde Deus é o objeto e o centro do estudo. Para estes teólogos
a teologia não é “uma sequência de movimentos que termina em Deus, mas trata
antes de tudo, de operação intelectual humana; que se configura determinado
tipo de saber, de conhecimento. Num esforço de compreensão que a inteligência
humana empreende”. Serão vistos a
teologia como atividade humana com relação à escravidão, cuja investigação
recai na aplicabilidade de conceitos teológicos que a Igreja Católica
compreendia naquele momento histórico.
Por Igreja Católica, fica
subentendido que se trata de todo o conteúdo eclesiástico da instituição
composto pelo corpo clerical e suas substancias mentais e intelectuais, todo o
‘comput’ do saber e existentes teológico e filosófico agregando-se as
tradições, dogmas e historiografia.
7.
Delimitação
do objeto.
O
presente estudo monográfico analisa qual foi a teologia no discurso da Igreja
Católica em relação ao sistema escrava e no processo de abolição dos escravos
do Brasil no final do século XIX. Observando o “discurso” sob a perspectiva teórica
dos conceitos de Michel Foucault e Michel Bakhtin quando afirmam que a ‘formação
do discurso’ está relacionada com os acontecimentos históricos. E ainda que o
discurso formado tenha a interferência de interdiscurso e que nem sempre são
originais de seus interlocutores conforme a teoria vista em Michel Pêcheux.
8.
Importância
e relevância.
Este
período da história guarda um vasto número de acontecimentos que ainda não
vieram a lume e são desconhecidos para a sociedade. Desta forma, é extremamente
importante e relevante mexer nos arquivos relativos a este período. Estes
documentos históricos guardam informações importantes para a teologia e para o
mundo acadêmico.
No período que se propõe este estudo,
a Igreja Católica se manteve ausente das questões sociais, atuando apenas de
forma bem discreta. O comportamento foi sendo corrigido no decorrer do séc. XX,
principalmente a partir de Concílio do Vaticano II (1961-1962).
A Igreja Católica é amplamente usada
como objeto de estudos, por ser o catolicismo uma das maiores religiões, pela
sua influência na sociedade como formadora de opinião e cuja missão incluem o
bem-estar dos oprimidos. Saber como a Igreja se comportou diante do clamor
abolicionista, se sua percepção ao clamor foi favorável ou silenciosa; se este
silêncio era uma não percepção ou se era proposital, intencional em defesa de
interesses próprios, são questões que se pretende responder neste estudo.
Historicamente o Brasil foi o último país ocidental
a abolir a escravidão; desta forma, saber se houve uma voz profética que
contribuiu substancialmente para que houvesse mudança social, uma vez que a
igreja é importante para a sociedade e mediante tão grandiosa problemática que
era a abolição, torna a pesquisa muito relevante.
Entender a participação da igreja no
processo da abolição e se houve algum fundamento teológico para que ocorresse a
mudança de comportamento nos últimos anos que antecederam a abolição, nos leva
a formular opiniões a respeito e tirar conclusões de comportamento religioso
diante de mudanças sociais. Se a teologia não esteve presente no pensamento
católico; a filosofia ou o social; saber o que poderia justificar a mudança
ocorrida de um discurso que favorecia a escravidão para outro que a condenava.
Aborda-se,
portanto nesta dissertação, a teologia contida no discurso da Igreja Católica;
se nos seus discursos e escritas do final do século XIX, havia algum conteúdo
de teor teológico principalmente. Ficou em segundo plano a discussão filosófica
e social que defendesse o direito de liberdade dos escravos destituídos de
totais direitos de cidadania como afirmava Dr. Malheiro (1866) jurista da
época.
9. Hipóteses.
É bem possível que os interesses que
mantinham a Igreja Católica no poder pode ter sido uma possível causa que fez
calar sua voz profética e, portanto, interferiram nas ações da Igreja e, por
conseguinte na sua mensagem discursiva prejudicando as vitimas da escravidão.
O estudo revelou que a década de 80
foi marcada por fervorosos movimentos abolicionistas e da pacata atuação da
Igreja; este assunto é debatido por Camila Mendonça Pereira (2011) em sua
dissertação de Mestrado no programa de pós-graduação pela Universidade Federal
Fluminense (UFF) em 2011 onde ela pergunta: “como o clero contemporâneo agiria
diante do acontecimento de maio 1888? Como foi marcada a participação da igreja
Católica? E qual a participação da elite do clero? Por que o Papa interveio e
qual sua influencia no processo de abolição?”. Respondidas estas perguntas poderemos chegar
às respostas que expressaram os sentimentos da Igreja e sua teologia com
relação à escravidão e assim solucionar as hipóteses do porque houve pequena
participação da Igreja no processo abolicionista e ausência de discurso em
favor da emancipação que expressem o conteúdo teológico.
As hipóteses são:
1) O
desinteresse da igreja e seus motivos e causas;
2) A
missão não definida diante do compromisso da Igreja como responsável pela
divulgação do Evangelho;
3)
A ação voluntaria das Ordens religiosas
no processo de emancipação; As
Ordens Católicas eram acusadas, inclusive pelo jornal “O Abolicionista”, de
darem péssimo exemplo ao serem ‘senhores de escravos’; isto é, havia um
envolvimento direto da Igreja com a escravidão, logo o seu discurso favorável
aos escravos ficou comprometido.
4) A
atuação na última hora: De algum modo as Ordens católicas mudaram de opinião e
muitas Ordens foram dispensando seus escravos, mesmo a contragosto de alguns,
isto é, havia um envolvimento direto da Igreja com a escravidão. Então até que
ponto a Igreja acabou prestando um serviço considerável a si mesma e à abolição
no sentido do exemplo ou no sentido do discurso?
Nesta
época, a Igreja buscava renovação e autonomia influenciada pelas aspirações
transmontanas e pelas aspirações progressistas tanto no setor político como no
eclesiástico, portanto, saber qual foi a real missão da Igreja em meio ao
clamor social e aquilo que sacrificou em meio aos seus objetivos principais;
então é bem possível que a teologia tenha sido deixada de lado e a preocupação
fosse outra, menos a mensagem religiosa.
Esta abordagem temática aconteceu através
de um desafio de pesquisa literária, em teses, dissertações, monografias,
artigos científicos e livros da época e atuais.
Passados mais de cem anos da abolição e por ser o tema ‘escravidão’
considerado por Riolando Azzi (1989, p.55) “difícil de ser estudada”, dada à
escassez de fontes e por ter ocorrido antes de uma época de transição política,
quando muitas fontes históricas, ou foram destruídas com o objetivo de se
esquecer do passado horroroso de 300 anos de escravidão vivido desde o Período
Colonial, ou se perderam no tempo permanecendo poucos registros literários e
documentais. Assim como aconteceu na época da ditadura (1964-1985), muitos
arquivos do final do sec. XIX foram destruídos para apagar registros históricos
comprometedores e vergonhosos para a sociedade religiosa da época.
O método de pesquisa empregado foi
bibliográfico, em fontes secundarias que conforme Marconi e Lakatos (2003,
p.183) “são aquelas que já se tornaram públicas com relação ao tema de estudo que
estão em boletins, jornais, revistas, livros, monografias, teses, material
cartográficos, etc.”. Como afirma este
autor, não se tratará de uma mera repetição do que foi dito, mas uma construção
do tema sobre outro enfoque ou abordagem e chegar à conclusão inovadora.
No segundo capítulo são vistos a
ações da Igreja e sua relação com o elemento servil no que tange a abolição, a
emancipação de escravos em poder das ordens religiosas, sua participação no
movimento abolicionista e ações praticas para libertação dos negros. E, no
final da década de 80, suas manifestações discursivas vistas em cartas
pastorais e na bula papal de Leão XIII.
No capítulo terceiro destacamos a
teologia que se formou ao redor da escravidão a partir do séc. XV, que deu
sustentação ao caráter colonizador lusitano e justificavam as ações empreendias
em território brasileiro e que perdurou em todo período oitocentista. Como se
dava a evangelização dos negros em comparação com os indígenas e a
justificativa bíblica para a escravidão num relato da história da escravidão na
Igreja primitiva.
Foi necessário recapitular
de forma resumida a história da Igreja e sua relação com a instituição da
escravidão com a finalidade de constatar se havia algo; um elo entre a história
da Igreja Católica e sua relação com o sistema servil que pudesse justificar o
pensamento discursivo. No capítulo quatro fiz uso dos discursos da Igreja com
relação à escravidão e assim, fazer uma breve aplicação prática da teoria da
Formação do Discurso (FD) e Análise de Discurso (AD) dos teóricos franceses e
russos. O que se pretende é mostrar que os discursos que existiram tinham uma
fonte e origem histórica e serviram de base para os discursos dos padres,
bispos e papas.
Nas
considerações finais apresento o parecer sobre o assunto expressando opiniões; respondendo
às questões levantadas acima sobrea as possíveis hipóteses de o clero ficar em
silêncio e sua apatia no movimento abolicionista.
Não foi objetivo nesse estudo criticar
o catolicismo romano, por isso apresentei textos que fazem parte de um vasto
arsenal literário disponível para verificação, mas apenas estudar como se
formou o discurso da Igreja e a teologia nele contido. Tudo que é dito neste
estudo, já foi escrito em algum lugar. Seja num papel (não sei!), seja no
consciente das pessoas.
CAPITULO UM
O DISCURSO DO ESTADO E DA SOCIEDADE EM FASE A ESCRAVIDÃO NO BRASIL IMPÉRIO.
1.1. A Formação do discurso e
historicidade.
A escravidão foi um fenômeno social
na historia da humanidade que passou por todas as épocas, desde Idade antiga
ate início da Idade Contemporânea, sobrevivendo até o final do século XIX no
Brasil. Para compreender o atraso da abolição no Brasil, relatamos de forma
resumida a situação política, econômica e social, desde seus primórdios, com
vista à escravidão e sua relação com a religião católica. A recapitulação da
historia também se faz necessária, na medida em que nela encontramos os
fundamentos da formação do pensamento que compôs o discurso escravista seguido pelos
portugueses e adotado pela Igreja que vigorou por todo período colonial e
imperial.
Este
levantamento e observação são vitais quando se tem por base de comparação os
conceitos de Formação de Discurso do filósofo francês, Foucault e do russo,
Bakhtin, onde basicamente afirmam que “os elementos históricos são fundamentais
para compreender a formação discursiva e dos discursos na sociedade
contemporânea” (AZEVEDO, 2013). De Pêcheux sobre Analise do Discurso, quando
considera o interdiscurso como elemento formador do discurso onde “o dizer do
sujeito é sempre determinado por outros dizeres, ou o discurso é sempre
determinado por interdiscursos”. Logo, pode se conceber que “a memoria discursiva são esses sentidos já
cristalizado e legitimados na sociedade que são reavivados no interdiscurso”
(GUERRA, p.04); O discurso português, mais especificamente do clero, tem suas
origens em raízes históricas; portanto, o objetivo dessa abordagem é encontrar
a gênese da formação do discurso que advém do pensamento e sentimentos
existentes nos lusitanos em consonância com a Igreja, em especial no
catolicismo, com relação à escravidão negra.
Segundo
Emília Viotti da Costa, as mudanças ideológicas’ ocorridas na Europa por
ocasião da Revolução Francesa (1789-1799) e Revolução Industrial (a partir de
1760), acabaram por criar conceitos novos no pensamento da sociedade europeia.
A burguesia se opôs a derrubar o antigo regime questionando “o poder divino
atribuído ao rei e proclamar a soberania dos povos, exigindo a criação de
formas representativas de governo” (VIOTTI DA COSTA, p.17) foram fatores
determinantes que deram inicio a extinção da escravidão em todo o mundo.
O Brasil foi um dos últimos países a
deixar de se utilizar da mão de obra escrava em sua economia. A justificativa
reside em vários fatores que vão desde o combate às ideias revolucionárias francesas[ii],
ignorância cultural da sociedade luso-brasileira, revoluções e revoltas
internas, drasticamente combatidas, e interesses econômicos dos grandes latifundiários
e participação efetiva da Igreja. No entanto, seriam destas ideias
revolucionárias, segundo Emília Viotti da Costa (p.17), “nos pensamentos dos
revolucionários do século XVIII que se encontram as origens teóricas do
abolicionismo”. Entretanto, a cultura colonizadora teve grande relevância para justificar
esse atraso. Podemos destacar a afirmação de Sergio Buarque de Holanda [iii]
em ‘Raízes do Brasil’, justificando a influência cultural dos países europeus
no resto do mundo, inclusive sobre Portugal. Em resumo, Holanda afirma que Portugal
e Espanha eram monarquias menos europeizadas que os demais países europeus e
não tiveram uma hierarquia feudal tão enraizada, tendo como consequência disso,
uma frouxidão organizacional trazida ao Brasil, além de uma burguesia precoce
em relação aos demais, que não gostava de trabalhar pesado, físico e regular e das
atividades profissionais utilitárias, mas sim de serem senhores (HOLANDA, p.
31-39). “Podemos dizer que de lá veio a forma atual de nossa cultura; o resto
foi matéria que se sujeitou mal ou bem a essa forma”, completa Holanda (Idem, p.40).
A Grã-Bretanha, metrópole econômica de
Portugal, exerceu papel fundamental para a total abolição da escravidão no
mundo e especialmente no que diz respeito ao Brasil, pois tinha grande
interesse em manter certo colonialismo econômico em vez de territorial e
politico. Para os ingleses “era mais interessante manter a calma no Brasil e ir
reformando o país à moda dos ingleses, suavizando sua tolerância beata e
ensinando-lhes a eficiência nos negócios” (RAUCK, p.21).
1.2. O Brasil Império: situação
social e politica.
A vinda da corte portuguesa no inicio do
século XIX trouxe grande progresso econômico cultural e político, muito embora
a opressão continuasse agora mais de perto. A vinda da corte portuguesa trouxe
mudanças significativas na sociedade do Rio de Janeiro. Grande contingente de emigrantes europeus (15
mil vieram com João VI) desembarcaram no Novo Mundo, trazendo suas profissões,
culturas e filosofia. Paralelo à exigência da Inglaterra de abertura dos portos
alfandegários e a elevação da Colônia à condição de Reino Unido (16 de dezembro
de 1815) em condições de igualdade com Portugal, “provocou sentimentos
irmanados de independência e unidade” (HAUCK, p.22).
Este
sentimento fez explodir por todo pais revoluções de independência e ideias
republicanas motivadas pela aproximação com a Europa e os ideais franceses especialmente
entre os clérigos, militares e representantes de liderança das províncias.
O
modelo político social adotado no Brasil por D. Pedro I foi o de continuidade
do modelo político existente na península ibérica de monarquia absolutista e
feudal de interesses de classes dominantes. O pensamento liberal que norteava a
mentalidade dos revolucionários europeus não atravessou as barreias imposta
pelos governantes brasileiros para alcançar a mentalidade burguesa
luso-brasileira, aliás, a própria elite latifundiária se tornou obstáculo.
Hauck
nos informa qual foi o sentimento da população pobre no Brasil independente:
Lei alguma consagrava
a desigualdade, todos os abusos eram o resultado do interesse e dos caprichos
dos poderosos e dos funcionários. Mas são esses homens que no Brasil foram os
cabeças da evolução, não cuidavam senão em diminuir o poder do rei, aumentado o
próprio. Não pensavam, de modo algum, nas classes inferiores. Assim o pobre
lastima o rei e os capitães-generais, porque não sabe mais a quem implorar
apoio (HAUCK, p.27) [iv].
De 1817 a 1824 foram anos de
unificação nacional e consolidação da independência proclamada por D. Pedro I
em 1822 que teve como figura central na revolução de independência, José
Bonifácio. Um dos poucos liberais que realmente pensava no povo: defendia a
reforma agrária com distribuição dos latifúndios e a abolição gradativa da
escravidão. De personalidade forte criava inimizades em um grupo de pessoas de
interesses pelo poder. Sua queda em 1823 ocorreu devido ao seu programa social
combatido pelos portugueses, comerciantes, soldados e pelos grandes
proprietários.
Contra
a verdadeira independência do Brasil combatiam poderosíssimos interesses. È
interessante notar como todos os lideres políticos se voltaram contra José Bonifácio
por causa de seu programa social. O
liberalismo brasileiro era insensível à justiça social; não trazia a
democracia, pois o liberalismo só valia para certos grupos (HAUCK, 2008, p.26).
José Bonifácio de Andrade e Silva
considerava a escravidão “uma instituição nefasta”, corruptora da oral e dos
costumes, e inibidora do progresso do País’, entretanto, José Bonifácio, assim
como outras vozes favoráveis a abolição nesta época, como Maciel da Costa e
Hipólito da Costa, não era considerado um representante da elite dominante brasileira
permanecendo mais em Portugal do que no Brasil (Ibidem, p.20).
Verificamos
que os programas sociais e as ideias revolucionárias favoráveis de interesse da
classe servil começaram desde cedo a sofrer resistência por parte das
lideranças politicas e econômicas dominante que se formaram durante o período
colonial: os ricos ou os latifundiários.
O período de 1830 a 1850 foram
marcados por revoltas e revoluções civis de classes e de raças motivadas por
interesses diversos conforme seus interesses. Interesses republicanos e
separatistas, agrários e latifúndios e por interesses abolicionistas. Foi grande
a participação do povo, da parte de alguns religiosos, da imprensa e até dos
indígenas. Segundo Hauck (p.29), “não apareceu uma liderança de valor que
aglutinasse e representasse os anseios do povo nestes anos difíceis, e seus
movimentos e protestos são reprimidos com perigosa agitação social”. Para Hauck,
essas revoltas eram uma acomodação das camadas sociais e raciais, com predomínios
dos grandes senhores agrícolas. Serão essas classes vitoriosas que vão orientar
a economia e liderar os interesses do país.
A economia do Brasil, depois de
trezentos anos de colonização portuguesa, passados quase todos os Ciclos (do
Pau Brasil, da Cana de açúcar e do ouro), o Brasil era uma nação pobre. Por
todos os lados o que se via eram sinais de decadência. “Faltou ao Brasil uma
fonte de riqueza que pudesse acelerar o ritmo de passagem de agricultura
extrativa para a exploração industrial” (RAUCK, p.34). Mesmo os produtos
agrícolas estavam agora sujeitos a concorrência internacional.
O povo profundamente religioso estava
em completa submissão às autoridades em respeito e temor que chegava a bajulação
e ao medo para uma resignada tolerância dos constantes e graves abusos de poder
(HAUCK, p. 35, 36).
Os trabalhadores eram uma classe
inexistente, como entendemos hoje. Os escravos eram os encarregados de todos os
serviços manuais, seja nas fazendas ou na cidade. Pois ainda se pensava que o trabalho
manual desonrava a pessoa livre. Até mesmo o mulato se esquivava do trabalho
braçal. Os portugueses que na sua terra eram trabalhadores e criados no Brasil
preferiam passar fome que se submeter a trabalho braçal. Os camponeses inexistiam devido à escravidão
e a dificuldade de acesso às pequenas propriedades. A urbanização gerou uma
classe social desqualificada para o trabalho onde somente os portugueses e
estrangeiros mesmo analfabetos tinham oportunidades de crescimento (HAUCK, p.
39-40).
1.3. Inicio da emancipação da
escravidão no Brasil.
A abolição dos escravos no Brasil é
marcada por dois estágios: o de construção e o de desconstrução. O de
construção que começa antes da colonização brasileira com o crescimento de
Portugal nas navegações e percorre todo o processo de colonização de 1500 a
1808 com vinda de família real ao Brasil. O estagio de desconstrução começa com
o acordo comercial Brasil-Inglaterra, com a proibição do tráfico de escravos
até a abolição final em 1888.
Aproximadamente 370 anos de escravidão em terras brasileiras; um número
incontável de negros vieram para o Brasil nesse período sem contar os
indígenas.
A mudança de pensamento com relação
à escravidão tem ligações diretas com as revoluções ocorridas na Europa: na
Inglaterra com a Revolução Industrial e na França com a Revolução ideológica
com os Direitos Humanos e no modelo político, como já foi ressaltado
anteriormente. A erradicação do trafico teve inicio na Inglaterra com
aprovações de leis através de esforços de políticos abolicionistas e
reformadores protestantes como Willian Wilberforce (1759-1833) [v].
Segundo Viotti da Costa (p.18) foi
através dessas mudanças ideológicas que o que era vista como a vontade e
designo de Deus agora era visto como criação e vontade do homem, portanto “transitória
e revogável”. No passado a escravidão era considerada um corretivo para os
vícios e ignorância dos negros e via-se na escravidão a sua causa. “Passa-se a
criticar a escravidão em nome da moral da religião e racionalidade econômica.
Descobriu-se que o cristianismo era incompatível com a escravidão”. O trabalho
escravo começa a ser visto como menos produtivo que o livre e a escravidão como
uma instituição corrupta da moral e dos costumes (Ibidem, p.18).
A industrialização e a ideologia
francesa custaram chegar ao Brasil pelas barreiras impostas pelo governo e pela
elite dominante que temiam prejuízos econômicos, pois o Brasil era um país
predominantemente agrícola e dependia da mão de obra escrava e a
industrialização não havia chegado e nem tinham produto e dinheiro que pudesse
fazer essa passagem.
A partir do tratado comercial entre a
Inglaterra e Portugal (1807), se impõe o fim do trafico de escravos e, posteriormente
(1826) ao governo brasileiro abolir o trafico em três anos, mas somente em 1831
com a lei Feijó que em tese proibia o tráfico do Atlântico e libertava os
escravos que chegavam ao Brasil. Isso ocorreu somente no papel, pois na prática
o tráfico continuou acontecendo e somente em 1850 com a Lei Eusébio de Queiroz se
pôs fim ao tráfico de escravos. No
entanto a escravidão continuou no território brasileiro até 1888.
A pressão Inglesa pela abolição é
justificada por diversos motivos que vão desde uma conscientização cristã,
ideais iluminista e principalmente econômicos motivados pela Revolução Industrial.
A Inglaterra necessitava de ampliar seu mercado consumidor para seus produtos
industrializados e somente a classe trabalhadora assalariada tinha poder de
compra. O Brasil era o empório da Inglaterra; fornecia matéria prima barata e
adquiria produtos industrializados caríssimos, logo a escravidão andava na contramão
desse processo, não colaborava com o consumo, sem salários e poder de compra a
população negra não representava uma classe consumidora para os ingleses.
1.4. A escravidão no Segundo Império
(1840-1889): mudança de consciência.
O período de 1848 a 1868 são
marcados pela consolidação da autoridade imperial por D. Pedro II e fim das
revoltas autonomistas; conflitos internos com a Igreja católica que requisitava
maior autonomia nos assuntos eclesiásticos e externos com o vizinho Paraguai que
acabou resultando na Guerra do Paraguai (1865-1870), que buscava uma saída
marítima para o Atlântico[vi];
e pressões Britânicas devido ao tráfico que continuava existindo. Porém, “uma
das facetas mais importantes desse período foi o início da abolição da
escravatura” (HAUCK, p. 151).
A segunda metade do sec. XIX inicia
com a aprovação da Lei Euzébio de Queiroz, que tratava do tráfico negreiro. Esta
lei veio por força e imposição dos ingleses devido a Lei Bill Alberdeen de 08
de agosto de 1845. Este ato unilateral permitia que os ingleses abordassem e
inspecionassem navios brasileiros em qualquer oceano. Vioti da Costa (p. 37)
informa que a partir da segunda metade do sec. XIX começou a se intensificar o
movimento pela emancipação dos escravos. Inicialmente nos meios acadêmicos
entre os estudantes, escritores e advogados. Na literatura ‘escravo’ foi tema
em prosa e em verso. Muitos foram os escritores que se dedicaram a dramatizar o
dia a dia dos negros nas senzalas e a escravidão se tornou fonte de inspiração
de muitas obras que se tornaram famosas. O escritor que mais se identificou com
a sorte dos escravos foi Castro Alves (1847-1871), advogado, poeta e escritor;
conhecido como “O poeta dos escravos”, na sua curta vida dedicou-se a levantar
fundos para alforrias de escravos e a defendê-los nas cortes de Justiça. Na Guerra
do Paraguai, branco e negro, livres e escravos lutaram lado a lado. Os negros
com a promessa imperial de conquistarem sua alforria e retornaram vitoriosos. Segundo
Hauck (p.153) A GUERRA DO Paraguai fez despertar os sentimentos abolicionistas
e valorização dos militares nas decisões do país e vai fortalecer ideal
republicano frente à monarquia. Os ideais republicanos eram vistos pela igreja
como sinônimo de subversão tendo como promotora a maçonaria. Acrescente-se a esses sentimentos a isso Lei
do Ventre Livre (1871) pôs fim à escravidão dos nascituros e representou a
declaração de “brasilidade” dos negros.
A emancipação dos negros em condição
de servir o exército (1866), a emancipação total dos negros da Nação na Lei do
Ventre Livre (1871), foi como o início dessa tomada de brasilidade do negro. E
esta conscientização de que o negro é também povo brasileiro vai ser decisiva
para que a igreja também se conscientize de que o negro é povo de Deus. A
discussão em torno da lei do Ventre Livre trouxe a lume o ‘direito de
propriedade’ sobre o escravo que para muitos dizia respeito a coisas e não a
pessoas. Nesta época Torres Homem,
politico famoso, homem de cor que chegou ao senado depois de brilhante carreira,
afirmava:
A propriedade de
escrava era uma monstruosidade que violava o direito natural [...]. A maioria
dos escravos no Brasil descendia de escravos introduzidos no país por um
tráfico não só desumano, como criminoso. Nada mais justo que se tomassem
medidas que acabasse com a escravidão (Viotti da Costa, p. 45,46).
Assim,
se começa a repensar a situação social do negro na sociedade brasileira. A Lei
do Sexagenário, em 1885, que libertava o negro com mais de 60 anos, foi uma
tentativa desesperadora de se manter a escravidão. Nessa altura, o povo tinha
“arrebatado das mãos da elite a direção do movimento. A Abolição se tornava
causa popular, com apoio de diversos setores da camada popular, da classe meia
e até da elite” (Viotti da Costa, p. 70,71). Assim o movimento se acentuou a
partir de 1880, provocando anarquia social que tomou conta de diversas regiões
do país, principalmente em São Paulo, província cafeeira para onde veio grande
contingente de escravos. Fugas de escravos, revoltas, invasões de fazendas promovidas
por movimentos abolicionistas como os caifazes[vii]
que motivavam os pretos a se rebelarem.
A emancipação negra no Brasil teve
como “eixo as razões de ordens político-econômicas, com evidentes apelos de
ordem ético-morais, o que não implicava em propor a subversão da ordem
constituída”. Não foi pelo resultado do ideal dos movimentos de libertação dos quilombos,
mas devido à materialidade de um conjunto de Leis, cujo objetivo era ‘manter a
estrutura econômica, político e social e fazer a transição da mão de obra
escrava para a livre de maneira mais traumática possível” (FUNES-GONÇAALVES, p.
30). Esta concepção é facilmente vista na Lei do Ventre Livre (1871) que
declarava que o nascido a partir daquela data somente alcançava sua liberdade
plena aos 21 anos de idade. Ou seja, o ingênuo ainda era explorado até a sua
maioridade. Ou seja, até a Lei Áurea ninguém ainda tinha sido beneficiado pela
Lei do Ventre Livre; quem nasceu em 1871 ainda estava com 17 anos e precisava
trabalhar até os 21.
Da Lei do Ventre Livre para a Lei
Áurea (1888), foi um longo caminho de exploração, luta e paciência. Quando a
sonhada liberdade veio, somente 5% da população era escrava, isto girava em
torno de 700 mil negros. Já havia esgotado todos os recursos para manter o
sistema escravista; era grande o numero de emigrantes que entraram no país para
substituir a mão de obra escrava pela livre, e o negro foi dispensado sem nenhuma
recompensa ou indenização. Desempregado, pobre, sem moradia e desletrados, foram
morar nos morros do Rio de Janeiro, de Santos e nos subúrbios de São Paulo.
1.5.
A situação do negro e classificação social no início do séc. XIX.
A escravidão era uma das
instituições mais típicas da sociedade brasileira colonial e imperial. Os
escravos eram a peça de maior valor, pois a terra de nada valia sem os
escravos. O seu valor aumentava a medida da necessidade do ciclo econômico. Em
Minas Gerais, no período do Ciclo do Ouro, e em São Paulo, durante o Ciclo do
Café, por exemplo, seu valor alcançou cifras impressionantes. Apesar de seu
alto custo os senhores não sabiam aproveitar de modo racional e planejado a
força escrava: excessivos trabalhos e horários exagerados, fraca alimentação
que produziam baixos rendimentos e alta taxa de mortalidade que superava a de
natalidade. O escravo morria cedo e não havia quem cobrasse o cumprimento das
leis de proteção que eram desrespeitadas desde o transporte nos navios até
pelos castigos e açoites impostos pelos senhores.
Não foram
poucas as situações de humilhação que eram submetidos que variava desde
conhecerem seu lugar na sociedade dos brancos até a sacralização da submissão
aos seus senhores dos quais deveriam pedir a benção. No entanto, houve patrões
que tratavam seus escravos com humanidade, promovendo o casamento, dispensando
do trabalho a escrava que amamentava, liberando o domingo como descanso semanal
e não faltou experiência de tornarem os negros assalariados. A condição do
escravo urbano era bem diferente daquele do interior. O custo para mantê-lo era
mais caro o que fez surgir muitos negros mendigos e moribundos pelas ruas.
Quando ficavam velhos, doentes ou cegos davam-lhes a alforria. A alforria poderia
ser comprada pelo escravo com suas próprias economias ou por outros pelo valor
estabelecido pelo patrão (HAUCK, p.46, 47).
As classes sociais no Brasil eram
estabelecidas pelo extrato formador que a definia. Em uma sociedade em que a
escravidão ocupava lugar de destaque, o trabalho era o primeiro fator formador
separando escravos e livres. Esta definição não era bem definida, pois mesmo
negros livres e alforriados eram alvos de segregação racial o que lhes impediam
ou limitavam a ascensão social. Era fácil perceber como “o negro livre mantinha
arraigada a mentalidade de escravo reconhecendo a sua posição na sociedade
racista”.
No segundo degrau social estavam os
brancos ricos de influência social; mesmo existindo pretos ricos, não poderiam
ser influentes, pois lhes faltava o fator racial. “Cresce o complexo de ser o
brasileiro de raça inferior, que por muito tempo vai acompanhar os intelectuais
brasileiros” (HAUCK, p. 51). Os mulatos ainda vão ter grande influência na vida
nacional, mas somente a partir de 1831 pelo caminho do exercito carregando
sempre o complexo racial.
A inteligência e cultura também
classificavam, mas dificilmente um mulato inteligente, pobre e de cor rompia a
barreira. A riqueza era o elemento mais forte de classificação social, por isso
os senhores de engenho, os grandes proprietários de terra e os traficantes de
escravos tornaram-se os detentores do poder comandando as contrarrevoluções e
seriam eles os donos do país após 1831. Era comum a ostentação de riquezas e
exibição luxuosa tanto por parte dos senhores com pelos negros.
O extrato social de classe ficava
assim representado pelo “pequeno número de privilegiados e outro pela massa do
povo”.
Entre os
privilegiados podem ser colocados: os grandes proprietários rurais, alguns altos
escalões do funcionalismo público, por força do prestígio e da influencia; os
comerciantes, algumas profissões muito rendosas, como a dos mercadores de
escravos; o clero, por dois critérios: participavam os padres da pouca numerosa
elite intelectual, e eram representantes da religião que, por ser oficial, lhes
dava prestígio de funcionários qualificados e, por ser profundamente arraigada
na alma popular, lhes garantia o respeito do povo (HAUCK, p. 53).
Segundo
Viotti da Costa (p.17) a “ordem social era considerada expressão dos desíguinios
da Providência Divina, portanto não era questionada”. Naquela época, acreditavam
que “era a vontade de Deu que uns nascessem pobres, outros ricos; uns livres e
outros escravos, e que não cabia aos homens modificar a ordem social”.
O
discurso a respeito dos negros está dialeticamente relacionado à sua posição
social na sociedade. Os negros eram os últimos na escala social, logo seus
interesses também. Completamente engolido pelo sistema escravista sua voz não
era ouvida. Nesse caso, precisava que alguém de uma escala acima falasse por
eles. Esperava que a Igreja cumprisse esse papel, mas na sua prática social em
relação ao negro, encontramos seu discurso e sua posição como também já vimos. Assim,
os acontecimentos externos colaboraram; a proibição do tráfico, a Guerra do
Paraguai os abolicionistas juntamente com a opinião da qualidade da mão de obra
escrava. Na medida em que a sociedade mudou sua maneira de pensar o discurso
com relação ao negro também foi ganhando força, até que no final a Igreja
emprestou sua voz de forma apática.
CAPÍTULO DOIS
11. A IGREJA E A ABOLIÇÃO
2.1 A Igreja e abolição e sua relação
com o negro.
João F. Hauck (p.274) afirma que
para entendermos o papel da Igreja no processo de emancipação e posteriormente
na luta pela abolição é necessário ter em vista “as bases sociais do império se
assentavam sobre a coroa, escravidão e proprietários de terra, e que a Igreja
constituiu a base espiritual do todo e viveram intimamente entrelaçadas entre as
três instituições”. Nesse mesmo raciocínio, Viotti da Costa (p.17) declara “justificada
pela religião e sancionada pela Igreja e pelo Estado que a escravidão não era
questionada”. A igreja se limitava a recomendar paciência aos escravos e
benevolências aos senhores. Hauck complementa dizendo que a igreja foi “o
cimento moral que deu consistência, que deu aliança entre os três elementos”.
Ney Santos afirma também que a Igreja
“não estava preocupada com os problemas concretos com a população da terra” e
cita o abolicionista Joaquim Nabuco que afirmou: “eu tinha sempre lastimado a
neutralidade do clero perante a escravidão, o seu indiferentismo no contato com
ela”.[viii]
Segundo Riolando Azzi (1989. p.55) a obra do médico baiano Luiz Anselmo da
Fonseca tinha por objetivo “cobrar da Igreja Católica, uma instituição
declaradamente comprometida com a fraternidade, uma atuação mais significativa
na campanha em prol da abolição. Ao mesmo tempo passava a denunciar a grande
omissão do clero nesse tempo”. Nessa mesma obra, Azzi afirma seu parecer sobre
a omissão da Igreja no processo de abolição. Para ele a causa dessa fraca
presença católica se deve principalmente por dois motivos na grave crise que
perpassava a igreja: 1) seja pela decadência e desagregação do modelo de cristianismo
vigente no império; 2) seja pela afirmação progressiva do modelo trinitino.
Resumindo as afirmações de Riolando
Azzi, todo o período imperial foi tenso para a Igreja em sua relação com o
Estado. A Igreja continuava atrelada ao Estado e não tinha autonomia para
realizar qualquer reforma sem autorização da coroa. Os pensadores liberais da
classe letrada que poderiam liderar o movimento de emancipação (teve início com
José Bonifácio em sua Representação à Constituição, mas foi rejeitado por D.
Pedro I), durante o Primeiro Império, foram perseguidos e afastados de suas
funções, transferidos e ameaçados. No período Regencial foram combatidos pelos
latifundiários e no Segundo Império, D. Pedro II procurou nomear bispos
conservadores afastando os liberais. Logo, a reforma promovida pela Igreja foi
clerical com formação de padres comprometidos com o sacerdócio e não com política
e em catequizar o povo nos sacramentos da Igreja. Paralelo a isso havia a
pressão do Pontífice de Roma para estabelecer modelo Tridentino na Igreja
brasileira que leva bispos a expulsar padres e pessoas que tinham relações com
a maçonaria. O que levou a um conflito com o Estado na chamada Questão
Religioso, além disso, houve o sucateamento por parte do Estado nas Ordens
Religiosas que ficaram impedidas de recompor seus membros. Isto levou ao
envelhecimento das ordens femininas e masculinas gerando adoecimento e
debilidades, sem motivação e forças para promover empenho efetivo em prol dos
problemas socais e um compromisso sério com a causa abolicionista.
Logo,
a Igreja estava muito debilitada internamente e via sua esperança na
implantação do modelo tridentino que “cujas metas muitos se distanciava da
realidade brasileira [...]. Ao lado da crise da Igreja Imperial inspirada no
modelo de cristandade, também a estruturação do novo modelo tridentino constitui
um elemento determinante para o pouco interesse da instituição católica com relação
ao problema da abolição” (AZZI, 1989. p.55-70).
‘A
Igreja e o Estado de braço dado como dois soldados, caminhavam lado a lado com a
escravidão; tinha nas mãos o poder da alforria. Que bom seria se tivessem
paixão’. Estes meus versos bem classificariam o que Hauck esclarece sobre a
aliança entre a coroa e a mitra:
A coroa esteve unida
pelo regime do padroado e ao Estado pelo fato de ser sua religião oficial,
sendo os seus ministros, funcionários do império, de quem recebiam
subsistência. À grande propriedade delegou a Igreja a tarefa pastoral de
catequizar os escravos e de organizar e animar sua vida religiosa (HAUCK, 274).
E
mais, o reconhecido autor afirma que a Igreja “assentou sua base material”,
principalmente às ordens religiosas (carmelitas, beneditinas, mercedários e
jesuítas), na exploração de grandes propriedades de terra, na produção (cana de
açúcar), na comercialização (mercado exterior) e no mesmo regime de trabalho (centenas
de escravos). Assim, a Igreja através das ordens religiosas endossava o regime
escravista ao compactuar com o sistema escravocrata e atuar como senhores de
escravo. Havia uma consciência de que “não condizem com a condição religiosa e
eclesiástica o uso e a posse de escravos”. Os carmelitas se justificavam que os
beneditinos e outros religiosos possuíam engenhos de açúcar e por consequência,
escravos. Quando questionados para a emancipação e libertação, os religiosos
estavam preocupados com o prejuízo financeiro que sofreriam. Desta forma, o processo
de emancipação no início foi lento e gradual. Os franciscanos comercializavam
escravos livremente e somente no fim de 1859 resolveram dar liberdade aos
“escravos mais bem-comportados” com mais de 60 anos e as escravas com mais de
50 anos que “tivessem dados aos conventos cinco filhos” o exemplo é seguido
pelos beneditinos que liberaram as escravas que dera mais de seis filhos e em
1866 resolvem dar liberdade a todos os nascidos em 03 de maio de qualquer ano e
os que nascessem após aquela data. Mas, o maior gesto profético veio dos
beneditinos, ocorreu um dia após a Lei do Ventre Livre de 28 de setembro de
1871 quando resolveram conceder liberdade a todos seus escravos, num total de
4.000, sem nenhuma indenização ou compensação pelos trabalhos prestados (HAUCK,
p.274, 275). No entanto, nem todas as ordens religiosas seguiram o exemplo dos
beneditinos, apesar dos apelos dos bispos em 1887 ocorridos às vésperas da Lei Áurea,
para libertarem seus cativos antes que o fizessem por força da lei e assim não
receberiam nenhum reconhecimento da sociedade. O frade carmelita, Frei Caetano
negou libertar seus cativos, desobedecendo à orientação de seu bispo, D.
Alvarenga, alegando que o Governo indenizaria os senhores. “Tão agarrado que
estava aos bens temporais, viram libertos por lei todos seus escravos e a
sonhada indenização nunca aconteceram, como também não veio o reconhecimento
por parte dos escravos que abandonaram as fazendas da ordem, deixando na
miséria o frade” (p.276).
Nos braços da Cruz
foi rasgado o [chitographo] que condenava a nascerem no captiveiro tantas
futuras gerações de homens e foi parada e recuada até o abysmo por peitos
brasileiros essa entumecida e arrebatada correnteza que há 371 anos arrastava e
ainda ameaçava rolar em suas negras ondas a milhares de homens que deviam um
dia nascer na terra americana do Império da Santa Cruz de Jesus Christo (RAUCK,
p.277).··p
O
bispo pede aos negros que se alegrem com a liberdade concedida aos que virão a
nascer livres e que continuem sendo obedientes aos seus senhores com amor
dobrado “porque o temor deve ser substituído pelo agradecimento” e que deviam
provar a “vossa dedicação e obediência, defendendo os vossos senhores e a tudo
que lhes pertence”. O bispo dirige a palavra aos senhores pedindo que eles não devessem
pôr obstáculos à execução da Lei e que as criancinhas fossem tratadas com o
devido respeito e não deixasse que as mães sofressem qualquer tipo de
tribulação: “Não permitais que os desmazelos, a inveja, a miséria ou o
desespero levem as mães ao aborto, ao infanticídio, ao abandono dessas
criancinhas inocentes e desvalidas; não as deixes sucumbir pelas tribulações”.
Em nenhum momento, afirma Hauck, o bispo D. Lacerda não reconhece o direito
natural do negro pela liberdade como o fez o Papa Leão XIII: “É coisa salutar restituir pelo benefício da
alforria à liberdade em que nasceram os homens que a natureza fizera livres
desde o início” (grifo meu). D.
Lacerda não contesta a legitimidade da escravidão nem afirma o direito natural
do escravo à liberdade. Os fazendeiros deveriam acatar e não questionar, pois
ao se opor à lei, estavam desobedecendo e se opondo a Deus, e não era o que a
Igreja ensina e que foi “legalmente decretada e promulgada”. Comenta Hauck que
enquanto projeto de lei “era lícito questionar, mas agora que é lei a religião
e o Estado exige a sua execução”. Desta
forma, a Igreja se alinhava a clássica argumentação escravocrata: “os escravos
eram sua legitima propriedade. Toda propriedade privada era sagrada e
inviolável” (HAUCK, p.277).
A carta ressaltou a importância da
Lei do Ventre Livre que valou ao bispo futuramente em 13 de maio o título de
Conde de Santa Fé concedido pela princesa. Sobre as declarações desta carta
pastoral de D. Lacerda, ainda falaremos mais para frente numa comparação com a
teologia bíblica sobre escravidão e sua legitimidade e regulamentos.
a. A Igreja no processo de emancipação e nos
movimentos abolicionistas
O movimento abolicionista ganha
força a partir de 1879-1888 e empolgou o país, todavia a participação da Igreja
era feita a distância e quase indiferente, sem nenhuma ligação íntima com o
abolicionismo. Somente às vésperas da abolição, através das cartas pastorais de
1887, que houve alguma movimentação do prelado a favor da abolição. Esta
ausência de interesse do clero católico foi alvo de muitas críticas por parte
dos principais ícones abolicionistas como Joaquim Nabuco, que expressou seus
sentimentos assim: “[...] Eu tinha sempre lastimado a neutralidade do clero perante
a escravidão, o indiferentismo de seu contato com ela...”.
No seu artigo ao Jornal O País,
Joaquim Nabuco fala da influência que os missionários católicos têm no interior
do país sobre a classe pobre e exclama:
[...] que efeito
prodigioso não faria a palavra do sacerdote que realmente pregasse a moral
social do evangelho! Mas onde já se viu um missionário abolicionista! [...]
ainda não houve no Brasil um bispo que levantassem a voz contra a escravidão,
como os houve para levantar a voz contra a maçonaria, apesar de estar a
escravidão mais condenada por bulas pontificais – e por concílios – do que a
maçonaria (HAUCK, p. 279).
Oficialmente
o abolicionismo não foi assunto do gosto do prelado católico devido sua ligação
direta com os interesses dos grandes latifundiários, mas não faltaram atos
individuais isolados que acabaram caindo no vazio, “por falta de oportunidade
histórica ou por não estarem articulados com um movimento social” (RAUCK,
p.279).
Como destaque, Hauck (p. 279)
apresenta alguns nomes importantes como do “bispo de Diamantina” (1863-1905), Dom
João Antônio dos santos, que em 1846 na Selecta
Católica de Mariana e em 1862 no Jequitinhonha de Diamantina, lutou pela
libertação, esforçando ao máximo para conseguir a libertação, chegou a
percorrer sua cidade episcopal suplicando a alforria legal dos escravos. No
site da Arquidiocese de Diamantina[ix],
há a informação de que o bispo de Diamantina durante seu governo “lutou
incansavelmente pela abolição da escravatura” e que “pessoalmente alforriou
mais de dois mil escravos na região”. Dom João Antônio dos Santos, bispo da
diocese de Diamantina em Minas Gerais parece ser uma exceção.
b. Diamantina: emancipação mineira e o desenvolvimento local.
Segundo Lívia Gabriele de Oliveira
(p. 11) “Assumidamente a favor da abolição dos escravos, ele divulgou seus
ideais emancipacionistas em jornais e em pastorais. Entre suas ações a favor da
liberdade, a mais significativa, além da pastoral de 1887, foi a criação da
Sociedade Patrocínio Nossa Senhora das Mercês (SPNSM), em 1870”, em consórcio
com o Fundo de Emancipação Municipal[x].
Não somente porque levantava fundos para liberação dos escravos, mas por que
criou um ideário emancipacionista naquela região. Se a Igreja Católica era
representante do Estado, como se dava a crítica à escravidão por um de seus
membros? Se o bispo era abolicionista quais as ações que poderia caracterizá-lo
como tal? Como se comportaram as alforrias enquanto esteve à frente do bispado?
São perguntas que Lívia Oliveira (p.12) faz e responde no seu estudo com
relação ao trabalho do bispo de Diamantina.
A autora continua: “A legitimação do poder que a igreja exerceu sobre a
sociedade era feito por meio do bispo”. Era a mais preparada na formação de fé,
religião, poder, conhecedor da sociedade, de obediência a romanização a as leis
brasileiras. Capaz de influenciar o clero e a sociedade a seguir determinado
comportamento.
Em
muitas regiões isoladas, a Igreja Católica era o único representante do Estado;
extensão da sua vontade por força do Padroado Régio. O isolamento parece não
ser o caso do norte de Minas e principalmente em Diamantina, pois era uma
região rica em minério, pedras preciosas e agricultura. Ações positivas como do
bispo D. João Antônio dos Santos sem perder o prestígio junto ao Estado e
proprietários só encontram explicação nas relações políticas, culturais e
econômicas e têm “propostas de ordem e organização da sociedade que foram
intensificadas pela fé”.
A resposta aos resultados positivos
de D. João Antônio dos Santos, não estavam somente no fato do uso dos Fundos
locais e do governo para libertação do elemento servil, mas está em quem
projetou e organizou sua diocese para atender tanto os assuntos espirituais
como de interesses econômicos da região que passava por crise e por um período
de transição de setor econômico. A mineração estava em baixa, uma crise se instalava
e era necessário fazer a transição para a industrialização e diversificar as
atividades agrícolas: substituir a mão de obra escrava para a honesta. O que
Oliveira (p. 84, 85) destaca é que todas as instituições constituídas (jornais,
sociedades civis, Fundos Municipais e do Governo) pela sociedade civil local estavam
ligadas a Igreja. “Isso porque a presença do bispo nas comissões
administrativas e a sua influência sempre se fazia presente”.
c.
Os
jornais no processo de emancipação.
Os jornais foram os veículos de
maior contribuição para o movimento emancipacionista em Minas Gerais. Em
Diamantina destacaram várias folhas com ‘’O Jequitinhonha’ e ‘Sete de Setembro’.[xi]
Nos jornais eram noticiados os nomes do elemento servil alforriado: crianças,
mulheres e homens beneficiados pelo Fundo de Emancipação e indenização aos
proprietários prevista na Lei do Ventre livre. “O movimento começou tímido e
alcançou proprietários, comerciantes e os letrados da região”
(OLIVEIRA, p.32).
Os
jornais da região tiveram papel fundamental na opinião pública da região:
O jornal
Jequitinhonha publicava discussões sobre o fim da escravidão em diversos países
sobre a postura do Imperador do Brasil quanto ao abolicionismo, o
encaminhamento dos projetos de leis, as condições de vida dos escravos e
libertos, a posição a Igreja, assinada algumas vezes, pelo próprio bispo
diocesano (...). A igreja divulgava o quão era nobre a abolição, mas sempre com
o cuidado de manter-se dentro da lei do império, condenando as fugas e as
revoltas (Oliveira, p.32).
L
Lívia
Oliveira (p. 85) destaca um artigo do Jornal Jequitinhonha falando sobre o
sermão do Padre Sypolis com clara associação à carta de Filemom. Entre linhas,
o artigo descreve que “com palavras de mestre descreveu o progresso e desenvolvimento
da escravidão em todos os povos” e continua:
Manifestou os passos
do cristianismo para quebrar as algemas do cativeiro. Falou aos corações dos
senhores e a humildade dos escravos. Aos senhores disse que deviam amar os
escravos como seus irmãos em Jesus Cristo; considerai-os como membros de sua
família. Aos escravos que deviam toda obediência e humildade aos seus senhores,
mesmo estando irados. “A emancipação deveria começar pela moralização dos
escravos” (OLIVEIRA, p.85).
Numa
rara comparação com a carta a Filemom; o padre afirma que esta moralização é
como que o escravo fosse visitar seu padrinho em São Paulo. “Ele agasalha,
instrui, batiza, moraliza o escravo e o manda para o seu senhor; ‘recebe-o como
recebais a mim, o meu coração, as minhas entranhas” [xii].
Lívia Oliveira (p.89) informa que os
escravos deveriam saber que a liberdade não vinha das mãos do governo ou por
suas próprias mãos, mas que conseguiriam a alforria de um ato de benevolência e
caridade de seus senhores. Muito embora, o bispo de Diamantina tivesse notória
participação junto ao Governo na idealização e aprovação da lei do Ventre Livre[xiii]
que na sua diocese já acontecia como ato de caridade na pia batismal, ou seja,
o que já era um acontecimento em Diamantina e região se tornou uma lei para o
país. Em parte, o que veio a ser a Lei do Ventre Livre era uma das propostas
emancipacionista da SPNSM e que já ocorria na região de Diamantina.
Devemos considerar as atitudes
positivas como emancipação oferecida pelas ordens católicas. Por determinação
dos bispos foram obrigadas a alforriar seus escravos, pois eram acusadas pelos
abolicionistas de que o cristianismo não era compatível com a escravidão,
inclusive pelo jornal “O Abolicionista” de darem péssimo exemplo ao serem
‘senhores de escravos’; isto é, havia um envolvimento direto da Igreja com a
escravidão, logo o seu discurso favorável à emancipação dos escravos ficava
comprometida.
O esforço da Igreja na emancipação
do elemento servil se traduziu de forma materializadoras em alforrias nas
cartas de liberdade, nas pias batismais e nos testamentos. “De acordo com as
praticas cristãs, remir o cativo era uma forma de praticar a caridade e com
isso alcançar a salvação”. A garantia pela salvação pode ser uma das
explicações pela grande alforria testamentárias institucionais (OLIVEIRA, p.
33). A participação da Igreja Católica no movimento de emancipação é resumida
na afirmação de Pedrosa: “A atuação oficial da Igreja seria caracterizada por
alguns lampejos de coragem e generosidade, mas a melancólica e quase tardia no
seu conjunto [...]” (PEDROSA, p. 7) [xiv].
Em 1888, às vésperas da abolição o
papa Leão XIII participa direta e indiretamente do processo de abolição.
Indiretamente porque os bispos pediram aos senhores de escravos uma ‘prenda’ em
comemoração ao Jubileu do papa (31/12/1887); os bispos pediram que fosse oferecida
liberdade aos escravos e centenas de escravos receberam o beneficio.
Diretamente
porque se manifestou favorável à emancipação em seu discurso por ocasião da
comemoração de seu Jubileu ao enviado especial o Ministro João Artur de Souza
Correia, em 14 de janeiro de 1888 e depois em 10 de fevereiro de 1888. Numa audiência
com o deputado Joaquim Nabuco, abolicionista que fora pedir ao papa “uma
palavra favorável à abolição”. A resposta do papa veio através da encíclica ln
Plurimis de 08 de maio de 1888 que somete chegou às mãos dos bispos brasileiros
após a assinatura da Lei Áurea.
d. As cartas pastorais.
As castas pastorais foram
instrumentos vastamente utilizados pelos bispos no período imperial para
transmitir suas ideias, fazer os seus apelos e administrar a Igreja dentro
daquilo que acreditavam ser correto.
Por meio das
pastorais, portanto, podemos acompanhar o pensamento da Igreja Católica –
manifestado nas palavras dos Bispos e do modo como foi transmitido aos fiéis –
durante um período significativo de sua atuação no Brasil e perceber os
argumentos e estratégias utilizados por esta instituição para garantir uma
efetiva influência sobre a religiosidade, a política e a cultura do país (CAES,
p.02).
Desta
forma, vamos encontrar nelas raízes do pensamento doutrinário da cristandade no
período colonial em relação a diversos assuntos, e neste caso com relação à
escravidão. Em alguns casos o pensamento
está totalmente descoberto, mas em outros precisamos interpretar nas entre
linhas. Como vimos a igreja estava
profundamente ligada aos interesses do Estado e dos grandes proprietários de
escravos.
Uma Igreja elitizada desinteressada
pelas necessidades dos pobres e principalmente porque a abolição não fazia
parte dos seus planos, exceto em alguns casos particulares como já foi exposto;
mas não se tratava de um assunto tratado a nível nacional.
CAPÍTULO TRÊS
12. A TEOLOGIA E A ESCRAVIDÃO
3.1.
Catolicismo brasileiro: religião oficial e formação da teologia.
O catolicismo foi a realidade
religiosa oficial do Brasil desde sua colonização e continuou no Brasil Império
(1822-1889), primeiro por força da Constituição de 1824 no seu art. 05:
“A religião católica
apostólica romana continuará sendo a religião do Império. Todas as outras
religiões serão permitidas com seu culto doméstico ou particular, em casas para
isso destinadas, sem forma alguma exterior de templo”.
O proselitismo e as construções de
templos não eram permitidos, o que impedia o crescimento do protestantismo.
Depois por tradição ibérica e imposição do clero católico que via no sistema
padroado a saída para a dominação religiosa territorial.
O regime de Padroado[xv]
continuou existindo no primeiro reinado do Brasil e controlava a administração
e os assuntos eclesiásticos católicos.
Para
Ney Souza (p.129) o padroado teve dois momentos no Brasil: o primeiro que vai
de 1826 até 1840 com o início do segundo reinado. Era uma igreja nacional totalmente
controlada pelo rei e posteriormente pelo Regente Feijó que exercia poder que
permitia controlar os assuntos da igreja: nomear bispos e prover outras funções
eclesiásticas; conceder ou negar beneplácitos régios aos decretos papais antes
de serem divulgados no Brasil. O papa era reconhecido como chefe honorífico,
mas sem uma efetiva participação sobre os assuntos da Igreja Nacional. E, o
segundo período de 1840 até a Proclamação da Republica em 1889. Nesta fase se
verifica grande mudança na relação Igreja e Estado, “principalmente no
pensamento católico do que são as atribuições dos negócios eclesiásticos”.
A primeira fase do Império
(1826-1840) foi fundamental para a formação do pensamento teológico católico
brasileiro, por ser um período de continuação da dominação do poder civil sobre
o eclesiástico (padroado) que chega ser uma dominação e controle de quase
opressão, visto que o Estado retardava os negócios da Igreja e os clérigos não
passavam de funcionários públicos em vez de ministros da igreja Católica.
Segundo Ney Santos (p.130, 131), essa condição influenciava no pensamento
ministerial do clero: “Tal fenômeno não deixaria de influir na mentalidade dos
sacerdotes e em suas atividades pastorais, bloqueando sua capacidade de
iniciativas e sujeitando-os a rotina de trabalhos oficiais e sistematicamente
controlado pelo Estado”. Dessa condição que se mostrou ambígua para a Igreja
vai surgir uma nova teologia que levará a grandes divergências entre o poder
espiritual e o temporal que vai resultar na “Questão Religiosa (1872-1874) e
finalmente a separação entre Estado e Igreja pela Proclamação da Republica em
1889”.
O período em foco estava sob
Regência do Padre Diogo Antônio Feijó (1784-1843) [xvi],
quando esteve à frente do país por duas ocasiões; período marcado por inúmeras
revoltas e revoluções populares e pela baixa credibilidade do clero junto ao
povo provocado pelo distanciamento da igreja; devido à escassez de padre, concubinato
de padres e com família e a indolência ministerial, por causa disso se ansiava
por reformas no corpo clerical e dos objetivos missionários da igreja e sua
autonomia como instituição nacional.
Sobre este período, segundo Ney
Santos (p.132), o que é importante para a “teologia no império é a percepção
que estes pensamentos, projetos e práticas estão alicerçados na doutrina
galicanas e febronianas[xvii],
preconizando assim uma igreja nacional”. Toda esta ambientação política e
religiosa vai preconizar na mentalidade teológica desfavorável à abolição dos
escravos calcada na sociedade de dominação branca.
A
afirmação de Ângela Rodholfo Paiva falando sobre “Catolicismo brasileiro:
harmonia no reforço da desigualdade” escreve:
A esfera religiosa no
Brasil vai adquirindo idiossincrasia que lhe confere identidade própria, sendo
mesmo mais apropriada falar em “catolicismo brasileiro”. De certa maneira, a prática
religiosa vai exacerbar as características mais marcantes do catolicismo
trazido de Portugal em virtude dos acontecimentos específicos na história
brasileira (PAIVA, p.44).
Os
agentes externos para a formação do pensamento católico em relação ao negro
estão dialeticamente relacionados à ambição portuguesa para a colonização de
seus territórios, e no período monárquico este pensamento não era diferente. A
necessidade da mão de obra escrava, os interesses dos grandes proprietários de
terra e senhores de escravos em uma nação exclusivamente agrária reforçada pelo
pensamento católico português da desvalorização da raça negra e a busca ambiciosa
do enriquecimento pessoal. A combinação ou a somatória desses fatores vão se tornar
barreiras intransponíveis para a libertação dos negros.
O catolicismo, desde o século XVI, é
a marca da vida social brasileira. Souza afirma que “Não se entendia a
realidade sem uma explícita referência ao transcendente e à Igreja Católica,
esta última vista como representação visível da divindade” (Souza, p. 129). A
vida religiosa estava presente em todas as esferas estruturais da sociedade,
seja nas dimensões públicas e oficiais, nas domésticas e pessoais. Souza
(p.130) afirma que “nesse tipo de cristandade, as esferas cíveis e
eclesiásticas praticamente se identificam, e o cidadão é obrigatoriamente
cristão. Há uma sacralização das estruturas sociais e politicas. Estará neste
ponto a raiz do processo de dessacralização do sagrado”.
Na segunda fase do império de 1840
até a Proclamação da Republica em 1889 se verificou considerável mudança na
relação Igreja e Estado, “principalmente no pensamento católico do que são as
atribuições dos negócios eclesiásticos”.
Para entender o pensamento teológico
católico no Brasil do Segundo Império, é necessário perpassar pelos fatos
políticos e religiosos dominantes no Primeiro Império que teve implicações
próprias de uma Igreja Nacional com a ausência da dominação papal. No Segundo
Império aconteceu uma mudança drástica no governo da Igreja. Começando pelas
ações adotadas pelos papas Gregório XVI (1831-1846) e Pio IX (1846 - 1878) com
objetivo de combater “o pensamento científico, restaurar valores da sociedade
medieval, inclusive princípios filosóficos e teológicos, apregoou a necessidade
de subordinação do homem à ordem sobrenatural”. Combater os pensamentos
revolucionários e modernos e trazer a igreja sob o domínio Ultramontano[xviii].
As pregações são voltadas para a humildade e obediência a hierarquia a
autoridade eclesiástica. No Brasil
nesse período do Segundo Império os bispos reformadores foram lentamente
introduzindo as orientações papais de uma igreja segundo o modelo do Concilio
de Trento e preocupada com a evangelização do fieis; para isto, foi opondo as
ações do rei, ao clero liberal que desde o início do império sustentava a ideia
de uma igreja regalista e submissa ao poder imperial; combateram a maçonaria
dentro da igreja, formaram e nomearam padres em diversas dioceses. Para contrabalançar
o rei procurava nomear somente bispos que tinham vínculo, “tendência
conservadora”. Assim, o bispo encontrou espaço para se manifestar em diversas
dioceses do país. Envolveram-se a imprensa e considerável parcela da população;
foi um período de profundas tensões entre o governo e a igreja que abalaram a
monarquia, uma das grandes tensões foi a chamada Questão Religiosa (1872-1875),
cujo epicentro dessa tensão foi a proibição do clero na participação da
maçonaria ou em qualquer cerimônia maçônica. Daí se desenrolou um conflito
envolvendo a maçonaria e dois bispos: o bispo de Olinda, D. Vital, e do Pará,
D. Antônio de Macedo Costa (SANTOS, p. 136).
O
jornal de D. Vital, A União, publicou
artigos que “criticavam a liberdade de culto e pensamento, a separação entre
igreja e Estado e colocava a Igreja acima do poder civil, ao insistir que as
leis dos homens não podiam ser distinguidas das leis de Deus”. O fato é que o
‘caldo engrossou’ entre a maçonaria e a Igreja. A tipografia do jornal ‘A União’
invadida e um padre morto a facada. O bispo havia lançado um interdito a duas
capelas de irmandade que se recusava a expulsar os confrades maçons. O rei
interveio, mas suas ordens não foram compridas, pois afirmavam que fora por
ordem do papa. Toda decisão, ordem, etc. do sumo pontífice deveria passar pelo
beneplácito do rei. Foi neste sentido que os adversários aproveitaram para
afirmar que o papa estava intervindo em assunto nacional. O bispo D. Vital foi preso
juntamente com o bispo do Pará D. Antônio Macedo Costa, e ambos, condenados às
penas de quatro anos em trabalhos forçados. Em 1875 a pena foi revogada e os
bispos anistiados chegando ao fim a Questão Religiosa. No entanto, no final a
monarquia saiu enfraquecida e desacreditada. A hierarquia clerical se mostrou
“intransigente a certas medidas de caráter secular e a reinvidicação de
conservar o lugar privilegiado no plano espiritual que sempre detiveram junto
ao poder” (SANTOS, p. 137).
As reformas realizadas pelos bispos
nesse período foram estritamente de cunho clerical, seus objetivos era um padre
santo e reto, comprometido com a ordem espiritual e inteiramente voltado para
as coisas do alto. O celibato deveria ser observado como condição necessária
para a ideal missão evangelizadora de uma população de fieis que vivenciava uma
religiosidade classificada como fanática e supersticiosa. Era necessário,
portanto restaurar a religiosidade nos ditames do culto oficial e às normas
romanas. Santos (p.137) salienta que não
é possível generalizar a situação problemática de grande parte do clero, pois
poderia se pensar que somente depois da reforma que o clero entrou na via reta.
Segundo Ney Santos (p. 139), o que se verifica nesse Segundo Império
(1840-1889) é a “participação nula do clero nos movimentos de abolição e no
processo de Proclamação da República liderado pela burguesia liberal. Portanto,
não houve até aqui um projeto social que envolvesse tanto o pobre como escravo
como fim último da missão da Igreja”.
a. A evangelização católica e a doutrina escravista
em perspectiva histórica.
O catolicismo no Brasil do séc. XIX
em suas relações favoráveis à escravidão, não advém da orientação bíblica do
Pentateuco segundo a Lei de Moises ou da posição cristã do Novo Testamento, mas
está relacionada a uma construção histórica envolvendo política, economia e
principalmente teologia católica como já foi descrito aqui. De uma construção
histórica por que o catolicismo desde seus primórdios teceu relações íntimas
com o poder temporal.
Resumindo, o Reino de Portugal surge
politicamente e territorialmente no séc XII e economicamente através do comércio
marítimo na costa da África ainda no séc. XV. Sua relação com o catolicismo se
destaca após a criação da Ordem de Cristo[xix]
(remanescentes dos Cavaleiros Templários), com fins religiosos e militares, soldados
e missionários conquistadores a serviço da coroa portuguesa.
As raízes da formação do pensamento
favorável à escravidão, da legitimação à permissão da escravidão africana tem
origem bem antes de 1500 e bem longe do território brasileiro. Começa com as
conquistas portuguesas e principalmente com o infante Dom Henrique, o navegador
(1394-1460) e grão-mestre da Ordem de Cristo, que fez de Portugal uma potência
marítima.
Segundo Eduardo Hoornaert (p.32) o
‘sucesso’ das expedições da Ordem de Cristo “trouxe as portas do reino
preciosas mercadorias nunca dantes vistas: ouro, marfim, tintas, pimenta,
açúcar e finalmente em 1441, escravos africanos”. Em 1443, a ‘expedição de
Lançarote “trouxe para Portugal 245 escravos, onde 46 dos quais foram dados ao
infante que prontamente ofertou à Igreja de Lagos”.
Em nome da coroa de Portugal e da
Igreja, a Ordem de Cristo combateu contra os Sarracenos ao norte da África
estabelecendo domínio territorial para Portugal ao longo da costa africana e
levando o catolicismo aos povos pagãos. A conquista e dominação territorial vai
se confundir com evangelizar e tornou um meio de forma de expansão do
catolicismo. Sob a sombra do brasão da
Cruz da Ordem estampados nas velas e de carona nas caravelas, os missionários católicos
romanos encontraram amparo e solução para expandir seus domínios territoriais,
visto que na Europa estava perdendo terreno para os protestantes e no norte da
África e na Ásia Menor para o Islamismo.
b. Expansão territorial e evangelização do
negro.
Dr. Vasconcelos (p.40) escrevendo
sobre a evangelização católica em território brasileiro faz a seguinte
referencia: “A expansão dos interesses econômicos da coroa portuguesa se
confundia com a expansão do catolicismo. A conversão ao cristianismo se
confundia com submissão à coroa portuguesa: aceitar ao evangelho, anunciado
pelos missionários era ao mesmo tempo aceitar a coroa” (VASCONCELOS, p.40).[xx]
Muitos autores destacam que os
negros capturados eram batizados antes mesmo de embarcarem para o Brasil ou
quando chegavam a portos brasileiros antes de serem vendidos aos engenhos. Dom
João II (1455-1495) ordenou que os negros fossem marcados a ferro-quente como
prova de o imposto já havia sido pago na África e esta marca servia como prova
de certificado de batismo cristão, posteriormente Dom João IV (1604-1656)
substitui a marca por uma argola pendurada no pescoço que tinha o mesmo
objetivo. A alma do negro sem o batismo era vista como habitação de demônios
(VASCONCELOS, p. 41) [xxi].
Segundo Viotti da Costa (p.17)
“muitos chegaram a justificar a escravidão, argumentando que graças a ela o
negro era resgatado da ignorância em que vivia e convertido ao cristianismo e
que a conversão libertava os negros do pecado e lhes abria a porta da salvação
eterna”.
Na África e no Brasil o negro era
visto como mercadoria, moeda corrente e objeto de troca, necessário para o trabalho
e continuidade do projeto colonizador português, inclusive das missões jesuítas
que foram se instalando no litoral brasileiro na medida da necessidade
expansionista colonizadora e não por uma demanda missionária. O sistema
colonizador português não supria as necessidades financeiras das missões
jesuítas, e por isso precisavam se manter de modo independente. Viram nas fazendas
produtivas a forma de independência financeira do regime de padroado e para
suprir a demanda de mão de obra nas fazendas necessitavam de escravos. A igreja
que libertava, também escravizava; isso só é possível entender dentro daquele
contexto do sistema colonial. Em via de regra, o discurso era: “Não se encontra
gente de trabalho para se contratar: o único remédio é ter escravos”. Esta foi
a declaração do Padre Serrão. O Pe Manuel da Nobrega de Olinda, em 1551 pediu
escravos ao rei D. João III com a finalidade de manter a missão.
Para a subsistência da missão foi necessário (no
ano de 1568) a congregação provincial de Portugal aprovar a escravização
africana; e em 1576 a proibição da Companhia de Francisco de Borja para a
escravização indígena foi cancelada com a devida ‘participação humanitária’ do
Padre Anchieta conhecida universalmente. Sob os argumentos de não haver mão de obra
livre para manter as missões, mas na realidade a escravidão foi sendo
introduzida e tolerada entre os religiosos. Não passou muito tempo para que o
comércio e o tráfico acontecessem entre os jesuítas e religiosos (HOORNAERT, p.
36-40).
Foi
este contágio com materialismo o lamento de Joaquim Nabuco em seu livro ‘O
abolicionismo’ escrito no final do séc. XIX, como informa Eduardo Hoornaert:
[...] que efeito
prodigioso não faria a palavra do sacerdote que realmente pregasse a moral
social do evangelho! Mas onde já se viu um missionário abolicionista! [...]
ainda não houve no Brasil um bispo que levantassem a voz contra a escravidão,
como os houve para levantar a voz contra a maçonaria, apesar de estar à
escravidão mais condenadas por bulas pontíficiais – e por concílios – do que a
maçonaria (HAUCK, p. 279).
Desde o séc. XVI, o negro começa a fazer parte
do projeto português de exploração e colonização e a ser incorporado ao projeto
das missões religiosas. Naquela época os padres eram isentos das tarifas alfandegários
cobrados sobre os escravos que adquiriam.
Dessa
forma, o conceito de evangelização aos povos não alcançados não surge de uma
conscientização bíblica apostólica integral, mas surge no contexto colonizador português
de exploração e dominação geográfica característica daquela época histórica que
se apresentava no mundo europeu, juntamente com o cristianismo daquele momento
com todos os seus vícios dogmáticos e autoritarismo, e principalmente de
disputa de poder entre o catolicismo e outras formas religiosas que despontavam
espaço territorial e poder espiritual sobre o temporal, ou seja: o poder da
Igreja sobre as decisões do Estado.
A relação de missão e colonização ganha instrumentos
legais concedidos ao rei de Portugal como o direito de Padroado Régio a partir
de 1442; um direito de conquista por serviços prestados a Santa Sé.
Portugal tornara “senhor dos mares nunca
dantes navegados, organizador da igreja em termos de conquista e redução,
planificador da união entre missão e colonização”; tudo convalidado e
autorizado pelas bulas papais (HOORNAERT, p. 34-35).
c. Raízes da formação doutrinária
Uma nova ideologia foi se formando a
partir das primeiras conquistas de Portugal em costas africanas, através dos
resultados econômicos obtidos, pela concessão do padroado e pela legitimidade
que as bulas papais proporcionavam. As bulas papais concedidas aos governos ibéricos
davam plenos poderes para conquistar os povos (sarracenos e pagãos),
comercializar, subtrair bens e terras, e até escravizá-los (muito embora, na
época a captura e escravidão dos africanos foram profundamente contestadas na
Europa). Concedia também o direito de comandar e organizar a Igreja na
evangelização dos territórios conquistados. Este modelo de missão e colonização
foi trazido por consequência ao Brasil e perdurou durante todo o período
colonial e deu liga a formação do pensamento doutrinário no período imperial.
Eduardo Hoornaert explica que “O
elemento doutrinário é de suma importância na formação de uma cristandade, pois
ele forma o embasamento da ação missionária e catequética”. E ainda que “dois aspectos tiveram influência
decisiva na maneira de pensar da cristandade: a matança e escravização dos
indígenas brasileiros e a tráfico negreiro com a subsequente escravização dos
africanos no Brasil”.
Diante destas duas problemáticas, ninguém
ficou alheio, pois uns legitimaram a ação portuguesa e daí decorreu um
movimento doutrinário que atravessou toda a História do Brasil. Esta
“legitimação se dará por palavras e discurso e o poderio português sobres os
indígenas e negros; outros ficarão perplexos diante, hesitavam e ficavam
inseguros” (HOORNAERT, p. 320,321).
Vale
destacar que não faltaram nomes que se opuseram ao tráfico e ao sistema
colonial. Somente para citar alguns, como Pe. Manoel da Nobrega, teólogos como
Vitoria, o jesuíta Afonso de Sandoval, Luís de Molina (1536-1600), professor e teólogo
em Évora entre 1568-1583 numa época crucial para a formação da teologia
evangelizadora colonial e Antônio Vieira que atuou na região amazônica.
Para Eduardo Hoornaert na formação
do pensamento doutrinário é preciso levar em conta outro aspecto:
Só se pode estudar a
doutrina da Igreja no Brasil dentro destes movimentos dialéticos que agitou os
maiores espíritos que trabalharam na obra do evangelho aqui e que sofreram profundamente
em sentir que estavam engajados, querendo ou não, nos percursos coloniais
(HOORNAERT, p. 321).
O
que o autor explica é que houve duas doutrinas na história da igreja no Brasil:
uma profética, reveladora da face Deus no outro, seja ele indígena ou negro. Esta,
na prática, conhecida como aldeamentos e proteção aos indígenas. E, dos negros
pela prática de emancipação e alforrias. A outra doutrina justificava a expansão
religiosa através da totalidade do projeto econômico colonizador, pois
colonizar era evangelizar e reduzir a escravidão era catequizar. Esta escondia
a face de Deus e enganadora. Este discurso servia aos colonizadores para se
justificarem e esconderem-se da face de Deus enganando a si mesmo. Mais uma vez os negros escravizados não foram
participantes de um projeto no sentido profético.
No período colonial a evangelização
se voltou principalmente aos indígenas com o trabalho dos jesuítas num sistema
que ficou conhecido como aldeamento. O aldeamento foi utilizado para facilitar
o contato com os indígenas, afastá-los do convívio com os brancos e protegê-los
da violência. Dentro do plano missionário Jesuíta, os indígenas tiveram grande
importância. Infelizmente, o mesmo não ocorreu com relação aos negros escravizados,
apesar deste terem grande importância no projeto colonizador. A evangelização
ficou restrita dentro do quadro familiar patriarcal que escravizava. “Não houve
missionário que compreendesse o valor libertador dos quilombos, por exemplo, [...]”.
Simplesmente o que houve foi uma assistência aos escravos a pedido dos senhores
ou de escravos convertidos ao catolicismo. Assim, “o escravo sempre foi visto
como escravo” (HOORNAERT, p. 59).
Ney Santos escrevendo sobre
Cristandade e teologia no Brasil colonial o pensamento teológico da cristandade
lusitana como relação ao negro escravizado:
O jesuíta Jorge
Benci, numa obra publicada em 1705 afirma que a escravidão e o cativeiro eram
uma consequência do pecado original. As causas últimas da injustiça no mundo
são atribuídas à fase anterior do Paraíso Terrestre. Alguns moralistas
afirmavam que a escravidão não era apenas um castigo do pecado original, mas
era um meio eficiente de conversão à fé cristã (SANTOS, p.05) [xxii].
Segundo Ney Santos a ‘teologia da
cristandade’ foi a teologia lusitana católica imposta vigente no período
colonial e imposta nos territórios brasileiro onde os portugueses conseguiram
exercer irrestrita soberania, de modo pleno, estabeleceram instituições e
normas de ocupação sem a oposição de outras sociedades ou ingerência de
concorrentes.
Os portugueses se colocavam como
predestinados por Deus, escolhidos por Deus para serem portadores da salvação,
assim o pregresso marítimo e econômico são vistos como manifestações da presença
de Deus que legitimam não só as conquistas, mas qualificam-nos como designados
por Deus em prol da edificação da cristandade. Assim fora do modelo lusitano
católico não havia salvação e esperança para o homem. Além da concepção da
Teologia do Desterro, que segundo Ney Santos, está representado principalmente
na ‘oração de Salve Rainha’. Onde os “degradados filhos de Eva [...] gemendo e
chorando neste vale de lágrimas [...] e depois deste desterro, mostrai-nos
Jesus”. Ou seja, este mundo era visto como um ‘lugar de lágrimas e desterro e
vale de lágrimas’ que favorecia o sistema colonial de opressor e ninguém
deveria opor-se a isto, apenas aceitar como vontade de Deus.
Segundo Vasconcelos (p. 40), a
evangelização do negro estava inteiramente ligada à Casa Grande e ao Regime
Patriarcal (miniatura do modelo social vigente na Europa) e sua forma de vida
social. A expressão de amor ao próximo e valorização da pessoa ficava, sob a
responsabilidade dos senhores de engenho e dos feitores que escravizava. A
religiosidade se centrava no modelo de catolicismo doméstico de adoração aos
santos e rezas; sem questionamento doutrinário e confronto ao pecado. Era rara
a presença de sacerdotes e párocos que apareciam em ocasiões especiais e
ministravam os sacramentos.
No período imperial a Igreja ainda
se manteve unida ao Trono por força do Padroado Régio e da Constituição de 1824.
E, até houve um esforço de Feijão para formação de uma Igreja Nacional, porém
sem êxito.
A partir do Segundo Império surgiram
cabeças de resistência do prelado católico sobre a interferência do Estado nos
assuntos da Igreja. Em parte, devido a preção do Pontífice de Roma o Papa
Gregório XVI em sua encíclica Merari vos,
datada de 1832 que em suma afirma que “compete ao pontífice romano governar
a Igreja Universal”. O objetivo principal era centrar em Roma todas as decisões
da Igreja Católica (SOARES, p. 21).
Segundo Soares a partir da segunda
metade do séc. XIX, grande parte do episcopado já havia sido influenciado pela mentalidade
ultramontano que ia gerar na década de 70 o conflito que ficou conhecido como
Questão Religiosa, já tratada neste texto. Apesar de todas as divergências, a
Igreja se manteve fiel ao Trono até a Proclamação da República em 15 de
novembro de 1889, acontecimento que pegou todos de surpresa, inclusive a
própria Igreja Católica.
d. A escravidão na Bíblia.
Um estudo exegético se faz necessário
para elucidar qual foram o pensamento bíblico original com relação à escravidão
e os princípios que deveria nortear a teologia cristã com relação à escravidão.
Este estudo bíblico deveria ser realizado na época dos conquistadores marítimos
e praticado principalmente pelos católicos ibéricos. Todavia, vários fatores
históricos, econômicos e religiosos contribuíram para que isso não ocorresse.
Para Anacleto Oliveira e Rogério
Oliveira (p.151,152), a escravidão era um fenômeno social dos povos antigos, aparentemente
tolerado por Deus dentro de determinadas condições regulamentadas pela Lei de
Moisés (Levíticos 25). O estudo mostra que havia diferenças no tratamento entre
a escravidão regulamentada no Pentateuco e a escravidão entre os gentios da
Ásia Menor no primeiro século no Império Romano quando da divulgação do
evangelho pelos apóstolos, na formação da Igreja, tratada nas cartas paulinas.
Conforme a Lei (Levíticos 25:39), os judeus não poderiam ter escravos de sua
raça, mas diaristas e ainda assim não seriam escravos perpétuos, pois havia um
tempo de escravidão que prescrevia no Ano Sabático. Os escravos de fato só
poderiam ser de origem estrangeiro. No Novo Testamento a escravidão aparece nos
Evangelhos, embora na Palestina houvesse um numero bem reduzido de escravos.
Todavia, tanto judeus como romanos possuíam escravos[xxiii].
Oliveira (p. 151) salienta a necessidade de compreender o pano de fundo sobre
escravidão existente na Palestina nos dias de Jesus: “conhecer e compreender os
dados do Novo Testamento sobre a escravatura significa conhecer a sua
existência e a sua prática na Palestina dos primórdios da era cristã,
determinar a atitude de Jesus e analisar as suas repercussões na doutrina e
ação da Igreja primitiva” (Ibidem, p. 151). E continua noutra parte: “O próprio
NT, nomeadamente os Evangelhos, faz-se eco da prática corrente da escravatura
na Palestina” (Ibidem, p. 152). Interessante notar que o conceito
neotestamentário de salvação como ‘resgatar’ e ‘remir’, adquiri mediante
pagamento que são vistos em Cristo com relação ao perdido escravo do pecado tem
como metáfora na linguagem da escravidão. Saber qual era a posição de Jesus
sobre a escravidão pelas narrativas do evangelho é uma tarefa difícil. Pois não
encontramos elementos suficientes para chegar a uma conclusão. Nas narrativas
das parábolas são as únicas referencias de Jesus à escravidão e sem qualquer
indicação imediata de aprovação ou condenação (Ibidem, p. 162). A passagem do
evangelho do lava-pés durante a última ceia, o princípio do ensino cristão de
ser servo para ser grande no Reino do Céu atinge o auge do paradoxo; quando
Jesus se põe a lavar os pés dos discípulos considerado um serviço de escravos
mais desprezados, os escravos judeus não eram obrigados a fazê-los. Este gesto
chocante se verifica pela reação de Pedro, era para os discípulos um exemplo a
seguir: “se eu lavei vossos pés sendo senhor e mestre; vós também deveis lavar
os pés uns aos outros” (Ibidem, p. 163). Jesus introduz numa sociedade de senhores
o princípio em que todos devem se tornar escravos para cura que o mal do pecado
introduziu nos corações humanos e assim entrar no Reino de Deus.
O estudo de Oliveira-Oliveira
(p.165) também traz a situação social existente na igreja primitiva que são
vistas nas cartas paulinas pelo grande numero de textos dedicados à unidade e
igualdade entre todos, nas orientações quanto ao comportamento dos escravos e
às orientações escravo-senhor e na doutrina escravidão-libertação. Onde fica
bastante claro o princípio existente na igreja primitiva; o princípio de
unidade e igualdade: “Não há judeu, nem grego; não há escravo nem livre, não ha
homem nem mulher, pois, todos vós sois um só em Cristo”. “Que é um em todos”.[xxiv]
“a partir daí o que conta é a condição idêntica em todos os membros da igreja,
na qual todos formam o corpo de Cristo”. No entanto, o apóstolo Paulo
condicionou que todos deveriam permanecer na condição social em que foram
chamados: “se escravos, escravo; se livre, livre”; e, em sua posição social
deveriam dar provas da fé que possuíam e testemunho de Cristão. Na Igreja, as
diferenças sociais deveriam ser suplantadas pelo amor ao próximo, pela unidade
e igualdade e na sociedade deveriam ser superadas pelo testemunho cristão
(Ibidem, 165-170). Na igreja primitiva não houve de fato uma ideia de abolição
da escravatura nos moldes do séc. XIX, mas se esperava uma mudança da sociedade
que se daria através dos princípios que se viam nos evangelhos, que se traduzia
numa transformação interior do ser: “Se o Novo Testamento não é revolucionário,
é menos ainda conservador: de fato, toda
a ordem social é descartada, e não com a força deste mundo” (Ibidem, 171).
Segundo
Oliveira – Oliveira (p. 180) a perseguição e o martírio foi a causa para uma
estreita comunhão entre os cristãos independentemente de suas condições de
homens livres ou escravos. “A participação no mesmo sofrimento, na mesma
esperança e no mesmo ideal de não renegar a sua fé e de dar encorajamento testemunho de Cristo, unia os cristão, quer fossem escravos ou livres”. Muitos
foram os escravos que corajosamente testemunharam sua fé em Cristo nas Arenas
romanas, sozinhos, contrariando a vontade de seus senhores ou juntamente com
eles num pacto de fé. Devido a sua coragem e lealdade à fé cristã suas
sepulturas ficavam lado a lado aos dos homens livres e as inscriçoes funerárias
esqueciam as diferenças sociais da vida terrena (Ibidem, p.181). Nao se pode
negar que a Igreja primitiva ‘nunca’ renunciou aos serviços escravos. Qualquer
senhor convertido e batizado poderia ter escravos cristão, mas nas seguintes
condições que o tratassem como irmãos e filhos e igualmente recomenta aos
escravos cristãos a amarem seu senhor e no caso de ser cristão, tratá-los como
irmãos e serví-los dedicadamente. Oliveira - Oliveira (p.182) informa que S.
João Crisóstomo descreve do seguinte modo as relaçoes que deveriam existir
entre senhor e escravo cristão:
Que haja reciprocidade de serviço e de subordinação;
desse modo jã não haverá escravidão, Se senhores e escravos se servirem
mutuamente; então é melhor serem escravos nessa condiçao do que senhor em
condiçoes opostas, em que as relaçoes entre um e outro são marcadas pelo
despotismo e pelo servilismo (OLIVEIRA-OLIVEIRA, p.182)[xxv].
Na situação em que os senhores eram pagãos, a
recomendação para o escravo cristão era que se submetessem aos seus senhores e
que tratassem bem, para que este não blasfemasse contra a Religião e se indispusessem
contra o cristianismo. Deveriam aceitar livremente a condição social e se
tornarem apóstolos de Cristo junto aos seus senhores, assim como Cristo aceitou
livremente a missão para resgatar os pecadores perdidos se submetendo ao Pai
na condição de servo. Este apelo ‘não deveria ser entendido como forma de ligitimar
e sublinhar a existência da escravatura para que esta pudesse se perpetuar’.
Esta posição da Igreja primitiva, inclusive na visão de João Crisóstomo,
atendia duas condições: 1. ‘Dignificar o escravo’ em sua condição social numa
comparação com Cristo que se fez servo de todos e para que ninguém desprezasse
os escravos em sua posiçao social; 2. ‘Investir os escravos de uma missão a
cumprir livremente, como cristão e enviado de Cristo junto à sua família e ao
seu senhor’. “Esta missão era livremente
aceita e não uma imposiçao servil” (Ibidem, p. 183).
O
resultado prático segundo Olivieira - Oliveira (p.184) da aplicação dos princípios
do evangelho na vida socia daquele tempo foi “manumissão, favorecida e tornada
possível pelas novas condições sôcio-econômicas” que era vista “não só como uma
obra humanitária, mas como uma obra de caridade agradável a Deus e como o
melhor modo de alcançar misericórdia, a remissão dos pecados e a salvaçao da
alma”. Ou seja, dar liberdade aos cativos era vista como uma forma de alcançar
a salvaçao. Oliveira-Oliveira continua informando que nas “As atas dos Martires” há o relato de Hermes, que no tempo de
Trajano, libertou 1250 escravos, num domingo de Páscoa. Cromácio, antigo
prefeito de Roma, libertou 1400 deles; Santa Melania libertou oito mil num só
dia[xxvi]. Havia casos em que
pela morte de um parente ou amigo se oferecia a Deus a libertação de um ou mais
escravos.
A
igreja primitiva nao pensava em uma emancipação dos escravos de forma ampla; o
que se pensava era a extinção pela formação vivida em toda a esfera da sociedade,
primeiramente nas assembleias cristãs, na vida familiar de seus membros e na
politica. “Possuído daquela força de penetração que é próprio da religião tendia
a penetrar na consciência individual e social e a tornar norma inspiradora de
toda a vida” (Ibidem, p.195).
A
conclusão que Anacleto Oliveira e Rogério Oliveira (p.196) chegam de seu estudo
sobre “Cristianismo e a escravidão”
(que aqui faço um resumo), é que seria muito natural e lógico que as “concepções
do cristianismo sobre a instituição do Império seria muito fácil prever para
breve o fim da escravidão.” Tendo em vista “os princípios cristãos de igualdade
fundamental entre todos os homens” e o “domínio cada vez maior da Igreja sobre
as realidades temporais, mas isto só na teoria, pois na prática foi muito mais
complexa. A escravidão continuou a existir mesmo em regiões onde a Igreja
demonstrava sua poderosa influência”.
Anacleto
Oliveira e Rogério Oliveira enumera duas possíveis razões do fracasso da Igreja
em extinguir com a escravidão:
1)
A partir do século
IV, o cristianismo foi marcado por um espiritualismo que desmobilizou do seu empenho
de transformar a sociedade. As dificuldades econômicas e sociais vividas pelos
cristãos levaram a pensar numa salvação espiritual transcendental e eterna
separada da libertação e salvação deste mundo. A visão dualista que “desvalorizava
a vida terrena e favor de uma vida ulterior e super-uranica e de nítida
influência platônica”. “De fato o neo-platonismo dominou os meios cristãos”. A
teologia vertida por Santo Agostinho e exposta na obra ‘A cidade de Deus’ – que
iria dominar o pensamento medieval.
2)
A acomodação da
Igreja frente à constantinização a partir do IV século devido aos privilégios concedidos
pelo Estado; fez com que a Igreja perdesse a força de provocar impacto e poder
de transformação na sociedade de acordo com os ensinamentos recebidos de Cristo
e dos Apóstolos. “Quando a Igreja se tornou proprietária, possuindo também ela
escravos em grande número, nessa altura sua capacidade de intervensão ficou
extremamente reduzida” (OLIVEIRA-OLIVEIRA, p.196).
A
citação de M. Bloc por Olivieira-Oliveira (p. 197) onde nos cânones conciliares
os bispos da Igreja proibiam os padres de libertarem seus escravos das
propriedades eclesiásticas e dos abades de emanciparem os escravos dados aos
seus mosteiros remete ao Direito Romano de propriedade, pois para o clero “os
bens da Igreja era em princípios inalienáveis e os seus administradores não
deveriam dispor deles segundo razões de piedade”.[xxvii] Oliveira- Oliviera
finaliza dizendo que estes cânones descrevem uma mudança na mentalidade das
lideranças cristãs; “é evidente um compromisso da caridade cristã com as ordens
estabelecidas a partir da paz de Constantino e do consequênte enquadramento da
Igreja nas estruturas imperiais”.
Segundo
Oliveira-Oliveira (p. 198) não pode deixar negar que a atuação do cristianismo
na escravatura antiga: “esta praticamente despareceu. Os escravos tornaram-se
servos. Ainda que formassem uma classe social inferior, dependente, explorada e
desprezada; eram considerados como pessoas, e como tais, pertencia à sociedade
que serviam”. A escravidão nunca deixou de existir na Idade Média e estava
presente entre todos os povos cristãos ou pagãos, católicos, judeus e
muçulmanos. As invasões bárbaras fez perpetuar o tráfico de escravos e a
escravidão nesse período, pois os derrotados nas guerras eram feitos escravos
ou levados cativos para serem comercializados tanto adultos como criança de
ambos os sexos. A lei que basicamente regulamentavam e legitimavam a escravidão
foi o Direito Romano[xxviii], depois surgiram
outras leis como o Direito Germânico e na Igreja Católica o Código do Direito
Canônico.
Altamente
lucrativa o tráfico e comércio de escravo perdurou por toda a era medieval.
Havia rotas comerciais de escravos que cortava o continente europeu e africano
trazendo escravos de diversos pontos do mundo; Eslavos, muçulmanos, celtas e
cristãos. Apesar do esforço e proibições dos papas em impedir que cristãos se
tornassem escravos; a prática nunca se extinguiu nesse período.[xxix] Italianos de Veneza,
Judeus, muçulmanos e ibéricos (mouros), Vikings, mongóis e britânicos, todos praticavam
trafico de escravos. O comércio de escravos na Inglaterra foi oficialmente abolido em 1102
por força e decisão do bispo de Cantuária[xxx]. No Concílio de
Westminster, o clero britânico condenava a escravidão contrária aos
ensinamentos de Cristo e declarava: “Let no one hereafter presume to engage in
that nefarious trade in which hitherto in England men were usually sold like
brute animals.” [xxxi]
Outros países seguiram o exemplo, na Polônia a escravidão foi proibida no sec.
XV. Na Lituania, em 1588 a escravidão foi abolida.
À parte, a escravidão praticada
pelos países católicos e protestantes a partir do sec. XV não encontram
fundamentação bíblica favorável. Também, ao considerar o contexto histórico-social
e a problemática existente no Brasil envolvendo Estado, Igreja e escravocratas que
disputavam poder, e de outro lado, os abolicionistas liberais, sociedade livre favorável
à emancipação e os negros que se esforçavam pela libertação. Também, não
encontramos nestes grupos ou em particular uma ‘voz profética e discursiva’ que
tangenciasse os pensamentos a fim de formar opinião teológica favorável à
abolição. Os discursos favoráveis à abolição vinham de representantes
políticos, de integrantes de movimentos abolicionistas, advogados, escritores e
jornalistas que usavam o palanque, a tribuna e a imprensa para atacar a
escravidão. Portanto, as vozes estavam e vinham de fora do clero e tinha
conteúdo politico e social, ético-moral e com objetivos filantrópicos.
e. O desvio de propósito da Igreja.
Como vimos até aqui, o catolicismo brasileiro
sempre esteve ligado ao Estado pelo sistema de Padroado e em constantes tensões,
devido a conflitos de interesse, de autonomia e poder. A Igreja Católica pretendia
a romanização nos termos do Concílio de Trento da qual lhe daria maior
autonomia nos assuntos eclesiásticos. Todavia, o lugar ao lado do trono lhe parecia
confortável, lhe dava prestígio e a mantinha no poder diante da eminente
presença do protestantismo. Para a Igreja Católica qualquer oposição aos
interesses do Estado se constituía subversão, assim os ideais republicanos (isso
incluía a abolição do elemento servil), estava fora de seus planos. A Igreja permaneceu
fiel ao lado do trono até o último instante de sua destituição por ocasião da
Proclamação da República. Estado e Igreja são destronados pela República. A
Igreja perdeu a parceria da Corte e o privilégio como única religião no país. Isso nos faz ver que a Igreja foi mais fiel ao
seu ‘senhor’ secular do que propriamente aos princípios constituídos nos
Evangelhos. Princípios estes, que estão nos ensinamentos de Jesus Cristo.
Desta forma, devemos fazer uma análise
da relação Igreja-instituição e Estado, visto que nesta relação de político-religiosa
há conflitos de interesses e são formadores de discurso e de intensões
teológicas. A fé religiosa estabelece seus tentáculos com a finalidade de
perpetuar seus domínios sobre o governo e na mentalidade da população:
O objetivo da
qualquer instituição religiosa é propagar sua mensagem religiosa. Dependendo da
percepção que tenha dessa mensagem, pode vir a se preocupar com a defesa de
interesse, tais com sua unidade, posição; em relação às outras religiões,
influência na sociedade e no Estado, o número de seus adeptos e sua situação
financeira (MAINWARING, p.16).
Segundo
Scott Mainwaring (p.16), toda instituição tem a preocupação de se expandir e
por isso ‘pode usar métodos que são inconsistentes com os objetivos da mensagem
inicial’. Seu objetivo principal é oferecer o caminho da salvação, mas para que
isso ocorra, precisa se equipar para a missão: vencer a concorrência e se
manter no poder. A preocupação pode adquirir uma dinâmica própria e ajuda a
determinar as ações da Igreja. Ao competir com outras religiões (ou com os
interesses em conflitos), pode se empenhar em práticas inconsistentes quanto ao
seu próprio credo. “Assim a proteção de seus interesses pode entrar em conflito
com a mensagem inicial”:
A cristandade
argumenta, H. Richard Niebuhr, frequentemente alcança aparente sucesso ao
ignorar os preceitos de seu Fundador. A Igreja quanto organização interessada na
autopreservação e no ganho de poder, por vezes considera os conselhos da Cruz
um tanto inconvenientes, como o fazem grupos econômicos e nacionais. Ao lidar
com grandes males sociais, tais como guerras, a escravidão e a desigualdade
social, a Igreja descobre ambiguidades convenientes no Evangelho e isto lhe
permite violar o espirito da Bíblia e aliar-se ao prestígio e ao poder (Ibidem,
p. 16).
Scott
Mainwaring salienta ainda que a tendência de proteger os interesses da
instituição não significa a ausência de uma fé sincera e que também a pura fé
só ocorra fora das Igrejas institucionais. No entanto, para algumas
instituições, a defesa de interesse é essencial para a promoção da fé, pois,
“dentro desta ótica, já que a salvação só pode ocorrer através da instituição,
a Igreja entende que precisa desses recursos para desenvolver a sua missão com
eficácia[xxxii]:
A tendência de proteger os interesses organizacionais tem sido e continua sendo,
dessa forma, um elemento chave do envolvimento da Igreja Católica na política”
(Ibidem, p.16).
Para Mainwaring (p.18), a Igreja
possui uma hierarquia de objetivos que abrange desde os objetivos máximos (salvar
e transmitir sua mensagem) até a preocupação instrumental, tais como expansão
da instituição, posição financeira sólida, posição sobre o Estado e elite. Estes são objetivos instrumentais que a igreja
não necessariamente tem que adotar para cumprir a sua missão religiosa. Assim,
conclui: “a forma pela qual a Igreja intervém na política depende
fundamentalmente da maneira pela qual se percebe sua missão religiosa” (Ibidem,
p.21). Dessa forma, segundo o autor, se
constrói uma auto identidade com a sua missão que se expressam por meio de
discurso e práticas. Noutra parte, Scott Mainwaring (p.24) continua: “Quando o
fim fundamental da instituição for suprarracional, ela disporá a sacrificar alguns
interesses, caso esteja convencida de que fora chamada para fazê-lo”. E afirma
ainda que a Igreja-instituição poderá abrir mão dos objetivos instrumentais “se
sentir que sua missão religiosa a obriga a agir dessa maneira”.
Foi o que aconteceu com a Igreja
Católica no séc. XX, quando passou a se preocupar com a sua real missão, se
voltando para a população mais pobre, a Igreja se transformou. Na medida em que
mais se preocupava com a sua missão; e as mudança politicas e sociais ocorriam,
afetavam o seu ideário e novas reflexões internas se faziam necessária para
renovar sua missão dentro do novo quadro que se formava. Logo, sua identidade
se modificou não por causa dos interesses da instituição, mas por causa das
suas convicções de fé e missão que se formaram dentro das mudanças sociais e
políticas que se apresentava (Ibidem, p.25).
“Precisamos
compreender a auto identificação da instituição; como se expressa através de seu
discurso e de suas práticas. Assim como as mudanças sociais que possam alterar
essa identidade (Ibidem, p.26)”.
Este estudo começou com a Igreja
Católica do séc. XV permitindo e legitimando seus súditos a conquistar,
capturar, prender, escravizar e a matar em nome da Igreja com a promessa de
salvação eterna em consórcio com os poderes temporais dos reis. Esta
legitimação foi concedida através das bulas papais daquele século. Na prática,
sua teologia era opressora, destituída de amor ao próximo, preconceituosa,
sectária, arrogante e materialista. Expressa mais as forças do inimigo do que a
vontade de Deus. Esta mesma instituição no final do séc. XIX, está promovendo a
vida, incentivando seus súditos a dar libertação aos cativos, amar o oprimido
como irmão e membro da família sob a promessa de perdão de pecados e salvação
eterna. Em parceria com a sociedade, o bispo promove movimentos, lidera
reuniões, arrecada fundo, libertam seus cativos, idealiza leis de proteção e
libertação. Tudo em nome da caridade (amor) e sob a promessa de salvação. Sua
leitura do Evangelho é tangenciada pelos dogmas católicos que não permite
afirmar claramente que precisa obedecer aos mandamentos do Senhor Jesus se
quisesse ter parte com Ele e salvação da alma.
O
papa merecia uma prenda pelo seu Jubileu, mas muito mais o negro deveria ser
libertado pelo simples fato dele ser irmão. A cor da pele não define destino
eterno e nem caracteriza classe social. A cor somente me ensina a amar e
conviver com o diferente. São como as cores do arco-íris onde os diferentes
estão lado a lado numa beleza sem igual e admirável. O pardo, o branco, o amarelo,
o negro, o mulato, o moreno, o albino, o indígena são as cores da beleza humana
abençoada por Deus.
f. Acontecimentos dos últimos dias
A
participação da igreja nos últimos dias do processo final de emancipação do
elemento servil, não fica bem claro na história do Brasil. O que sabemos, é que
a participação da igreja nos últimos anos aconteceu de forma apática, pois este
é o lamento de Joaquim Nabuco em campanha na Província de São Paulo pela
abolição, que destaco:
(...) que efeito
prodigioso não faria a palavra do sacerdote que realmente pregasse a moral
social do evangelho! Mas onde já se viu um missionário abolicionista! (...)
ainda não houve no Brasil um bispo que levantassem a voz contra a escravidão,
como os houve para levantar a voz contra a maçonaria, apesar de estar a
escravidão mais condenadas por bulas pontificiais – e por concílios – do que a
maçonaria (HAUCK, p. 279).
Sabe-se
que a Lei Áurea foi aprovada em tempo recorde. A Assembleia dos Deputados
recebeu o texto do Ministro Rodrigo Silva na terça, dia 8 de maio, passou pelo
Senado no domingo dia 13 e foi aprovada e no mesmo dia. Coube a Princesa Isabel
sancionar a Lei por volta das 14 horas. O Papa Leão XIII era favorável à
emancipação dos escravos, pois já tinha se manifestado a respeito ao enviado
especial a Roma. O Ministro João Artur de Souza Correia, por
ocasião de sua audiência com o papa no seu Jubileu 14 de Janeiro de 1888 disse:
“(...) desejamos dar ao Brasil um testemunho todo particular de nossa paternal
afeição a respeito da emancipação dos escravos”. Dirigindo-se à princesa: “A
princesa imperial regente cumpre uma grande e nobre tarefa (...): mas ela pode
contar com a nossa solicitude que nunca lhe faltará” (RAUCK, p. 284) [xxxiii].
Em 10 de fevereiro de 1888 o Pontífice recebe o abolicionista Joaquim Nabuco
que insistia numa palavra do papa: “A palavra da V. S. exerceria maior
influência no ânimo do governo e na pequena parte do país que não quer acompanhar
o movimento nacional. Esperamo-nos que V.S. dirija uma palavra que prenda a
consciência de todos os verdadeiros católicos” (RAUCK, p.285) [xxxiv].
Devido a reações do governo conservador do Gabinete de Cotegipe e ações
diplomáticas, a encíclica do papa foi atrasada e somente em 05 de maio foi
redigida e o Brasil tomou conhecimento quando já não havia mais escravos. O
papa presenteou a princesa com a pena de ouro e felicitou-a pelo feito.
CAPÍTULO QUATRO
13. O DISCURSO E A TEOLOGIA
4.1. Conceito de Analise[xxxv]
do discurso em Foucault, Bakhtin e Pêcheux.
A discussão da Igreja católica com
relação à escravidão desde seus primórdios, na colonização com os Pe. Manoel da
Nobrega e Antônio Vieira e outros; os discursos de diversos clérigos no período
imperial, os seus sentimentos e dúvidas até finalmente chegarmos à teologia com
relação à escravidão dentro do contexto histórico existente no final do século
XIX, teve uma construção histórica típica e exclusiva que só ocorreu no Brasil.
Tendo em vista o que se formou até a segunda metade do séc. XIX foi um
catolicismo brasileiro com características próprias. A consciência e seu
ajuizamento em torno do tema escravidão e abolição é construída ao longo de
mais de três séculos de dominação católica em território brasileiro. Com o fim
da escravidão e a Proclamação da República, a corrida para a destruição de arquivos
que não mais interessavam ou que viessem comprometer os senhores e a Igreja, foi
destruída. Desta forma, muitos documentos que poderiam ser verdadeiros
monumentos históricos foram perdidos dificultando respostas esclarecedoras.
A historicidade são condições
necessárias para que a Analise do Discurso (AD) com a fundamentação teórica em
Foucault, Bakhtin e Pêcheux que levam em conta documentações, registros,
textos, etc. Estes documentos se tornam “monumentos” que vão caracterizar, identificar, constituir a instituição ou o
indivíduo; e assim, oferecer leitura e, por conseguinte, hermenêutica do
discurso da instituição no período histórico que se propôs fazer a analise.
Na
leitura direta dos documentos – textos sejam cartas pastorais, jornais da
época, documentos judiciais, etc., ou a leitura indireta das práxis da instituição,
estão o conteúdo discursivo e, por conseguinte suas intenções e mentalidade a
respeito de determinado tema, neste caso a escravidão e abolição.
No contexto histórico próprio que se
formou no catolicismo romano e no sistema feudal europeu que os lusitanos
tardiamente permitiram ser renovados e a formação da classe mercantilista que advém
da corrida marítima, vão sedimentando a ideia que embasou a legitimidade da
escravidão. Aliado ao sistema católico vigente e atuante, inclusive ao poder
concedido pelo papa através das bulas do séc. XV e XVI a teologia católica escravista
ganhou forma e discurso. No conceito de Foucault
“estes” ou “os registros históricos são colocados num perspectiva de forma a
identificar a instituição ou individuo” e segundo Sara Azevedo, historia que Foucault
“fez é na intensão de dar condições de possibilidade de conhecimento” (AZEVEDO,
p. 14). Logo, esta historicidade me faz “ler” não mais as intenções, mas o
“comportamento”, resultado da leitura teológica que a instituição católica fez
naquele tempo sobre a escravidão e se traduziu em ações evangelísticas missionárias
conforme o modelo aqui estudado. Basicamente o discurso é algo que vai além do
texto e enunciado é todo conjunto de forma de comunicação. Sendo que o mais
importante não é o conteúdo discursivo, mas o que ele comunica, pois, o
discurso dominante tem o poder do que é aceito ou não em uma sociedade
(AZEVEDO, pp.155-157). Tem aplicabilidade e se justifica dentro da
historicidade do catolicismo romano em suas relações com a escravidão no
Brasil.
A análise dos discursos orais e
textuais, teológicos e filosóficos existentes e citados nas bibliografias
apresentadas aqui oferece uma leitura teológica do discurso e estão presentes
nas cartas pastorais produzidos pelo episcopado e nas ações isoladas de
indivíduos do clero nos últimos anos que antecederam a abolição. Apesar da aparente
apatia no compromisso social com o negro, a Igreja produziu material suficiente
para saber sua teologia discursiva.
A comparação destes modestos ideários
Católicos com o fervor discursivo dos movimentos abolicionistas são inevitáveis
e necessárias para traçar uma linha divisória entre o que é discurso social e
político do que é discurso eclesiástico teológico. Os discursos abolicionistas,
ainda que tivessem princípios teológicos, eram sociais e filantrópicos e quase
sempre político. É até possível crer, mas sem base teórica, que a bandeira do
abolicionismo por muitos foi levantada apenas para derrubar o velho sistema
monárquico; estes eram indivíduos da política de esquerda, que também pretendia
chegar ao poder. Seus discursos estavam repletos de interesses políticos e
econômicos, ainda que promovessem o bem-estar social e melhoria de vida do
negro e precisavam ser analisados dentro do contexto histórico que se propôs.
Diferentemente do discurso eclesiástico onde conforme informa Azevedo (2013), falando
de Michel Foucault o discurso que: “oferece um saber como construção histórica,
e como tal, produz verdade que se instala e se revela na prática discursiva”.
Assim, a práxis católica se revelou no discurso. Numa sequência por mim construída
a partir do meu entendimento que fiz sobre AD: Historia. > Discurso > Práxis > conhecimento.
a.
A teologia no discurso da carta de D.
Lacerda bispo do RJ.
A teologia para Batista
Libânio e Afonso Murad (1996) é “uma sequência de movimentos que termina em
Deus, mas trata antes de tudo de operação intelectual humana; que se configura
determinado tipo de saber, de conhecimento. Num esforço de compreensão que a inteligência
humana empreende”. Destarte, a teologia como atividade humana com relação à
escravidão, cuja investigação recai na aplicabilidade de conceitos teológicos
que a Igreja Católica compreendia naquele momento histórico, mas que foi
construída no decorrer dos séculos. Essa “operação intelectual que configura
determinado saber e conhecimento num esforço de compreensão que a inteligência
humana empreende” são as interpretações pessoais e institucionais com respeito
aquilo que as Escrituras afirma sobre escravidão, por exemplo.
Tomando como exemplo a carta de D.
Pedro Maria de Lacerda, bispo do Rio de Janeiro, amigo da família real, sobre a
Lei do Ventre Livre de 28 de setembro de 1871
onde, segundo Hauck (p.277) o
bispo invoca o feito como um ato de profunda gratidão e generosidade de seus
promulgadores, e o texto da carta expressa o pensamento de um alto clero da
corte.
Nessa
carta, o bispo D. Lacerda não reconhece o direito natural do negro pela
liberdade como fez o Papa Leão XIII na sua bula: “É coisa salutar restituir
pelo beneficio da alforria, à liberdade em que nasceram os homens que a
natureza fizera livres desde o início”. ‘D. Lacerda não contesta a legitimidade
da escravidão nem afirma o direito natural do escravo à liberdade’. O texto da
carta de D. Lacerda aponta para o conservadorismo e perpetuação da escravidão.
Por outro lado, este “conservadorismo” aponta para uma conformidade com a recomendação
do Apóstolo Paulo dirigida a Igreja de Éfeso quando fez a seguinte orientação:
Escravos obedeçam aos
seus senhores terrenos com respeito e temor, com sinceridade de coração, como a
Cristo. Obedeçam-lhes não apenas para agradá-los quando eles os observam, mas
como escravos de Cristo, fazendo de coração a vontade de Deus. Sirvam aos seus
senhores de boa vontade, como servindo ao Senhor, e não aos homens, porque
vocês sabem que o senhor recompensa cada um pelo bem que pratica, seja escravo,
seja livre (NVI- Efésios 6:5-08).[xxxvi]
Verificamos
por este texto que os escravos na Igreja primitiva foram ‘doutrinados’ a serem
obedientes aos seus senhores e os senhores a amarem seus escravos como irmão. Como
já foi afirmado na introdução deste texto, para
Bakhtin “Nosso próprio pensamento (...) nasce e forma-se em interação e em luta
com o pensamento alheio, o que não pode deixar de refletir nas formas de
expressão verbal do nosso pensamento” (FILHO, TORCA, p.3).[xxxvii] Dessa forma, ao
repetir as palavras do Apóstolo Paulo em sua carta o bispo D. Lacerda faz uma
contextualização de seu tempo com a das Escrituras ignorando o tempo e a
‘Iluminação’ concedido ao intelecto humano com relação ao próximo.
b.
Teologia no
discurso de D. João Antônio Santos.
A carta pastoral do bispo de Diamantina,
D. João Antônio Santos, de 31 de dezembro, convocando a população para um ato
de justiça, a saber: oferecer uma ‘prenda’ ao papa por ocasião de seu Jubileu,
mais o sermão do padre Sypolis publicado no jornal Jequitinhonha se torna
‘monumentos’ pelos quais vamos ler a teologia que se formou na mentalidade
eclesiástica e se revelou nas ações práticas no episcopado de Diamantina,
quando ela fez a leitura da necessidade local e aplicou o evangelho e se
efetuou na região em beneficio dos escravos e da sociedade em geral. Além
disso, vamos considerar as ações praticas do governo de D. João A. Santos a frente
da diocese de Diamantina. No conceito de AD a ação prática revela o discurso da
instituição ou do indivíduo.
Conforme informa Lívia Oliveira (p.
83), o bispo D. João A. Santos “escreveu nesses jornais o quanto a escravidão
representava a injustiça e a opressão para com o próximo e que por isso teria
sido criticado por cometer um ato de imprudência” e convoca a todos para um ato
de caridade e amor ao próximo, libertando o escravo como presente ao papa pelo
seu Jubileu. E ainda que o governo devesse aproveitar a data para resolver o
problema servil. E “os cativos eram
irmãos e vitimas dos interesses particulares e das rendas do Estado” (OLIVEIRA,
p. 96).
Considerando tais palavras e uma
vida de dedicação ao episcopado de Diamantina, verificamos que a leitura que D.
João fez da vida que viveu, integrou as necessidades de todos os níveis sociais
de sua região. Não deixou de lado nenhum grupo social e seus interesses. Já
vimos neste estudo, como D. João A. Santos na região de Diamantina promoveu o
desenvolvimento unindo interesse da religião e da sociedade. E como os mais
prejudicados foram alvos de sua ação social, o elemento servil, os fazendeiros,
agricultores, comerciantes e religiosos se associaram num objetivo comum sob a
liderança do bispo. A leitura que o bispo fez de seu ministério junto ao seu
rebanho incorpora um tipo de ‘Evangelho Social’ que incorporasse religiosidade
católica e compromissos sociais econômicos, onde há a necessidade de reconhecer
a liberdade imediata dos cativos. Não se vê na fala do bispo que se deva
perpetuar a escravidão: “o governo deveria aproveitar a data e resolver o
problema servil”. Enquanto isso não acontecia, apelou para a caridade das
pessoas, visto que em outra fala o bispo lembra que a liberdade não virá do
governo. Segundo, a integração bispado e economia local onde a Igreja participa
das reuniões de associações de desenvolvimento da região uma clara demonstração
que a Igreja não apenas se preocupava com o religioso, mas com o bem-estar
material. A saúde financeira, religiosa e extinção da escravidão parecem ser os
objetivos. Mais uma vez isso reflete o
Evangelho Social (não me refiro ao Evangelho Social de Walter Rauschenbusch). Jesus não somente se
preocupou com o futuro eterno de seus discípulos, mas com a saúde física, e até
financeira. Quando conseguiu dinheiro para Pedro pagar o seu imposto e o Dele
(NVI-Mateus 17:27). A teologia de D. João A. Santos presente nos seus discursos
seja ele por escrito ou pela prática de sua ação é sua ambição, era mais ampla
que os interesses do catolicismo.
c.
Teologia no sermão do padre Sypolis no
artigo do jornal Jequitinhonha.
No discurso do padre Sypolis da Diocese de
Diamantina, encontramos semelhança com a carta de D. Lacerda e do papa Leão
XIII. Com a carta de Lacerda porque apela para a “bondade dos senhores e
humildade dos escravos” (Efésios 6.5-9); com a bula de Leão XIII porque o papa
descreve o quanto o cristianismo contribuiu para a extinção da escravidão. A
carta de Filemom reflete a relação prática de tolerância e humildade entre
senhor e escravo. O fugitivo voltando para casa do seu senhor e sendo por ele
recebido com dignidade, pois agora era parte da família cristã. Na fala do
padre Sypolis notamos que o clero envolvido na defesa do menos favorecido e
prestando seu serviço pastoral aos fiéis. Esta Igreja que não se preocupava
somente com a religiosidade, mas com os assuntos gerais da sociedade e através
do Bispo D. João A. Santos, estava presente nas reuniões de associações, tinha
um discurso de mediação entre Senhores e escravos. Isto se verifica pelo texto
utilizado pelo padre Sypolis da carta de Filemon, pois as fugas e revoltas
pareciam ser o problema naquele momento. O que concorda com a informação de
Oliveira (p.32) que o Jornal Jequitinhonha condenava as fugas e revoltas. O Pe.
Sypolis também ressalta o papel da Igreja no decorrer da história no combate a
escravidão e libertação dos escravos.
Na
prática o cristianismo contribuiu para quase total extinção da escravidão. E
coube à princesa Isabel, católica, o golpe fatal no ocidente.
Em
resumo: necessidade local > leitura da
necessidade pela Igreja > formação da mentalidade + teologia pratica +
discurso > ações/práxis da Igreja > resultado positivo/negativo > ‘monumento’/Analise
do leitor.
d. Teologia na Encíclica papal de Leão XIII
de 05 de maio de 1888.
Consideremos
agora a bula papal de Leão XIII[xxxviii]
e para isso separamos um periscópio da mesma para analisarmos sua teologia e
pensamento. Vejamos por exemplo esta parte:
Somos, em verdade, o
Vigário de Cristo, Filho de Deus, que a tal extremo amou o gênero humano, que
não só não se dignou fazendo-se Homem, habitar entre nós senão que também,
comprazendo-se em chamar-se Filho do homem, claramente protestou que se abatera
à nossa condição a fim de anunciar aos cativos a sua libertação (Is. LVI, I,
Luc. IV. 19) a fim de que, quebrasse as algemas da escravidão que oprimia o
gênero humano, isto é, as algemas do pecado, restaurassem todas as coisas nos
céus e na terra (Ef. 1,10) deste modo restabelecesse na pristina dignidade toda
a descendência de Adão contaminada pelo pecado original (INTERNET).[xxxix]
Na
parte do discurso textual relacionada à escravidão o que vemos de teologia? O
texto de Leão XIII comunica a relação de Cristo e a libertação por ele
proporcionada e está perfeitamente de acordo com os evangelhos com uma leve
passada pela carta paulina de Efésios e faz visível analogia com a libertação
dos escravos. Assim como os negros está preso pelos grilhões da escravidão
(maldade humana, cobiça, materialismo fruto do pecado) o homem estava preso
pelo pecado e Cristo libertou o homem dos grilhões do pecado, da natureza
herdada de Adão.
A
escravidão é fruto do pecado no coração do homem que Cristo libertou, desta
forma se Cristo libertou o homem; também libertou o homem do pecado da
escravidão. Por isso, o homem não necessita mais carregar esse pecado em si.
Parece que para Leão XIII que a extinção da escravidão começa com a libertação
do pecado em si mesmo, portanto, a escravidão é fruto do pecado humano, e deste
pecado, Cristo nos libertou. A escravidão foi uma dessas maldades imposta ao
homem caído; veja como Leão XIII considera a escravidão:
De onde se conclui que
o estado de escravidão de direito foi imposto ao homem pecador, e por isso é
que nas Escrituras não encontramos a palavra escravos antes que o justo Noé
vindicasse com tal palavra o pecado do filho. E, pois, proveniente este nome,
não da natureza, mas do pecado (Gn. 1.25, Noé c/ XXX). Do contágio do primeiro
pecado se derivam todos os males, e, sobretudo, essa perversidade monstruosa,
em virtude da qual homem houve que, esquecidos da fraternidade original e
desprezando os ditames da razão natural, não só não observam entre si o mútuo
amor e a mútua benevolência, senão que arrastado pela ambição, começaram a ter
os outros na conta de inferiores a si, e por isso a tratá-los como animais
nascidos para o jugo. Dessa forma, não tendo em consideração alguma à identidade
da natureza humana, a dignidade humana, a imagem divina impressa no homem,
sucedeu que, graças às questões e guerras que ao depois estalaram, os
vencedores escravizassem os vendidos, e a multidão, ainda que da mesma raça, se
dividisse gradualmente em indivíduos de duas categorias distintas, a saber: os
escravos vencidos sujeitos ao domínio dos vendedores seu senhores (INTERNET).[xl]
Percebe-se
nesta bula de Leão XIII sua indignidade quanto à instituição escravidão e é
possível saber como ele entendia a origem da escravidão, ou seja, ela tem
origem no pecado, na Queda do homem e não na natureza formada em Genesis antes
da Queda (Gn. 1.25). É muito pertinente a observação do papa, passagem de Noé
que repreende seu filho Cão quando o vê nu após a embriagues com vinho e lança
maldição em sua descendência: “Disse: “Maldito seja Canaã”! Escravo de
escravos será para os seus irmãos" (Gn. 9:25
NVI). Ou seja, a palavra escravidão para o papa Leão XIII, surge novo mundo
quando acontece o primeiro pecado. Todavia, se Noé tinha em mente escravidão é
porque antes do dilúvio a escravidão já existia. O que fez Noé foi perpetuar algo
que Deus condenou pelo dilúvio. A continuidade da escravidão para Leão XIII tem
origens nas guerras e cobiças humanas que desvalorizou a raça negra
estabelecendo duas classes de vencidos e vencedores.
Concluímos que para Leão XIII o
homem foi libertado do pecado por Cristo e a escravidão repugnante é fruto do
pecado original, da Queda de Adão, se permanece no mundo, porque é alimentado
pelo egoísmo, pela cobiça e maldade dos homens que ainda não conseguiram
racionalizar que somos todos filhos de Deus. Na bula papal de Leão XIII embora
seja bastante longa e rica soterologia e hamartiologia[xli],
o papa não declara abertamente que devesse libertar imediatamente todos os
escravos para que pudessem alcançar a salvação eterna. Esta era a ‘palavra’ que
Joaquim Nabuco buscava do papa.
“Aplicando a Analise do Discurso
encontrado no trabalho do Frances Michel Pêcheux, ‘o sujeito é atravessado tanto
pela ideologia quanto pelo inconsciente’”. “Onde o sujeito tem a ilusão de ser
a fonte, a origem de seus discursos”. O sujeito é social interpretado pela sua
ideologia que conscientemente pensa ser de posse exclusiva e original, mas é um
sujeito separado de sua fonte original, da fonte discursiva. Isto é, este
sujeito tem a ilusão de ser o centro do discurso, mas é um sujeito separado da
liberdade discursiva. Para a Análise do Discurso, “o dizer do sujeito é sempre
determinado por outros dizeres, ou o discurso é sempre determinado por
interdiscursos”. Logo, pode se conceber que “a memoria discursiva são esses sentidos já cristalizado e legitimados
na sociedade que são reavivados no interdiscurso” (GUERRA, p.04).
Até aqui consideramos o indivíduo
como sujeito do discurso e o resultado são as cartas pastorais e as práticas
que se traduzem em leitura e identifica a instituição e o indivíduo. Todavia, a
Escritura é amplamente utilizada para justificar acomodações e corrigir
comportamentos. Torna-se uma fonte de consulta e prática e de constante
interpretação. Os textos bíblicos produzem teologia e daí decorre
comportamento. Assim o texto bíblico é discurso que se interpreta e produz
ideologias. Podemos comprovar empiricamente quando observamos a grande
quantidade de religiões que se formaram a partir de interpretações
bíblicas.
A teologia nos discursos aqui
apresentado é sujeito dos discursos, ou seja, a própria teologia dá subsídio
para todas as respostas para a escravidão. Tem base na teologia da corrupção
humana, da queda do homem, do pecado original de Adão, enfim, na maldade humana
que perpetuou após o dilúvio. A cobiça, o egoísmo, o materialismo, a
concorrência mercantil são as justificativas para perpetuação da escravidão até
o final do séc. XIX. A desvalorização da raça negra em detrimento de possíveis
maus entendimento do cristianismo contribuiu para continuidade da instituição.
A
teologia é sujeito (fonte) do discurso conforme o conceito de AD: “Onde o
sujeito tem a ilusão de ser a fonte, a origem de seus discursos” (...) “o dizer
do sujeito é sempre determinado por outros dizeres, ou o discurso é sempre determinado
por interdiscursos”. O indivíduo ao discursar, seja por fala ou ações práticas,
o faz pelas interpretações e inspirações que fez do texto das Escrituras e dele
extraiu sua teologia e a transformou em ações práticas pessoais.
O desenvolvimento cognitivo desses
teólogos tem sua formação em diversas fontes: da teologia vista nas escrituras,
das tradições e dogmas da Igreja e das experiências vividas do conhecimento histórico
e do ambiente físico.
As
Escrituras, como um todo, e os textos adjacentes que dizem respeito à
escravidão, são interdiscursos formadores de discursos com teologia própria. Assim
os textos de Efésios 6:5-9 e 1 Timóteo 4:1, 2, por exemplo, já é discurso
construído pelos seus autógrafos: “a AD se pensa na historicidade do texto como
constitutivo, tendo em vista o texto quanto materialidade histórica, de modo a
se compreender como a matéria textual produz sentidos” (HERMANN. p.12). A ideologia provém justamente desta
interpretação que o indivíduo faz do texto e que transformou em discurso. “Desse
modo, diante de todo objeto simbólico o sujeito é obrigado a tomar uma posição,
a interpretar” (...) “A
interpretação é, então, o lugar da ideologia, e sempre se dá em um lugar da
história e da sociedade” (idem, p. 13).
Assim
se justifica o conceito de AD onde: “o dizer do sujeito é sempre determinado
por outros dizeres, ou o discurso é sempre determinado por interdiscursos”.
Logo, pode se conceber que “a memoria
discursiva são esses sentidos já cristalizados e legitimados na sociedade que
são reavivados no interdiscurso” (GUERRA, p.04). Logo, a capacidade discursiva
e ideológica dos bispos e padres, que são verificados em seus discursos e
cartas pastorais não lhe são originais, mas tem sua fonte de inspiração as
Escrituras e se completa com os textos bíblicos. Assim, as Escrituras com sua
teologia própria é também fonte formadora de discurso. O que se verificou foi
que a teologia no discurso é extremamente bíblica.
5. CONSIDERAÇÕES FINAIS.
O modelo de colonização utilizado no
Brasil do séc. XVI, a religião católica e a sociedade lusitana colonizadora
determinaram o rumo evolutivo e desenvolvimento da sociedade que se explicou no
Brasil, e mais ainda, a formação da ‘psique’ eclesiástico existente em relação
ao negro. O pensamento eclesiástico
começa a mudar no final do século quando já são vistas severas mudanças sociais
e o negro passar a ser visto como pessoa.
A companhia lusitana e o catolicismo
determinaram o futuro Eterno de pelo menos duas etnias em terras brasileiras: a
fé e o destino social dos indígenas e afros descendentes. A História nos conta
que o objetivo inicial dos portugueses foi o regime de exploração extrativista,
utilizando mão de obra indígena e depois colonização, se utilizando de mão de
obra escrava com a presença de pouco contingente de brancos exclusivamente
católicos vindos de Portugal. Enquanto que o modelo de colonização norte
americano aconteceu grande contingente de emigrantes protestantes que fugiram
das perseguições religiosas na Europa (inclusive em países católicos),
inclusive mulheres se estabeleceram na costa leste para ali viverem. Isto fez
toda diferença no psicológico da sociedade que se formou naquele país. No
caso brasileiro, a mão de obra escrava foi necessária desde o início do projeto
de colonização brasileira e sem ela não seria possível se estabelecer e
produzir, visto que os lusitanos católicos não tinham interesse de se
estabelecer aqui. Não se pensava em Brasil sem pensar em escravidão. A Igreja
seguiu o mesmo caminho balizando o modelo português, pois estavam juntos no
processo. Na medida em que as missões religiosas iam se estabelecendo, com
muita dificuldade, na costa brasileira e interior, dentro do interesse
português, a escravidão se tornava normal e necessária. A carência afetiva pela
ausência feminina no processo foi um fator determinante na formação do
psicológico, na teologia e no trato com os negros.
5.1.
A acomodação.
A acomodação do clero com relação à escravidão
se acentua no período no Segundo Império, visto que a Igreja procurava se
estabelecer e se fortalecer diante do Estado e diante dos seus objetivos
eclesiásticos. É fato, como vimos neste texto, que a abolição não fazia parte
do seu projeto social de valorização da vida. Vimos que para a Igreja, o negro
era visto como ser inferior e a escravidão uma maneira de libertá-lo da
ignorância e dar-lhe vida eterna através do catolicismo.
Esta ideologia da igreja no Brasil
com relação à escravidão e sua apatia para com a abolição tem construção
histórica, assim, no silêncio discursivo estão as respostas. Nos mais de
trezentos anos de presença católica no Brasil a responsabilidade da catequese
era de responsabilidade dos senhores de escravos. Raros foram os processos de
integração do negro na irmandade católica como em Ouro Preto, por exemplo. Para
o negro, a frequência às missas e a integração às Irmandades era uma forma de
alcançar igualdade com o branco.
5.2.
Posição indiferente e conservadora.
Assim, as acusações que pesavam sobre a Igreja
de terem assumido posição indiferente e conservadora se submetendo aos
interesses do Estado e dos senhores como afirmava o abolicionista Luiz Anselmo
Fonseca[xlii]
e só pode ser considerado válido dentro daquele contexto em que se queria
forçar a Igreja para ser mais atuante no processo. Sendo que a Igreja também
sofria prejuízos quando ainda permanecia sob o controle do Estado embora não
tivesse consciência disso. E no pensamento de Riolando Azzi, a Igreja se
encontrava num estado de penúria ao final do império e não tinha saúde
espiritual para assumir compromissos abolicionistas.
Os abolicionistas acusavam a Igreja
de ser omissa na questão social dos negros e se manter calada diante dos
movimentos abolicionistas. Sua influencia na sociedade poderia antecipar os
acontecimentos, pois bastaria uma palavra do Papa, por exemplo. Esta era a
opinião de Joaquim Nabuco, um dos principais abolicionistas. Na missão da
Igreja estava incorporado o bem-estar dos oprimidos e cativos e o silêncio e a
aparente apatia irritava os abolicionistas. O aparente desinteresse não parecia
ser uma não percepção da questão negreira em si. Pois o que se viu foi a
disposição de alguns bispos ou membro do clero em realizar a missão para o qual
foram chamados.
Considero
este desinteresse e apatia uma questão de resposta ao chamado ministerial de
alguns e de falta de consciência à responsabilidade de seu cargo. Como exemplo,
o bispo de Diamantina D. João Antônio Santos que respondeu ao chamado e fez a sua
leitura perfeita da necessidade de sua sociedade tanto dos oprimidos como dos afortunados.
Soube conciliar sua obediência a Deus com a obediência ao Estado; sua missão
entre os oprimidos e fortunados sem promover conflitos entre ambos. E ainda,
transformar suas ações e resultados concretos que o favoreceu cada vez mais. Adquiriu
o respeito da sociedade civil e governamental ao cumprir sua missão simples de
amor ao próximo. Portanto, nem sempre e
em todos os lugares a Igreja estava silenciosa e indiferente. As ações estavam
condicionadas à leitura que cada clero fazia da necessidade no seu tempo.
Leitura que poderia produzir conscientização favorável à classe servil. Não
havia uma ordem superior de combate ao à condição servil; ficava condicionada a
esta conscientização de cada clero em realizar um trabalho voltado para a
emancipação.
As
perguntas de Camila Mendonça Pereira (2011) onde ela pergunta: “como o clero
contemporâneo agira diante do acontecimento de maio 1888? Como foi marcada a
participação da igreja Católica? E qual a participação da elite do clero? Por
que o Papa interveio e qual sua influencia no processo de abolição?”. São respondidas neste texto através do
discurso pronunciado na audiência ao enviado especial do Brasil, Ministro João
Artur de Souza Correia em 14 de janeiro de 1888. Neste discurso como vimos o
papa se manifesta favorável à abolição dos escravos.
Alguns papas anteriores a Leão XIII
já haviam se manifestado contra a escravidão, principalmente de cristão, como
já vimos neste texto. Algumas Ordens foram criadas para libertarem os cristãos
das mãos dos Cerracenos, por exemplo.
O
papa Gregório XVI em 13 de dezembro de 1839 deixou registrado em sua bula as
seguintes palavras:
Admoestamos os
fiéis para que se abstenham do desumano tráfico dos negros ou de quaisquer
outros homens que sejam (...). Pelas passadas de nossos predecessores,
admoestamos e conjuramos por Jesus Cristo todos os fiéis, de qualquer estado e
condição que sejam, para que, daqui em diante, não continuem a oprimir tão
injustamente os índios, negros ou outros quaisquer homens, privando-os de seus
bens ou fazendo-os escravos, nem mesmo se atrevam a dar auxílio ou favor
àqueles que tal tráfico exercita, por meio do qual os negros, como se fossem
animais bravios, e não homens são reduzidos à escravidão de qualquer maneira
que seja e, sem respeito para as leis da justiça e da humanidade, comprados,
vendidos e condenados aos mais duros trabalhos, além do inconveniente de
eternizar as guerras, e as discórdias nos países em que se faz o comércio da
escravatura, em razão da esperança do ganho com que se animam os que se ocupam
na apreensão dos negros. Tudo isto, portanto, nós reprovamos, como altamente indignos
do nome de cristão, em virtude da autoridade apostólica que Nos compete e, com
essa mesma autoridade, proibimos que qualquer eclesiástico ou leigo, sob
qualquer pretexto que seja, se atreva a favorecer ou proteger o tráfico da
escravatura ou pregar e ensinar em público ou em particular; de qualquer
maneira que seja, coisa alguma contra o que nestas nossas letras se acha determinado (INTERNET).[xliii]
O
papa Leão XIII na epístola “ln Plurimis” de 08 de
maio de 1888 enviadas aos bispos do Brasil se colocou favorável as libertação
dos escravos. O papa já tinha conhecimento das medidas que estavam sendo
adotadas no Brasil para que se concretizasse o fim da libertação e afirma estar
favorável aos acontecimentos: “a gratíssima
opinião de que os brasileiros queriam abolir e extirpar a imanidade da
escravidão” (...) “É profundamente deplorável a miséria da escravidão a que
desde muitos séculos está sujeita uma parte não pequena da família humana”.
Nesta epistola é lembrado a historia de Onésimo escravo fugitivo de Filemon que
Paulo enviou de volta ao seu dono após tê-lo batizado. E continua informando
que no passado “a igreja não quis proceder com precipitação em procurar a
emancipação e a libertação dos escravos, o que evidentemente não se podia fazer
senão de maneira tumultuosa que redundaria em dano deles mesmos e em detrimento
da sociedade”. Ainda que dizendo que “não perdemos nenhuma oportunidade,
procurava conseguir prudentemente que lhes fosse dada a liberdade”. Se dirigindo ao Brasil o papa Leão XIII
afirma:
E agora,
veneráveis irmãos, a vós queremos dirigir o nosso pensamento e as nossas letras
para manifestar-vos e repartir convosco a grande alegria que experimentamos
pelas decisões que nesse império se adotaram, pertinentes à escravatura. Uma vez que foi estabelecido, por lei que
todos aqueles que se encontram ainda na condição de escravos serão admitidos na
classe e nos direitos dos homens livres, não só isto em si nos parece bom,
fausto e salutar, mas achamos nesta realidade confirmada e avalorada, a
esperança de progresso consoladores para os interesses civis e religiosos”.
Portando,
parcialmente concluímos que a Igreja Católica, acusada de omissão no processo
de abolição, em algum momento ou por algum componente clerical de expressão respondeu
positivamente seus sentimentos favoráveis à causa servil. Porque estes
sentimentos não poderiam ser transmitidos aos quatro ventos, mas havia
interiormente este sentimento de dor e comoção favorável à abolição.
5.3. Desinteresse pelas questões sociais.
Com relação ao desinteresse pelas questões
sociais surgiu devido aos conflitos entre Estado e Episcopados gerados a partir
da Questão Religiosa (1972-1975) e seus motivos ocorridos a partir da década de
70, o que fez com que episcopado se preocupasse com reformas internas,
romanização da Igreja e autoridade do papa nas questões da Igreja; fez com que
a igreja se preocupasse com sua autonomia e autoridade e deixasse a questão
escravista como sendo de ordem politica e econômica e não de ordem religiosa e
missionaria. Camila Mendonça Pereira (2011) informa que neste período “o
catolicismo brasileiro vivia sob influência do movimento ultramontano que
pregava separação do Estado e obediência às determinações proveniente de Roma”.
Acrescento ainda a afirmativa de João F. Houck (2008, pp.184,191) a Igreja
Católica do final do sec. XIX, “deveria respeitar as atribuições do imperador
em virtude do padroado régio” [xliv].
Assim a submissão ao Estado brasileiro naturalmente gerava conflitos com os
ideais religiosos. E, Scott Mainwaring (2004, p.16) afirma que “o objetivo
principal de qualquer Igreja é propagar sua mensagem religiosa”, mas que
dependendo da percepção que esta faça dessa mensagem, pode vir a se preocupar
com a defesa de interesses, tais como unidade e posição. E que “toda
instituição se preocupa com a própria preservação; muitas tratam de se
expandir”. Estas situações poderiam ter
influenciado a liderança numa mudança de objetivos e interesses e feito
silenciar sua mensagem religiosa e com isto não revelar o seu pensamento
teológico. No entanto, devemos
considerar que quando aparecia uma oportunidade os bispos brasileiros promoviam
campanhas de libertação dos negros; como foi o caso do Jubileu do papa Leão
XIII. E conforme aqui descrito, nas vésperas da Lei Aurea o papa por duas
ocasiões manifestou sua vontade diretamente junto a representantes brasileiros:
no seu discurso em janeiro de 88 ao representante brasileiro por ocasião do
Jubileu de Leão XIII e em fevereiro na audiência com o Deputado Joaquim Nabuco.
5.4. Defesa de interesse.
A hipótese de que a Igreja Católica estava
defendendo e preservando interesses institucionais ao ficar ao lado do trono
sem manifestar opinião em assuntos conflitantes de ordem politica e econômica e
não conseguia perceber qual era sua real missão, pois conforme teoriza Scott
Mainwaring (2004, p.16): “o objetivo principal de qualquer Igreja é propagar
sua mensagem religiosa”, mas que dependendo da percepção que esta faça dessa
mensagem, pode vir a se preocupar com a defesa de interesses, tais como unidade
e posição. E que “toda instituição se preocupa com a própria preservação;
muitas tratam de se expandir”. Assim, estava a Igreja preocupada de tal ponto
com seus próprios interesses e atrelada ao Estado que deixou de lado a sua
‘mensagem religiosa’ e, portanto, seu discurso ficou comprometido esquecendo-se
dos interesses dos escravos; também deve ser considerada como um dos motivos de
tal apatia.
Desta
forma, os abolicionistas pensavam que para consolidar a abolição pensava que
uma ‘palavra’ final do papa que pudesse resolver, visto que nem a coroa e nem o
episcopado brasileiro possuía tal autoridade. Nas palavras de Joaquim Nabuco
“uma palavra que pudesse mudar a opinião”. O que Joaquim Nabuco buscou dos
sacerdotes, do episcopado e por fim do papa foi justamente “uma palavra só”:
(...) que efeito
prodigioso não faria a palavra do sacerdote que realmente pregasse a moral
social do evangelho! Mas onde já se viu um missionário abolicionista! (...)
ainda não houve no Brasil um bispo que levantassem a voz contra a escravidão,
como os houve para levantar a voz contra a maçonaria, apesar de estar a
escravidão mais condenadas por bulas pontíficiais – e por concílios – do que a
maçonaria (HAUCK, p. 279).
A
resposta do não pronunciamento do clero em defesa da abolição pode estar na
afirmação de Scott Mainwaring (p.22)
“à medida que institucionalizam, as organizações religiosas tendem a presentar
maior preocupação com a autopreservação e expansão, além de se tronar menos flexíveis”.
Mais adiante o autor afirma: “(...) Seu caráter institucional e seu desejo de
universalização impõe restrições a futura direção da Igreja”. Desta forma, “ela
mantém esse compromisso de universalização de todas as nações e de todos os
credos políticos, evitando assim mudanças radicais em práticas eclesiásticas ou
em política” (Idem, p.23).
5.5. A hipótese falta de discurso a
favor da emancipação e do atraso da abolição. O fato de o Brasil ser o último país
a emancipar os negros tem sua resposta na historicidade política, econômica e
religiosa dessa nação. Desde cedo na
formação do Império já se cogitava a libertação gradual do elemento servil.
Esta condição foi descartada por D. Pedro I que não quis atender aos
pensamentos de José Bonifácio. No entanto, o que se viu foi a realização das
ideias de Jose Bonifácio. Os conflitos
de interesse que surgiram no decorrer do primeiro e segundo império retardaram
a emancipação. A ausência da Reforma Protestante na historicidade do Brasil
pode ser um agravante maior, pois, o protestantismo respondeu melhor às
questões sociais, politicas e econômicas nos países que se instalaram. A origem
étnica dos colonizadores e sua psique, a formação psicológica, a mentalidade da
classe dominante pode ser outro agravante. A religião dominante e sua cultura e
visão do Evangelho, tudo contribui para o retardamento da emancipação.
Não houve uma voz profética que
tangenciasse toda esta historicidade, pois as que se levantaram foram
rechaçadas e se tornaram ocultas. Não houve na história do Brasil um
libertador-messias, como Simon Bolívar ou como George Washington, que pudesse
dar forma revolucionaria aos acontecimentos sociais. Todavia, houve muitas
vozes e gritos entre os negros, proprietários, clero e abolicionistas e
anônimos que no final alcançaram, ainda que tardia, sem derramamento de sangue,
o objetivo.
A igreja não fez parte do movimento
abolicionista radical liderado por Joaquim Nabuco, Jose do Patrocínio e outros.
Não discursou nos palanques, teatros e nem no altar da capela contra ou a favor
da abolição. Mas tudo indica, pelo estudo, que mesmo de forma apática e
moderada, de modo geral, a Igreja fez a sua obra de acordo com as suas forças
que possuía conforme explica na sua obra Riolando Azzi: A escravidão, o clero e o abolicionismo (1989).
Estas hipóteses devem ser consideradas,
mas analisada com mais profundidade. A hipótese da mensagem da Igreja (clero) ficar
prejudicada devida os interesses que perpassava o consciente eclesiástico sobre
estar ao lado do poder ou estar sob Padroado Régio. Parece-me que o parecia ser
uma boa coisa se tornou prejudicial ao desenvolvimento de suas funções
ministeriais. O Estado interferindo nas ações da Igreja prejudicaram o
andamento ministerial. No protestantismo não deu certo quando o Estado quis
dominar as ações da Igreja. Biblicamente falando a Igreja tem seu governo. Faltou à Igreja conscientização de sua
relevância e importância na sociedade. Edson F. Lopes falando de Educação
Cristã acentua:
[...]
a igreja local somente alcançará o objetivo de glorificar a Deus se tiver consciente da imprescindível
relevância da educação cristã para o aperfeiçoamento de seus integrantes no
conhecimento e na comunhão com Deus, de
sua função na sociedade em que esta inserida, podendo e devendo servir de
sal e luz deste mundo (LOPES, p. 145 – grifo meu).
5.6 A hipótese da falta de uma
missão bem definida.
A vontade de Deus estava bem definida na
‘mensagem religiosa’ da Igreja Primitiva a tal ponto que aquela submissão ao
Imperador Romano e às autoridades só entravam em conflitos quando se tratava de
negar a fé cristã em detrimento da vontade das autoridades que conflitavam com
a Palavra de Deus, a Bíblia. Caso contrário,
a mensagem cristã percorria os territórios e realizava as transformações
sociais na medida em que a sociedade ia crendo na mensagem. O único objetivo era a pregação da mensagem
do Evangelho e a salvação das almas; mas a partir do memento que foi se
constituindo lideres (bispos), centros cristãos começaram os problemas e
principalmente depois quando a Igreja ganhou a sombra confortável do Estado,
como já foi esclarecido neste estudo. No
Brasil, como vimos o clero era como uma repartição pública do Estado Brasileiro
que se beneficiava na cobrança de certos serviços ao publico; do nascimento
após morte, mas que, no entanto, buscava ‘liberdade’ de ação nos assuntos
eclesiásticos. Ocupada que estava com os serviços por ela oferecidos,
certamente os interesses dos negros ficavam em ultimo plano.
Devemos considerar
como positivo a libertação oferecido pela Igreja desenvolvida nos mosteiros das ordens católicas. Por determinação
dos bispos foram obrigadas a alforriar seus escravos, pois eram acusadas pelos
abolicionistas de que o cristianismo não era compatível com a escravidão,
inclusive pelo jornal “O Abolicionista” de darem péssimo exemplo ao serem
‘senhores de escravos’; isto é, havia um envolvimento direto da Igreja com a
escravidão, logo o seu discurso favorável à emancipação dos escravos ficava
comprometido.
Embora a Igreja seja acusada de não trabalhar com
determinação e afinco pela libertação e se juntado aos abolicionistas, na bula
do papa V.S. afirme o papel perseverante da Igreja na extinção da escravidão no
decorrer dos séculos. Para o Papa à Igreja é confiada a fazer parte dessa ação
de ‘amor ao próximo e caridade’ que ‘leva ao céu e perdoa muitos pecados’. Infelizmente
devemos compreender e teremos que admitir que os últimos dias de escravidão no Brasil
não foram marcados por sermões, homilias e discurso de libertação, mas da
habilidade politica de poucos homens que no seu tempo fizeram a historia do
Brasil.
[i]
TILIO, Rogério. p. 100 apud
Fairclough, 1992, p. 63.
[ii] Como exemplo; a Inconfidência
Mineira de 1798 onde o Estado rechaçou as ideias revolucionarias de “Igualdade,
Liberdade e Fraternidade” e um dos objetivos em mente era a libertação dos
escravos (VIOTTI DA COSTA, 17-18).
[iv]
HAUCK, p.27 apud Rodrigues, J. H. em Historias e Historias do Brasil, 8).
[v] William
Wilberforce (24/08/1759 — 29/07/1833) foi um político britânico, filantropo e líder do
movimento abolicionista do tráfico negreiro. Nativo de Kingston upon Hull, Yorkshire, começou sua carreira
política em 1780 como candidato independente, sendo deputado do condado
de Yorkshire entre 1784 e 1812. Em 1785 converteu-se ao cristianismo, mudando
completamente o seu estilo de vida e se preocupando ao longo de toda sua vida
com a reforma evangélica. Em 1787, William Wilberforce conheceu Thomas Clarkson (abolicionista britânico) e um grupo
abolicionista ao tráfico negreiro que incluía Granville Sharp, Hannah More e Charles Middleton, importantes nomes da época e que juntos persuadiram
Wilberforce a entrar também na causa. Assim, Wilberfoce logo se destacou
tornando-se líder do grupo britânico abolicionista, liderando uma campanha
no parlamento inglês contra o tráfico de escravos que resultou, em
1807, na aprovação do Ato contra o
Comércio de Escravos (https://pt.wikipedia.org/wiki/William_Wilberforce,
visto em 15/12/2017 – 21:35 h
[vi] MORAES, Isabel. Historia do
Brasil. Barueri: Gold Editora. 2012, p. 39.
[vii]O Movimento
dos Ceifasses foi organizado por Antônio Bento de Sousa e Castro, advogado, juiz e maçom no
bojo do movimento abolicionista paulista. Eles organizavam fugas coletivas no
final do século XIX, ou "roubavam os escravos de
seus senhores" para enviá-los ao quilombo do Jabaquara na cidade
de Santos e
de lá para a província do Ceará,
que já decretara a igualdade racial. O movimento de libertação dos escravos
paulista surgiu com o poeta Luís Gama e,
após sua morte, Antônio Bento assumiu a liderança do movimento. O nome Caifazes foi
inspirado em uma passagem do evangelho de São João (GO. 11,50) em que
sentencia Caifás: “Vós nada sabeis, nem compreendeis que convém que um
homem morra pelo povo, para que o povo todo não pereça? E entregou Jesus a Pilatos”.
A eficácia do movimento foi tão grande que a maioria das cidades paulistas já
havia decretado a libertação dos escravos negros antes da Lei Áurea de
1888. (fonte: https://pt.wikipedia.org/wiki/Movimento_dos_Caifazes,
visto em 25/09/17 às 14:48 h.
[viii] SANTOS, p. 139 apud Nabuco, J.
Minha formação. Rio de Janeiro: Coleção documentos do Brasil, no. 90, 1957.
[xii]
OLIVEIRA, p.85 apud BAT – O Jequitinhonha. Diamantina. 17/07/1870, no. 38
[xiii]
A Lei do Ventre Livre, ou Lei 2040 de 28 de Setembro de 1871 declarava
livres os filhos de escravas os nascidos a partir daquela data. O bispo D. João Antônio recebeu cartas do
Gabinete do Ministério da Agricultura (em 07 de Julho de 1871) informando que a sua proposta à Assembleia Geral Legislativa
seria apreciada, pois conciliava os interesses dos proprietários com a da
religião. Recebeu cartas também do
Ministério dos Negócios do Império informando da aprovação da lei.
[xiv]
PEDROSA, p. 7 apud BEOZZO, 1980, p.
280).
[xv]
O Padroado Régio ultramontano foi concedido ao rei de Portugal no sec. XV pelo
Papa e dava amplos poderes ao rei sobre a igreja. O papa Leão XII (ϯ1823-1829)
reconheceu a independência do Brasil em 1826 e confirmou o bispado a rei D.
Pedro I.
[xviii] Os documentos papais foram Mirai
vos (1832) e Quanta Cura (1864) e seu anexo Silabus. Nestes documentos o
papa ressalta a necessidade de combater
os inimigos da Igreja, o valor do
celibato e do matrimonio, condena o indifentismo, o racionalismo, liberdade de
pensamento e de imprensa e a separação entre Igreja e Estado. Na Silabus o papa condena a independência do
homem dos ditames da igreja, condena o marxismo, o racionalismo e as sociedades
secretas, inclusive a maçonaria (Santo p.133).
[xix] A Ordem de Nosso Senhor
Jesus Cristo originalmente era uma ordem
religiosa e militar,
criada a 14 de março de 1319 pela bula pontifícia Ad ea ex-quibus do Papa João
XXII, que, deste modo, atendia aos pedidos do rei Dom Dinis. Recebeu o nome de Ordem dos Cavaleiros de Nosso Senhor Jesus
Cristo[1] e
foi herdeira das propriedades e privilégios da Ordem do
Templo. Em Maio desse mesmo ano, numa cerimónia solene que contou
com a participação do Arcebispo de Évora, do Alferes-Mor do Reino D. Afonso de Albuquerque e de outros
membros da cúria régia, o rei Dom Dinis ratificou, em Santarém, a criação da
nova Ordem. Foi-lhe concedido como sede o castelo de Castro Marim; mas em 1357 já a
sede tinha sido instalada em Tomar, anterior sede templário. Em 1789 a Ordem de Cristo foi
secularizada, tornando-se uma ordem honorífica até sua extinção, em 1910, com
a implantação da República Portuguesa.
A ordem foi refundada em 1917 como a Ordem Militar de Cristo e é presidida
pelo seu grão-mestre, o Presidente da República Portuguesa
(https://pt.wikipedia.org/wiki/Ordem_de_Cristo).
[xx] VASCONCELOS, Dr. Sergio S.
Duets. Apud HOONAERT, Eduardo. Formação do catolicismo brasileiro. 1550-1800.
Petrópolis: Vozes, 1978, p.35.
[xxi] VASCONCELOS, p.41 apud CINTRA,
Raimundo. Candomblé e Umbanda, o desafio brasileiro. São Paulo: Paulinas, 1985,
p. 36-38. E VASCONCELOS, p. 41 apud CINTRA, 1985, p. 87
[xxiii] Jo. 18:10 fala de Molco, escravo
do Sumo Sacerdote de quem Pedro cortou-lhe a orelha; Flavio Josefo fala de
Corinto guarda do corpo de Herodes (OLIVEIRA-OLIVEIRA, p. 156).
[xxiv] Galatas 3:27, Colossenses 3:11.
[xxv] OLIVEIRA-OLIVEIRA, (p.182) apud
“in Epíst. ad Efésios homilia”. XIX, 5; PG. T. LXII, col. 134.
[xxvi] OLIVEIRA-OLIVEIRA, (p. 185) apud
J. Guirald, Histoire Partiale, p. 159 e J. Guillen, La escravitude, p.81.
[xxvii] OLIVEIRA-OLIVEIRA, p. 197 apud
M. Bloch, Mélanges, pp.272-273.
[xxviii] A definição básica de escravo na lei Romano-Bizantina foi: 1) alguém
cuja mãe era uma escrava; 2) qualquer pessoa que tenha sido capturada em
batalha; 3) qualquer pessoa que tenha vendido a si mesmo para pagar uma
dívida. Foi possível, no entanto,
tornar-se um liberto ou um completo cidadão; tanto no Código Justiniano,
como o direito Romano, havia extensas e complicadas regras para a libertação dos
escravos. https://pt.wikipedia.org/wiki/Escravid%C3%A3o_na_Europa_
Medieval#cite_note-59m, visto em
22/09/17.
[xxix] Comércio de escravos: A demanda do mundo Islâmico dominou o comércio de
escravos na Europa medieval. Durante a maior parte do tempo, no entanto, a
venda de Cristãos escravos para os não Cristãos foi banido. No pactum Lotharii de 840
entre Veneza e o Império Carolíngio, Veneza prometido não comprar escravos cristãos
no Império, e não vender escravos Cristãos para Muçulmanos. A Igreja
proibiu a exportação de Escravos Cristãos para as terras não Cristãs, por
exemplo, no Conselho de Koblenz, em 922, no Conselho, de Londres, em 1102, e o
Conselho de Armagh em 1171. (fone: https://pt.wikipedia.org/wiki/Escravid%C3%A3o_
na_Europa_ Medieval., visto em 22/09/17 às 17:05 h .
[xxxii] Foi nesse sentido que proclamada
a Republica e promulgada a Constituição
de 1891 quando a Igreja se viu vulnerável, uma vez que o Brasil se tornou uma
nação Laica.
[xxxiii]
Rauck, p.284 aped Leão XIII. Discurso
pronunciado na audiência ao enviado especial
do Brasil, Ministro João Artur de Souza Correia em 14 de Janeiro de 1888
in Moniteur de Rome, edição de 19 de
janeiro de 1888. Arquivo do Itamarati, M.D.B. 209/4/8. 1882-18888.
[xxxiv] Rauck, p. 285 apud Nabuco,
Carolina. A vida de Joaquim Nabuco.
Col. Documentos Brasileiros. 92, 4ª. ed. Rio de Janeiro: Livraria José Olympio Editora, 1958
[114].
[xxxv] A Analise do Discurso é uma
pratica Linguística no campo da comunicação.
E consiste em
analisar a estrutura de um texto e a partir disto compreende as construções
ideológicas presente no memo.
[xxxvi] NVI - BIBLIA SAGRADA Nova Versão
Internacional, Novo Testamento, Cartas aos Efésios 6:5-8 São Paulo: Editora
Vida; 2007. P. 1551.
[xxxvii]
FILHO, TORCA, p.3 apud Bakhtin 1997 b,
p. 317.
[xli]
Soterologia – (estudo da salvação) é
parte da teologia que trata da
salvação do homem. Doutrina bíblica
que analisa o desvio do homem perdido
e a salvação da humanidade por Jesus Cristo. .
Hamartiologia
– (Estudo do
pecado) – na Teologia Sistemática esta ciência trata do estudo do pecado e suas
origens e suas consequências.
[xlii] Azzi, 1988, p.55 e Fonseca,
1887, p.12.
[xliv] Padroado Régio era o poder que o
Papa concedia a reis, principalmente da península Ibérica, e dava amplos
poderes ao rei sore o clero da Igreja.
Comandando todas suas ações. O Padroado Régio foi concedido a rei de
Portugal no séc. XV. O papa Leão XII (ϯ1823-1829) reconheceu a independência do
Brasil em 1826 e confirmou o bispado a rei D. Pedro.
6. REFERÊNCIAS
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7. WEBSITTES VISITADOS
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às 17:05 h .
8. REFERENCIA
[i]
TILIO, Rogério. p. 100 apud
Fairclough, 1992, p. 63.
[ii] Como exemplo; a Inconfidência
Mineira de 1798 onde o Estado rechaçou as ideias revolucionarias de “Igualdade,
Liberdade e Fraternidade” e um dos objetivos em mente era a libertação dos
escravos (VIOTTI DA COSTA, 17-18).
[iv]
HAUCK, p.27 apud Rodrigues, J. H. em Historias e Historias do Brasil, 8).
[v] William
Wilberforce (24/08/1759 — 29/07/1833) foi um político britânico, filantropo e líder do
movimento abolicionista do tráfico negreiro. Nativo de Kingston upon Hull, Yorkshire, começou sua carreira
política em 1780 como candidato independente, sendo deputado do condado
de Yorkshire entre 1784 e 1812. Em 1785 converteu-se ao cristianismo, mudando
completamente o seu estilo de vida e se preocupando ao longo de toda sua vida
com a reforma evangélica. Em 1787, William Wilberforce conheceu Thomas Clarkson (abolicionista britânico) e um grupo
abolicionista ao tráfico negreiro que incluía Granville Sharp, Hannah More e Charles Middleton, importantes nomes da época e que juntos persuadiram
Wilberforce a entrar também na causa. Assim, Wilberfoce logo se destacou
tornando-se líder do grupo britânico abolicionista, liderando uma campanha
no parlamento inglês contra o tráfico de escravos que resultou, em
1807, na aprovação do Ato contra o
Comércio de Escravos (https://pt.wikipedia.org/wiki/William_Wilberforce,
visto em 15/12/2017 – 21:35 h
[vi] MORAES, Isabel. Historia do
Brasil. Barueri: Gold Editora. 2012, p. 39.
[vii]O Movimento
dos Ceifasses foi organizado por Antônio Bento de Sousa e Castro, advogado, juiz e maçom no
bojo do movimento abolicionista paulista. Eles organizavam fugas coletivas no
final do século XIX, ou "roubavam os escravos de
seus senhores" para enviá-los ao quilombo do Jabaquara na cidade
de Santos e
de lá para a província do Ceará,
que já decretara a igualdade racial. O movimento de libertação dos escravos
paulista surgiu com o poeta Luís Gama e,
após sua morte, Antônio Bento assumiu a liderança do movimento. O nome Caifazes foi
inspirado em uma passagem do evangelho de São João (GO. 11,50) em que
sentencia Caifás: “Vós nada sabeis, nem compreendeis que convém que um
homem morra pelo povo, para que o povo todo não pereça? E entregou Jesus a Pilatos”.
A eficácia do movimento foi tão grande que a maioria das cidades paulistas já
havia decretado a libertação dos escravos negros antes da Lei Áurea de
1888. (fonte: https://pt.wikipedia.org/wiki/Movimento_dos_Caifazes,
visto em 25/09/17 às 14:48 h.
[viii] SANTOS, p. 139 apud Nabuco, J.
Minha formação. Rio de Janeiro: Coleção documentos do Brasil, no. 90, 1957.
[xii]
OLIVEIRA, p.85 apud BAT – O Jequitinhonha. Diamantina. 17/07/1870, no. 38
[xiii]
A Lei do Ventre Livre, ou Lei 2040 de 28 de Setembro de 1871 declarava
livres os filhos de escravas os nascidos a partir daquela data. O bispo D. João Antônio recebeu cartas do
Gabinete do Ministério da Agricultura (em 07 de Julho de 1871) informando que a sua proposta à Assembleia Geral Legislativa
seria apreciada, pois conciliava os interesses dos proprietários com a da
religião. Recebeu cartas também do
Ministério dos Negócios do Império informando da aprovação da lei.
[xiv]
PEDROSA, p. 7 apud BEOZZO, 1980, p.
280).
[xv]
O Padroado Régio ultramontano foi concedido ao rei de Portugal no sec. XV pelo
Papa e dava amplos poderes ao rei sobre a igreja. O papa Leão XII (ϯ1823-1829)
reconheceu a independência do Brasil em 1826 e confirmou o bispado a rei D.
Pedro I.
[xviii] Os documentos papais foram Mirai
vos (1832) e Quanta Cura (1864) e seu anexo Silabus. Nestes documentos o
papa ressalta a necessidade de combater
os inimigos da Igreja, o valor do
celibato e do matrimonio, condena o indifentismo, o racionalismo, liberdade de
pensamento e de imprensa e a separação entre Igreja e Estado. Na Silabus o papa condena a independência do
homem dos ditames da igreja, condena o marxismo, o racionalismo e as sociedades
secretas, inclusive a maçonaria (Santo p.133).
[xix] A Ordem de Nosso Senhor
Jesus Cristo originalmente era uma ordem
religiosa e militar,
criada a 14 de março de 1319 pela bula pontifícia Ad ea ex-quibus do Papa João
XXII, que, deste modo, atendia aos pedidos do rei Dom Dinis. Recebeu o nome de Ordem dos Cavaleiros de Nosso Senhor Jesus
Cristo[1] e
foi herdeira das propriedades e privilégios da Ordem do
Templo. Em Maio desse mesmo ano, numa cerimónia solene que contou
com a participação do Arcebispo de Évora, do Alferes-Mor do Reino D. Afonso de Albuquerque e de outros
membros da cúria régia, o rei Dom Dinis ratificou, em Santarém, a criação da
nova Ordem. Foi-lhe concedido como sede o castelo de Castro Marim; mas em 1357 já a
sede tinha sido instalada em Tomar, anterior sede templário. Em 1789 a Ordem de Cristo foi
secularizada, tornando-se uma ordem honorífica até sua extinção, em 1910, com
a implantação da República Portuguesa.
A ordem foi refundada em 1917 como a Ordem Militar de Cristo e é presidida
pelo seu grão-mestre, o Presidente da República Portuguesa
(https://pt.wikipedia.org/wiki/Ordem_de_Cristo).
[xx] VASCONCELOS, Dr. Sergio S.
Duets. apud HOONAERT, Eduardo. Formação do catolicismo brasileiro. 1550-1800.
Petrópolis: Vozes, 1978, p.35.
[xxi] VASCONCELOS, p.41 apud CINTRA,
Raimundo. Candomblé e Umbanda, o desafio brasileiro. São Paulo: Paulinas, 1985,
p. 36-38. E VASCONCELOS, p. 41 apud CINTRA, 1985, p. 87
[xxiii] Jo. 18:10 fala de Molco, escravo
do Sumo Sacerdote de quem Pedro cortou-lhe a orelha; Flavio Josefo fala de
Corinto guarda do corpo de Herodes (OLIVEIRA-OLIVEIRA, p. 156).
[xxiv] Galatas 3:27, Colossenses 3:11.
[xxv] OLIVEIRA-OLIVEIRA, (p.182) apud
“in Epíst. ad Efésios homilia”. XIX, 5; PG. T. LXII, col. 134.
[xxvi] OLIVEIRA-OLIVEIRA, (p. 185) apud
J. Guirald, Histoire Partiale, p. 159 e J. Guillen, La escravitude, p.81.
[xxvii] OLIVEIRA-OLIVEIRA, p. 197 apud
M. Bloch, Mélanges, pp.272-273.
[xxviii] A definição básica de escravo na lei Romano-Bizantina foi: 1) alguém
cuja mãe era uma escrava; 2) qualquer pessoa que tenha sido capturada em
batalha; 3) qualquer pessoa que tenha vendido a si mesmo para pagar uma
dívida. Foi possível, no entanto,
tornar-se um liberto ou um completo cidadão; tanto no Código Justiniano,
como o direito Romano, havia extensas e complicadas regras para a libertação dos
escravos. https://pt.wikipedia.org/wiki/Escravid%C3%A3o_na_Europa_
Medieval#cite_note-59m, visto em
22/09/17.
[xxix] Comércio de escravos: A demanda do mundo Islâmico dominou o comércio de
escravos na Europa medieval. Durante a maior parte do tempo, no entanto, a
venda de Cristãos escravos para os não Cristãos foi banido. No pactum Lotharii de 840 entre Veneza e o Império Carolíngio, Veneza prometido não comprar escravos cristãos
no Império, e não vender escravos Cristãos para Muçulmanos. A Igreja
proibiu a exportação de Escravos Cristãos para as terras não Cristãs, por
exemplo, no Conselho de Koblenz, em 922, no Conselho, de Londres, em 1102, e o
Conselho de Armagh em 1171. (fone: https://pt.wikipedia.org/wiki/Escravid%C3%A3o_
na_Europa_ Medieval., visto em 22/09/17 às 17:05 h .
[xxxii] Foi nesse sentido que proclamada
a Republica e promulgada a Constituição
de 1891 quando a Igreja se viu vulnerável, uma vez que o Brasil se tornou uma
nação Laica.
[xxxiii]
Rauck, p.284 aped Leão XIII. Discurso
pronunciado na audiência ao enviado especial
do Brasil, Ministro João Artur de Souza Correia em 14 de Janeiro de 1888
in Moniteur de Rome, edição de 19 de
janeiro de 1888. Arquivo do Itamarati, M.D.B. 209/4/8. 1882-18888.
[xxxiv] Rauck, p. 285 apud Nabuco,
Carolina. A vida de Joaquim Nabuco.
Col. Documentos Brasileiros. 92, 4ª. ed. Rio de Janeiro: Livraria José Olympio Editora, 1958
[114].
[xxxv] A Analise do Discurso é uma
pratica Linguística no campo da comunicação.
E consiste em
analisar a estrutura de um texto e a partir disto compreende as construções
ideológicas presente no memo.
[xxxvi] NVI - BIBLIA SAGRADA Nova Versão
Internacional, Novo Testamento, Cartas aos Efésios 6:5-8 São Paulo: Editora
Vida; 2007. P. 1551.
[xxxvii]
FILHO, TORCA, p.3 apud Bakhtin 1997 b,
p. 317.
[xli]
Soterologia – (estudo da salvação) é
parte da teologia que trata da
salvação do homem. Doutrina bíblica
que analisa o desvio do homem perdido
e a salvação da humanidade por Jesus Cristo. .
Hamartiologia
– (Estudo do
pecado) – na Teologia Sistemática esta ciência trata do estudo do pecado e suas
origens e suas consequências.
[xlii] Azzi, 1988, p.55 e Fonseca,
1887, p.12.
[xliv] Padroado Régio era o poder que o
Papa concedia a reis, principalmente da península Ibérica, e dava amplos
poderes ao rei sore o clero da Igreja.
Comandando todas suas ações. O Padroado Régio foi concedido a rei de
Portugal no séc. XV. O papa Leão XII (ϯ1823-1829) reconheceu a independência do
Brasil em 1826 e confirmou o bispado a rei D. Pedro.